REGIS DUVIGNAU/REUTERS |
Zurique, Outono, pouca neve nas montanhas mas a mesma beleza de sempre. Meia dúzia de barcos acolhem mais uma Expovina, uma feira de degustação e de compra de vinhos de todo o mundo. É um momento importante para os importadores/distribuidores locais. Com a proximidade do Natal, as pessoas ficam mais receptivas a comprar.
A feira dura 15 dias. Por um balcão com cerca de 10 metros quadrados, cada importador paga cerca de mil euros por dia. O serviço e limpeza de copos e os convites são pagos à parte. Cada convite custa 5 euros. A isto acresce o custo com a contratação de colaboradores, para atenderem os visitantes. São duas semanas de muito trabalho e de muita despesa.
O sistema de compra e venda é simples: os clientes provam, fazem a encomenda e os vinhos são depois entregues em casa. Nem toda a gente que vai à feira compra vinho. A maior parte só prova. Um importador de vinho português, para conseguir ter algum lucro, necessita de vender cerca de 5 mil euros de vinho por dia. É muito dinheiro. Apesar de Zurique ser uma cidade rica, há muitos vinhos de todo o mundo. Por que razão hão-de os suíços comprar vinho português em vez de francês, italiano ou espanhol?
Andamos sempre a falar em exportar, que vender lá fora é que é bom, mas raramente nos colocamos na pele de um importador. Os problemas dos produtores são os mesmos dos importadores/distribuidores: uns e outros têm que investir muito antes de venderem alguma coisa. E vender vinho não é o mesmo que vender pão. Não é um produto de primeira necessidade.
Exportar vinho e esperar sentado pela segunda encomenda não existe. Nem mesmo quem produz vinhos famosos se pode dar a esse luxo. Todos os anos há uma nova colheita para vender e também novos produtores no mercado. A concorrência é impiedosa.
Mais do que nunca, ao produtor não basta fazer vinho, tem que ser também um incansável caixeiro-viajante, sempre de malas feitas e longe da família. Há produtores que passam mais tempo fora do que em casa. Tiro-lhes o chapéu. Domingos Alves de Sousa, da Quinta da Gaivosa (Douro), por exemplo, é um dos que não param. Anda sempre a saltar de feira em feira, de jantar vínico em jantar vínico, em Portugal e pelo mundo fora. A sua capacidade de trabalho já tem algo de lendário no sector. O bairradino Luís Pato é outro que anda sempre em viagem, a dar vinhos a provar e a contar a sua história uma e outra vez. Fá-lo há 30 anos de forma ininterrupta. Há mais uns quantos produtores nacionais veteranos da estrada e dos aeroportos. Falo nestes porque são um exemplo para todos. Um exemplo de trabalho e também de sucesso. Que ninguém lhes inveje o sucesso. Deu mesmo muito trabalho.
Também podia falar de Duarte Leal da Costa, da Ervideira (Alentejo). A grande notoriedade que a Ervideira possui hoje não aconteceu por acaso. Tem muito suor seu e de outros colaboradores por trás. Este ano, Duarte, segundo o próprio, só teve um único dia em que não fez absolutamente nada relacionado com o vinho. Até ao final do ano, tirando o Natal, não terá mais nenhum fim-de-semana livre para estar com a família.
Encontrei-o em Zurique. Estava em trânsito, a caminho da China. Encontrei-o a servir vinhos no balcão do seu importador. Não apenas os da sua família, mas também os dos outros produtores portugueses representados. Vi-o a promover e a vender vinho do Douro, de Lisboa, do Dão. Ao longo das duas semanas da feira, outros produtores fizeram o mesmo. O sucesso do importador é também o sucesso de todos eles.
Nunca tinha assistido a uma feira assim, tão solidária e produtiva. Estas são as feiras a que vale a pena ir, em que se promove, se contacta com o consumidor final e se vende. Não é só servir copos, como acontece nas principais feiras que se realizam em Portugal.
Vi vários emigrantes a comprar em função da qualidade do vinho e não apenas do preço. Duas primas madeirenses, por exemplo, quiseram provar o melhor e gastaram mais de mil euros. Encontrei muitos jovens suíços, italianos e franceses que visitaram recentemente Portugal e que, por terem gostado tanto do país, quiseram “recordar” a viagem provando e comprando algum vinho português. Testemunhei, com alguma surpresa, o interesse de vários deles pelo vinho do Porto, em especial pelo Porto Tawny. Vi vários brasileiros a comprar vinho e azeite, falando com saudade das coisas boas da “terrinha”. Encontrei muitos suíços já repetentes a fazer compras avultadas. Conheci gente que nunca tinha provado um vinho português e que acabou a comprar várias caixas. E confirmei uma vez mais o que já aqui escrevi noutras ocasiões: num negócio tão competitivo como o do vinho, a empatia é, mais do que nunca, o melhor motor de venda. Com tanta oferta, com tanto vinho de valor semelhante por onde escolher, o que nos faz optar por um ou por outro é cada vez mais o conhecimento pessoal, a “história” do produtor, a sua simpatia, a explicação certa no momento certo.
Já ao fim do dia, um casal suíço na casa dos 70 anos pediu para provar vinhos portugueses tintos de uma só casta. Provaram os únicos três que havia e não mostraram grande entusiasmo por nenhum, nem muito menos abertura para provar vinhos de lote. A senhora falou num insecto que teria afectado os vinhos portugueses e que a junção de várias castas era uma forma de combater a doença. Tentei explicar-lhe que devia estar a confundir com a filoxera, uma praga que afectou as vinhas de Portugal e de muitos outros países, e que o uso de várias castas num vinho é apenas uma opção enológica com raízes bem antigas, não uma estratégia sanitária. Uma tradição directamente ligada às vinhas velhas, nas quais era costume plantar diferentes castas para prevenir quebras de produção em algumas delas. A conversa animou, derivou para as vinhas sem herbicidas, para os vinhos mais orgânicos, e havia ali alguns, embora fossem de várias castas. Não querem experimentar? O gelo já se tinha quebrado. O marido acedeu, a senhora também. Provaram, gostaram e compraram 12 garrafas de dois vinhos multicastas do Douro, gastando cerca de 300 euros.
Pedro Gacias
Fugas
Jornal Público
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