Há dois meses, tivemos o mês de junho mais quente da História desde que há registos. A temperatura média em terra esteve 1,8º C acima da era pré-industrial (segunda metade do século XIX). O Acordo de Paris, recorde-se, tem como objetivo limitar o aumento de temperatura a 2º C no máximo, com a meta ideal a ficar em 1,5º C.
Nos EUA, em junho, mais de cem milhões de pessoas (um terço da população) foram aconselhadas a não sair para a rua, para se protegerem de uma combinação de calor extremo e humidade.
No Reino Unido, em julho, a temperatura atingiu ou ultrapassou, pela primeira vez, a marca simbólica dos 40 graus em seis estações meteorológicas, com uma delas a atingir os 40,3º C, obliterando o recorde anterior por 1,6º C. Quase 50 estações marcaram temperaturas acima desse recorde, de 38,7º C. Também em Hamburgo, na Alemanha, a temperatura do ar nunca tinha batido nos 40º C, até ao mês passado.
Na Índia e no Paquistão, uma onda de calor sem precedentes de três meses – março, abril e maio – queimou campos de cereais e matou pelo menos uma centena de pessoas de golpe de calor. Bateram-se recordes de temperaturas em inúmeras localidades, como Nova Deli, com 49,2º C. Em Jacobabad, os termómetros chegaram aos 51º C. No início deste mês, os termómetros voltaram aos 51º C na cidade paquistanesa.
O gelo marinho do Ártico está muito próximo dos valores mínimos de sempre. O da Antártida bateu mínimos históricos em fevereiro. Em março, as temperaturas no leste da Antártida chegaram a estar 40º C acima do normal para esse mês. Quarenta graus.
Agosto voltou a trazer temperaturas raras ao sul de Inglaterra, com os termómetros a subirem aos 35º C, piorando os efeitos daquela que é já a seca mais extrema na região desde 1935. Esta segunda-feira, as autoridades britânicas emitiram um alerta de cheias, prevendo tempestades violentas que podem trazer 50 litros de água por metro quadrado em três horas.
França atravessa uma seca de contornos inéditos. Em dois terços do país, os níveis de precipitação são apenas 15% da média para esta época do ano. Em vários locais, o Loire, o maior rio francês, secou completamente e é possível atravessá-lo a pé.
O Reno, que atravessa a Europa Central desde os Alpes suíços até ao mar do Norte, está com tão pouca água que se tornou intransitável para o tráfego de mercadorias. O rio é a principal via para o transporte da produção industrial das regiões que atravessa, sobretudo na Alemanha, com impactos económicos dantescos. A seca de 2018 já tinha obrigado à suspensão da navegação dos cargueiros fluviais durante seis meses, com um custo calculado em 5 mil milhões de euros.
O rio mais longo de Itália, o Po, está com menos dois metros de água do que é normal para esta altura do ano. A agricultura italiana será duramente prejudicada, dado que o vale do Po concentra 30% a 40% da produção agrícola do país. Aponta-se para quebras de 60% na produção de risoto.
Nos primeiros seis meses deste ano, a produção de eletricidade a partir de hidroelétricas caiu 20%, face ao mesmo período de 2021, devido à seca que atravessa o continente. O calor e a falta de água para arrefecer turbinas levou ainda a uma queda de 12% da eletricidade produzida em centrais nucleares.
Climatologistas estimam que esta deverá ser a pior seca na Europa Central e do Sul dos últimos 500 anos.
Este ano é, até agora, o quinto mais quente de sempre, apesar de ter tido a influência de duas La Niñas consecutivas – a La Niña é um fenómeno meteorológico que, ao contrário do El Niño, arrefece as águas do Pacífico à volta do equador, o que acaba por fazer descer as temperaturas médias globais do ar.
No final de junho, uma equipa de investigadores publicou um estudo na revista científica Environmental Research: Climate que concluía que os eventos extremos de calor e de precipitação das últimas duas décadas são “alimentados” pelas alterações climáticas em curso.
O ano de 2022 não é uma anomalia irrepetível. É uma amostra do pesadelo que vem aí. A viagem está só a começar. Apertem os cintos.
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