(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Desde que comecei a tomar atenção ao que ia ouvindo e a seleccionar as diferentes formas de discurso, que uma referência às artes e ofícios me prendia a atenção . Fosse a referência a Sapateiros, Alfaiates,Trolhas ou Mecânicos e os meus ouvidos, avisados, faziam-me parar e escutar com atenção os comentários proferidos. Mais ainda quando as referências se referiam aos tipógrafos.
O simples mencionar da palavra Tipografia dava-me uma imagem e me conduzia em pensamento à Instituição, Patronato de Santo António.
Era nesse tempo onde para mim a verdade das artes gráficas, residia.
Por razões de acasos pontuais havia mais que uma vez entrado nas oficinas da Escola Tipográfica, que teve atribuída a missão de ensinar aos rapazes ali internados as artes gráficas e que para além de tipógrafos formava também paginadores e encadernadores. Havia mais duas tipografias em Bragança, ambas com prestígio e que empregavam até, gente minha conhecida e alguns meus condiscípulos que eram aprendizes e se fizeram bons tipógrafos que estiveram ligados às várias etapas acontecidas desde os anos sessenta quando se passou dos caracteres móveis para o offset e posteriormente para o processo digital, que foi responsável pela mudança radical de planear e executar a impressão de textos sem recurso a processos arcaicos.
As duas tipografias que penso serem mais antigas do que a Escola Tipográfica eram a Gráfica Transmontana e a Tipografia Académica. Ambas situadas na Rua Direita estavam ligadas a Livrarias-Papelarias que forneciam todos os artigos que as empresas necessitavam para o seu normal funcionamento, como, facturas, requisições, livros de escrituração e cartas timbradas, material publicitário, calendários e cartões de visita, bem assim como todos os artigos que as Escolas e seus alunos precisavam para o desempenho das suas tarefas, respectivamente de ensinar e aprender.
Ora, quando eu aos onze anos comecei a trabalhar na Pastelaria Ribeiro e dado que era eu que fazia os recados", ía com frequência ao Patronato encomendar e recolher as cintas para os Bolo-de-arroz, que eles executavam num papel próprio e num grafismo sóbrio de cor azul. O chefe de oficina era o Snr Gomes, homem simpático e afável que sempre ocupado numa azáfama frenética dispensava dois minutos para me atender após eu penetrar através da porta da oficina e com acenos lhe chamar a atenção. Acenos porque palavras eram inúteis dado o ruído que as máquinas constantemente em actividade produziam e tornava o ambiente algo em que se reconhecia a necessidade de grande concentração nas tarefas pois a comunicação era difícil.
Daí os vários quadros que avisavam ou aconselhavam os trabalhadores e as visitas a serem vigilantes e cuidadosos. Um recordo, rezava assim: - Nada há de mais prejudicial aos que trabalham, do que a presença daqueles que nada fazem.
Recordo bem a figura dos que trabalhavam na Tipografia nesse tempo, como o Snr Gomes, O Zé Manuel, mas confesso que os nomes da maioria está a precisar de uma recapitulação pois estou em branco nalguns casos. O mesmo não direi dos tipógrafos da Gráfica em que pontuava o Toninho Marrana, patrão, seu irmão fundador do GDB, já era falecido. O Taboada que tinha cabelo cor de cobre, o Rui meu vizinho a quem chamávamos Rui da Gráfica ou Bagaço, o Zé Maria, irmão da esposa do patrão, o Alvarinho Minhoca, havendo também o Abílio e o Carlitos que me parece que começaram no Patronato.
O João Reis, glória do Desportivo que também era do Patronato e o Fernando Rei-Preto que acho ser da Tipografia Académica, mais conhecida por Maria Preta onde trabalhavam o Alberto Geraldes, o Senhor Paixão, pai do Toni ourives do Sousa e um filho da tia Lurdes Pimpa que foi para o Brasil e não mais regressou a quem chamávamos Treló. Havia também um neto da Maria Zé que se chamava Teixeira que não vejo desde o princípio dos anos sessenta.
Também trabalhava na Académica onde ao balcão estava sempre a tia Maria Preta com o seu ar sempre sorridente, a sua filha Alcina que é das pessoas de que eu mais gostei de ter como amiga.Tinha duas filhas maravilhosas que espero estejam bem e que sempre me manifestou um carinho verdadeiro, bastando-lhe para tal o saber que eu era filho do meu pai!
A crónica é dedicada aos tipógrafos mas não lhe queda mal a inclusão daqueles(as) que trabalhavam complementarmente com eles para que se cumprisse com o determinado nas regras das artes e ofícios que no meu tempo de menino eram a alma e a vida da minha cidade, que povoada de artistas conferia ao meu pensamento idealista uma ideia de sociedade de labor e honra! Sei que a Escola Tipográfica não é hoje o que foi e que a Gráfica e a Académica fecharam portas!
É para mim motivo de grande saudade todo o imaginário que a minha mente contém e que me transporta ao tempo do meu começo. Estou ao mesmo tempo feliz porque o Abílio e o Carlitos continuam na arte e são hoje donos de Tipografias em outros moldes mais modernos e com prestígio, sendo que para mim são acima de tudo Tipografias, que estão prestando à comunidade serviços como o que as que mencionei prestaram nos tempos mágicos da minha criação em que o Mensageiro e os Amigos de Bragança eram impressos aqui mesmo e todo o material impresso que as firmas precisavam era feito por Tipógrafos de Bragança que eram operários competente e artistas completos.
Da impressão digital em Tipografia nada sei pois tendo estado já algumas vezes na Tipografia do Abílio, na Zona Industrial das Cantarias nunca tive a ousadia de pedir o que pedi ao meu amigo Álvaro Soares.
Deixo aqui em traços largos e imprecisos algumas memórias de mais uma profissão que também fez parte do meu imaginário de rapaz e que foi ganha pão de muita gente honesta e trabalhadora da nossa cidade.
Bragança, 14/11/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
Sem comentários:
Enviar um comentário