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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Nós, Transmontanos, Sefarditas e Marranos - JOÃO RODRIGUES ESPINOSA (N. V. REAL, 1553)

PROCESSO DO LICENCIADO JOÃO RODRIGUES ESPINOSA
CLICA NA IMAGEM PARA ACEDER AO PROCESSO
DO LICENCIADO JOÃO RODRIGUES ESPINOSA
Nasceu em Vila Real por 1553, sendo filho de Manuel Dias Catela, (1) advogado e de Esmeralda Rodrigues, de S. João da Pesqueira. Em Vila Real terá feito os primeiros estudos, de modo que, aos 12 anos foi enviado para a cidade de Braga a aprender Latim. Seguiu depois para Salamanca a estudar artes e medicina. (2)
Concluída a formatura, residiu 3 ou 4 anos no reino de Leão, na localidade de Vila Franca. E terá exercido o cargo de “médico do partido” em uma vila da Galiza, onde terá sido contactado para casar com uma filha de Lopo Dias, de uma poderosa família cristã-nova do Porto, o que ele recusaria.
Viria casar no Porto, sim, com Branca Cardoso, filha de Manuel Fernandes Videira e Beatriz Cardosa (Baeça), sendo portanto, cunhado de António Videira e Afonso Cardoso. O casal começou por dividir a morada entre Vila Real e Fontelonga, terra de Ansiães, assentando finalmente no Porto. Aí o vamos encontrar, em agosto de 1614, assinando um contrato com 16 chefes de família que se comprometem a pagar mil réis cada ano e “ele se obriga a curar nossas casas, filhos e famílias e criados, de todas as enfermidades tocantes à medicina que sucederem em nossas casas…”
A medicina, porém, não era a sua exclusiva e principal atividade. Antes seria o comércio e a cobrança de impostos. Assim o vemos a arrematar a cobrança de rendas em terras de Ansiães e na aldeia de Fontelonga estaria pelo ano de 1592, data em que nasceu o filho mais velho, ali batizado com o nome de Manuel Dias. O crisma recebeu-o em Vila Real e, por 1612, já a família viveria no Porto.
Para além de rendeiro, o nosso médico era mercador, um mercador de grosso, que recebia fazendas do estrangeiro e para ali remetia açúcares que mandava comprar no Brasil. E assim, em fevereiro de 1613, mandou o seu filho mais velho, então de 21 anos, com um carregamento de fazendas e ordem para empregar o produto da venda na compra de caixas de açúcar.
Corria o ano de 1614 e andava o Manuel pela cidade de S. Salvador da Baía, com “o trato e maneio e negociação, assim de seu pai como de outras pessoas”, quando ali chegou o seu irmão Gonçalo, de uns 13 anos, para o ajudar no negócio e fazer o seu “estágio profissional”.
Em 1615, tendo os negócios arrumados, Manuel regressou ao Porto, deixando na Baía o irmão Gonçalo, em casa do seu amigo Simão Mendes, que tinha um armazém junto à praia, armazém que alugava aos mercadores para depósito e local de venda de caixas de açúcar, junto ao cais de embarque. Nesse armazém ficava muitas vezes o jovem Gonçalo. E desaparecendo duas caixas de açúcar, Simão culpou-o de ser conivente no roubo, não revelando o autor do furto. Ou seria o Simão que as fez desaparecer, culpando o miúdo e outros, para se desculpar perante os donos? A insinuação foi feita anos depois por Manuel Dias, acrescentando que Simão Mendes “era um velhaco que furtara dinheiro das caixas aos donos delas (…) costumado a vender as caixas que tem em seu poder por uns preços e dar a seus donos outros menos, dizendo que não vendera por mais”.
Facto é que o miúdo regressou ao Porto e à casa paterna logo no ano seguinte. E agora aproveitamos para dizer que o Dr. João Espinosa tinha mais 4 filhos e 2 filhas, todos solteiros. Um dos filhos, o António, era advogado e outro, o Diogo, andava a estudar medicina na universidade de Coimbra.
No mês de julho de 1617, Manuel e Gonçalo voltaram a embarcar para a Baía com nova remessa de fazendas e encomendas de açúcar. Meses depois, a cidade do Porto foi varrida por um vendaval de prisões lançado pela inquisição. E foram dezenas e dezenas de grandes mercadores, num verdadeiro arraso da burguesia Portuense.
E depois de ver prender umas 40 pessoas, muitas delas das suas relações sociais e comerciais, o Dr. João Rodrigues Espinosa meteu-se a caminho da Galiza, acompanhado do seu filho António, de “um seu negrinho e um almocreve castelhano”. No seu encalço seguiu um familiar do santo ofício, chamado Sebastião Pacheco, que acabou por alcançá-lo e prendê-lo à entrada de Baiona, uma localidade da Galiza. Levado para a cadeia da inquisição de Coimbra, (3) o médico diria que viajava para Santiago de Compostela. Certamente que os inquisidores não aceitavam a explicação, antes se convenciam de que ele ia fugido para não ser preso.
Mas isso pouco importava. Mais cedo ou mais tarde, ele acabaria por confessar. Importante era o sequestro dos bens, neles incluindo “mercadorias e encomendas para o Brasil e outras partes e eram de grandes quantias”.
E então foi dada ordem para o Fisco da cidade da Baía, sequestrar o dinheiro e mercadorias que estavam com seu filho Manuel, pois ele era filho-família e tudo pertencia a seu pai. Possivelmente haveria mercadorias contratadas e outras vendidas e por pagar e o processo de confisco não seria fácil…
Obviamente que Manuel andava revoltado e soltava alguns desabafos com pessoas amigas, e de confiança. Pensaria ele que o eram. Como um tal Domingos Fernandes, mestre do navio Nª Sª do Rosário, que antes o transportara e então acostou à Baía e lhe foi “dar os pêsames” pela prisão do pai. Manuel deixou então cair o seguinte comentário:
- Disse que muitos homens que saíam a queimar que morriam mártires, por quererem sustentar a sua honra e serem homens honrados e não quererem confessar e os que confessavam eram baixos e gente sem honra, e que por confessarem lhe perdoavam. (4)
Aconteceu então chegar à Baía o inquisidor Marcos Teixeira, em visitação. E perante ele logo apareceu o dito Domingos Fernandes a denunciar. E apareceram outros, nomeadamente um António Carvalho, natural de Vila Franca, junto a Bragança, feitor da alfândega de S. Salvador da Baía e um Manuel Fernandes que há 8 meses servia como criado a Manuel e Gonçalo Espinosa. E além daquele desabafo, outras afirmações lhe imputaram. Como esta:
- Disse que Sua Majestade devia ter alguma grande necessidade de dinheiro pois prendia todos os homens da nação.
E foi quanto bastou para o inquisidor Marcos Teixeira mandar prender Manuel Espinosa, em fevereiro de 1619. E o pior é que parece ter-se esquecido do prisioneiro, regressando ele ao Reino. E ao cabo de 2 anos, estando já em liberdade o seu pai e outros mercadores do Porto, o prisioneiro fez uma exposição para o conselho geral da inquisição, expondo o seu caso. E faltando a resposta, um ano depois, fez nova exposição. O conselho geral pediu explicações a Marcos Teixeira que disse lembrar-se de que, por culpas da visitação, por ser filho de outro prisioneiro e por “passar às partes do Brasil sem licença, o mandei pôr em custódia, por ele jurar não ter quem o fiasse, e como a custódia era larga, me pareceu que era de pouco prejuízo para o suplicante ficar nela…”
A cínica declaração de Marcos Teixeira tem data de 31.1.1622. E então, sim, começou a ser organizado o processo contra Manuel Dias Espinosa, que, em 30 abril seguinte, foi embarcado na Baía e em julho entregue na inquisição de Lisboa. Para além das culpas pessoais, os inquisidores acrescentaram uma outra:
- Além de que o réu é da cidade do Porto, terra tão infecionada e filho de João Rodrigues, que foi preso em Coimbra.
Foram mais 2 anos de calvário para Manuel Dias. Posto a tormento, ficou tão maltratado que tiveram de o curar. Saiu do auto da fé (de 5.5.1624) estropiado a ponto de nas escolas gerais ficar “enfermo de cama (…) e haver mister com brevidade de xaropes, purgas e suadouros que não pode tomar nestas escolas” – conforme relataram os médicos. Foi autorizado, por 2 meses, a ir para casa de uma pessoa amiga a curar-se. Ao fim daquele tempo e continuando enfermo, “os médicos lhe dizem que será bom ir convalescer a natureza”. Autorizaram-no a ir 4 meses para o Porto. Mas “trará sempre seu hábito penitencial”. E assim termina o seu processo, sem qualquer outro despacho.

Notas e Bibliografia:
1-Os outros filhos de Manuel e Esmeralda foram: Henrique Rodrigues Catela, casado e morador em Vila Real; Gonçalo da Mesquita, que foi casar e morar em Murça e Beatriz da Mesquita, casada em Vila Real com Gonçalo Lobo.
2-Nos livros de matrícula da universidade de Salamanca aparece um João Rodrigues de Vila Real, matriculado entre 1563 e 1569. Será o nosso biografado? Nesse caso terá nascido alguns anos antes da data referida, o que não será muito anormal.
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 1328, de João Rodrigues Espinosa.
4-IDEM,inq. Lisboa, pº 3508, de Manuel Dias Espinosa.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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