Pela primeira vez desde os acontecimentos da noite de 21 de dezembro em Bragança, dos quais terá resultado a morte do estudante cabo-verdiano Luís Giovani, de 21 anos, a PSP veio esclarecer o seu papel no caso, que desde 31 de dezembro, dia em que o jovem morreu, está a ser investigado pela Polícia Judiciária. E assegura que "desde o primeiro momento desenvolveu as diligências necessárias para a investigação dos factos e respetivas circunstâncias, designadamente salvaguardando as imagens dos sistemas de videovigilância e promovendo a recolha de testemunhos."
Acrescenta-se que "perante o conhecimento do falecimento deste cidadão, a PSP informou de imediato a Polícia Judiciária de Vila Real, por força das competências legais de investigação" - querendo dizer que a partir do momento em que existe suspeita de morte violenta a competência passa a ser da PJ.
O comunicado surge "na sequência de notícias publicadas por alguns órgãos da comunicação social", nomeadamente um artigo do DN publicado esta quarta-feira e no qual uma pessoa ligada ao bar Lagoa Azul, onde terá ocorrido a altercação que teria conduzido à agressão a Giovani e seus amigos, assevera que a PSP nunca foi ao bar recolher testemunhos ou requisitar as imagens de vídeovigilância. De acordo com esse testemunho, de alguém que pediu para não ser identificado, a primeira vez que no bar houve uma visita de investigadores policiais e se ouviu falar das agressões ocorridas naquela noite foi já após a morte de Luís Giovani, e tratou-se da Polícia Judiciária. Foi também esta, diz a referida fonte do DN, que requereu as imagens de videovigilância do estabelecimento.
Também o facto de fonte da PJ ligada à investigação ter dito ao DN "chegámos 10 dias atrasados ao caso" parece indiciar que não existia previamente investigação sobre o assunto.
A PSP vem agora certificar que sim, adiantando várias informações que até agora recusara prestar sobre os acontecimentos daquela noite em Bragança.
Houve dois grupos agredidos naquela noite?
De acordo com este comunicado, houve às 3.15 horas de 21 de dezembro um reporte de desordem no exterior de um bar na Avenida Sá Carneiro, tendo agentes da PSP, quando chegaram ao local, pelas 3.21 horas, encontrado apenas dois indivíduos, um dos quais disse ter sido agredidos por um grupo de jovens, recusando apresentar queixa ou ser levado ao hospital. A patrulha da PSP identificou estas duas pessoas e terá de seguida tentado, na cidade, encontrar os agressores ou testemunhas dos factos, sem sucesso: "Com as características dos alegados indivíduos envolvidos nas agressões, comunicadas por aqueles cidadãos, os Polícias, de imediato, e depois de recolherem todas as identificações e testemunhos, realizaram diligências pela cidade no sentido de localizar os suspeitos ou possíveis testemunhas, sem resultados."
Terá sido não essa mas outra patrulha a encontrar Luís Giovani, inconsciente, em local que não é referido. Descreve-se assim a situação: "Pelas 03h45, um outro meio policial, que se encontrava em serviço de patrulha na cidade, deparou-se com um jovem caído no solo, inanimado e com forte odor a álcool proveniente do vomitado no seu vestuário."
Não resulta claro do comunicado se os "dois indivíduos" encontrados na Avenida Sá Carneiro e que se apresentaram como vítimas de uma agressão grupal têm alguma relação com Luís Giovani. Mas o bar junto do qual os amigos de Giovani situam a agressão, o Lagoa Azul, não se encontra na Avenida Sá Carneiro, mas na Avenida Abade de Baçal. Na Avenida Sá Carneiro fica a discoteca Moda Club. Fica pois a dúvida: a PSP está, de forma pouco clara, a indicar que houve dois grupos de pessoas agredidas naquela noite ou a rectificar a informação que tem sido dada como certa sobre o local e as circunstâncias da agressão a Luís Giovani?
Foi o hospital que participou a agressão à PSP
O comunicado prossegue declarando que "em face deste cenário [Luís Giovani inanimado], pelas 03H48, foi imediatamente acionada pelos Polícias a assistência médica - INEM, tendo o jovem sido transportado pela ambulância dos Bombeiros às urgências da Unidade Hospitalar de Bragança a qual, cerca das 06h00, contactou a PSP e informou que o jovem que tinha sido encontrado pela PSP e que ali havia dado entrada, teria sido vítima de agressão."
A parte seguinte volta a ser pouco clara: "A identidade deste jovem foi fornecida por amigos, que compareceram no local [que local? Aquele onde Luís Giovani foi encontrado ou outro?], os quais informaram ainda que, pelas 02h30, no interior de um outro bar [este, depreende-se, o Lagoa Azul], quando se preparavam para sair, a vítima terá tido um desentendimento com um outro grupo de jovens, mas que teria ficado sanado. Estes jovens informaram também que, aquando da saída do bar, ocorreram agressões com um grupo de 15 a 20 jovens, motivo pelo qual fugiram, desconhecendo para onde se teria deslocado o cidadão hospitalizado."
Note-se que apesar de ter certificado que os dois indivíduos encontrados na Avenida Sá Carneiro, no local onde foi reportada a "desordem", tinham sido identificados, a PSP não estabelece uma relação entre estes e os amigos de Giovani que o identificam e narram a agressão ocorrida junto do Lagoa Azul - o que reforça a ideia de que não existe uma relação entre os dois grupos.
Seguindo a cronologia do comunicado, porém, entre o momento em que terá ocorrido a agressão ao grupo de que Giovani fazia parte e aquele em que é encontrado pela polícia parece ter mediado bastante tempo - tempo durante o qual, de acordo com o que é reportado das declarações dos amigos de Giovani, estes não saberiam onde ele estava. Estas informaç ões não são totalmente coincidentes com o que resulta da entrevista dada por estes jovens ao jornal Contacto: nesta, dizem que estiveram sempre com Giovani até que, num momento em que dois voltaram para trás para recuperar objetos perdidos no local da agressão e o terceiro ficou com ele, mas olhando noutra direção, este, que estava sentado na rua, desapareceu. Só voltariam a encontrá-lo já inanimado e com a polícia.
Note-se também que o comunicado não diz que os amigos de Giovani relacionaram as pessoas com quem decorreu a altercação dentro do Lagoa Azul com o grupo que os atacou na rua.
O comunicado não esclarece se aos amigos de Giovani foi perguntado se pretendiam fazer queixa das agressões de que terão sido alvo ou ser transportados ao hospital - mas nem sequer se percebe em que circunstâncias e onde decorreu a conversa dos jovens com a polícia.
Recorde-se que no texto publicado pelo DN esta quarta-feira se elencavam várias dúvidas sobre o ocorrido em Bragança na madrugada de 21 de dezembro, nomeadamente se a PSP tinha sido informada, e por quem, da existência de agressões, e se, caso afirmativo, não teria procurado encontrar os agressores. Outra dúvida a esclarecer era se tinha sido feita alguma queixa relativa às agressões a Luís Giovani (como se constata, foi o Hospital de Bragança que fez a participação) e aos seus amigos.
Naturalmente, o DN tinha tentado esclarecer essas questões junto da Direção da PSP, mas a resposta foi de que nada podia ser dito sobre o caso; a única resposta obtida foi sobre a inexistência de queixas relativas a agressões a outras pessoas (ou seja, os jovens que acompanhavam Luís Giovani), informação que este comunicado não aborda.
No início da tarde desta sexta-feira, o DN questionou o MAI sobre esta situação e as dúvidas que se colocam sobre a conduta da PSP entre 21 e 31 de dezembro, quando o jovem morreu e a PJ tomou conta do caso. O comunicado da PSP surgiu algumas horas depois.
NOTA: texto atualizado às 00.50 de 11 de janeiro.
Fernanda Câncio
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