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Concluída a formatura, residiu 3 ou 4 anos no reino de Leão, na localidade de Vila Franca. E terá exercido o cargo de “médico do partido” em uma vila da Galiza, onde terá sido contactado para casar com uma filha de Lopo Dias, de uma poderosa família cristã-nova do Porto, o que ele recusaria.
Viria casar no Porto, sim, com Branca Cardoso, filha de Manuel Fernandes Videira e Beatriz Cardosa (Baeça), sendo portanto, cunhado de António Videira e Afonso Cardoso. O casal começou por dividir a morada entre Vila Real e Fontelonga, terra de Ansiães, assentando finalmente no Porto. Aí o vamos encontrar, em agosto de 1614, assinando um contrato com 16 chefes de família que se comprometem a pagar mil réis cada ano e “ele se obriga a curar nossas casas, filhos e famílias e criados, de todas as enfermidades tocantes à medicina que sucederem em nossas casas…”
A medicina, porém, não era a sua exclusiva e principal atividade. Antes seria o comércio e a cobrança de impostos. Assim o vemos a arrematar a cobrança de rendas em terras de Ansiães e na aldeia de Fontelonga estaria pelo ano de 1592, data em que nasceu o filho mais velho, ali batizado com o nome de Manuel Dias. O crisma recebeu-o em Vila Real e, por 1612, já a família viveria no Porto.
Para além de rendeiro, o nosso médico era mercador, um mercador de grosso, que recebia fazendas do estrangeiro e para ali remetia açúcares que mandava comprar no Brasil. E assim, em fevereiro de 1613, mandou o seu filho mais velho, então de 21 anos, com um carregamento de fazendas e ordem para empregar o produto da venda na compra de caixas de açúcar.
Corria o ano de 1614 e andava o Manuel pela cidade de S. Salvador da Baía, com “o trato e maneio e negociação, assim de seu pai como de outras pessoas”, quando ali chegou o seu irmão Gonçalo, de uns 13 anos, para o ajudar no negócio e fazer o seu “estágio profissional”.
Em 1615, tendo os negócios arrumados, Manuel regressou ao Porto, deixando na Baía o irmão Gonçalo, em casa do seu amigo Simão Mendes, que tinha um armazém junto à praia, armazém que alugava aos mercadores para depósito e local de venda de caixas de açúcar, junto ao cais de embarque. Nesse armazém ficava muitas vezes o jovem Gonçalo. E desaparecendo duas caixas de açúcar, Simão culpou-o de ser conivente no roubo, não revelando o autor do furto. Ou seria o Simão que as fez desaparecer, culpando o miúdo e outros, para se desculpar perante os donos? A insinuação foi feita anos depois por Manuel Dias, acrescentando que Simão Mendes “era um velhaco que furtara dinheiro das caixas aos donos delas (…) costumado a vender as caixas que tem em seu poder por uns preços e dar a seus donos outros menos, dizendo que não vendera por mais”.
Facto é que o miúdo regressou ao Porto e à casa paterna logo no ano seguinte. E agora aproveitamos para dizer que o Dr. João Espinosa tinha mais 4 filhos e 2 filhas, todos solteiros. Um dos filhos, o António, era advogado e outro, o Diogo, andava a estudar medicina na universidade de Coimbra.
No mês de julho de 1617, Manuel e Gonçalo voltaram a embarcar para a Baía com nova remessa de fazendas e encomendas de açúcar. Meses depois, a cidade do Porto foi varrida por um vendaval de prisões lançado pela inquisição. E foram dezenas e dezenas de grandes mercadores, num verdadeiro arraso da burguesia Portuense.
E depois de ver prender umas 40 pessoas, muitas delas das suas relações sociais e comerciais, o Dr. João Rodrigues Espinosa meteu-se a caminho da Galiza, acompanhado do seu filho António, de “um seu negrinho e um almocreve castelhano”. No seu encalço seguiu um familiar do santo ofício, chamado Sebastião Pacheco, que acabou por alcançá-lo e prendê-lo à entrada de Baiona, uma localidade da Galiza. Levado para a cadeia da inquisição de Coimbra, (3) o médico diria que viajava para Santiago de Compostela. Certamente que os inquisidores não aceitavam a explicação, antes se convenciam de que ele ia fugido para não ser preso.
Mas isso pouco importava. Mais cedo ou mais tarde, ele acabaria por confessar. Importante era o sequestro dos bens, neles incluindo “mercadorias e encomendas para o Brasil e outras partes e eram de grandes quantias”.
E então foi dada ordem para o Fisco da cidade da Baía, sequestrar o dinheiro e mercadorias que estavam com seu filho Manuel, pois ele era filho-família e tudo pertencia a seu pai. Possivelmente haveria mercadorias contratadas e outras vendidas e por pagar e o processo de confisco não seria fácil…
Obviamente que Manuel andava revoltado e soltava alguns desabafos com pessoas amigas, e de confiança. Pensaria ele que o eram. Como um tal Domingos Fernandes, mestre do navio Nª Sª do Rosário, que antes o transportara e então acostou à Baía e lhe foi “dar os pêsames” pela prisão do pai. Manuel deixou então cair o seguinte comentário:
- Disse que muitos homens que saíam a queimar que morriam mártires, por quererem sustentar a sua honra e serem homens honrados e não quererem confessar e os que confessavam eram baixos e gente sem honra, e que por confessarem lhe perdoavam. (4)
Aconteceu então chegar à Baía o inquisidor Marcos Teixeira, em visitação. E perante ele logo apareceu o dito Domingos Fernandes a denunciar. E apareceram outros, nomeadamente um António Carvalho, natural de Vila Franca, junto a Bragança, feitor da alfândega de S. Salvador da Baía e um Manuel Fernandes que há 8 meses servia como criado a Manuel e Gonçalo Espinosa. E além daquele desabafo, outras afirmações lhe imputaram. Como esta:
- Disse que Sua Majestade devia ter alguma grande necessidade de dinheiro pois prendia todos os homens da nação.
E foi quanto bastou para o inquisidor Marcos Teixeira mandar prender Manuel Espinosa, em fevereiro de 1619. E o pior é que parece ter-se esquecido do prisioneiro, regressando ele ao Reino. E ao cabo de 2 anos, estando já em liberdade o seu pai e outros mercadores do Porto, o prisioneiro fez uma exposição para o conselho geral da inquisição, expondo o seu caso. E faltando a resposta, um ano depois, fez nova exposição. O conselho geral pediu explicações a Marcos Teixeira que disse lembrar-se de que, por culpas da visitação, por ser filho de outro prisioneiro e por “passar às partes do Brasil sem licença, o mandei pôr em custódia, por ele jurar não ter quem o fiasse, e como a custódia era larga, me pareceu que era de pouco prejuízo para o suplicante ficar nela…”
A cínica declaração de Marcos Teixeira tem data de 31.1.1622. E então, sim, começou a ser organizado o processo contra Manuel Dias Espinosa, que, em 30 abril seguinte, foi embarcado na Baía e em julho entregue na inquisição de Lisboa. Para além das culpas pessoais, os inquisidores acrescentaram uma outra:
- Além de que o réu é da cidade do Porto, terra tão infecionada e filho de João Rodrigues, que foi preso em Coimbra.
Foram mais 2 anos de calvário para Manuel Dias. Posto a tormento, ficou tão maltratado que tiveram de o curar. Saiu do auto da fé (de 5.5.1624) estropiado a ponto de nas escolas gerais ficar “enfermo de cama (…) e haver mister com brevidade de xaropes, purgas e suadouros que não pode tomar nestas escolas” – conforme relataram os médicos. Foi autorizado, por 2 meses, a ir para casa de uma pessoa amiga a curar-se. Ao fim daquele tempo e continuando enfermo, “os médicos lhe dizem que será bom ir convalescer a natureza”. Autorizaram-no a ir 4 meses para o Porto. Mas “trará sempre seu hábito penitencial”. E assim termina o seu processo, sem qualquer outro despacho.
Notas e Bibliografia:
1-Os outros filhos de Manuel e Esmeralda foram: Henrique Rodrigues Catela, casado e morador em Vila Real; Gonçalo da Mesquita, que foi casar e morar em Murça e Beatriz da Mesquita, casada em Vila Real com Gonçalo Lobo.
2-Nos livros de matrícula da universidade de Salamanca aparece um João Rodrigues de Vila Real, matriculado entre 1563 e 1569. Será o nosso biografado? Nesse caso terá nascido alguns anos antes da data referida, o que não será muito anormal.
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 1328, de João Rodrigues Espinosa.
4-IDEM,inq. Lisboa, pº 3508, de Manuel Dias Espinosa.
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