Num ano de seca, com pouca chuva, temperaturas muito altas e com os níveis de água abaixo do normal, o professor do Instituto Politécnico de Bragança e investigador do Centro de Montanha, Amílcar Teixeira, ligado à ecologia e conservação de ecossistemas aquáticos falou ao Jornal Nordeste da situação que se vive, do impacto que pode ter nos ecossistemas e de possíveis soluções para anos como este.
Este ano de seca é excepcional? O que se pode prever daqui para a frente?
Tudo leva a crer que possamos ter mais eventos a ocorrer com maior frequência como o que aconteceu este ano. Já em 2017 aconteceu. A memória que temos mais presente das últimas duas décadas dão-nos indicação de, pelo menos, termos períodos de seca muito prolongados alternando com períodos curtos de precipitação lançam algum cenário de preocupação perante os valores que estão em causa, porque a água é um bem fundamental para o desenvolvimento das sociedades, mas também para a preservação dos nossos ecossistemas.
Esta seca trouxe o desaparecimento de algumas espécies, mas também o aparecimento de outras?
De facto estão a acontecer eventos que se os prolongarmos no tempo, ou seja, se em várias décadas, estes períodos de seca, com ondas de calor durante os meses de Julho e Agosto e perante este cenário, existem espécies que podem estar altamente pendentes e estando agora a falar do meio aquático, estão nos limites da sua distribuição natural em termos da temperatura. Um caso evidente é a truta de rio, a truta selvagem, acima dos 20 graus da água começa a sofrer e significa isso que a sua área de distribuição, não vamos pensar já na sua extinção, mas podemos perder alguns estroços de rio para esta espécie que serão ganhos por outras espécies, se não tomarmos as devidas medidas. As nossas espécies estão muito habituadas a viver em zonas de corrente, na tipologia dos nossos rios, não só em rios de montanha, onde a truta é a espécie dominante, mas em rios de troços médios, troços finais, estamos a falar do barbo, da boga, do escalo, essas espécies têm um valor muito grande, muitas delas estão listadas pela União Internacional de Conservação da Natureza como sendo espécies vulneráveis para as quais devemos ter a melhor das atenções. Estamos agora no processo de revisão do livro vermelho dos vertebrados que vai trazer uma nova imagem daquele que é o cenário das nossas espécies.
Para já não chegaremos ao ponto de extinção de espécies, mas começa a ponderar-se essa situação?
Claro. Os modelos estão mais ao menos definidos e eles também podem ser falíveis, mas apontam que nos anos 50 e 90 vamos perdendo muito dos habitats para certas espécies que estão mais ameaçadas. Perante essa perspectiva é fundamental começarmos a tomar medidas que possam por uma gestão eficiente da água, percebermos os recursos superficiais, vermos a nossa rede de albufeiras e a nossa água subterrânea, que é um ponto muito importante, perceber como é que estão os nossos aquíferos e fazer essa gestão conveniente. Outro aspecto muito importante é que uma vez que a agricultura é responsável pelo uso, na ordem dos 80% da água disponível, é encontrarmos aqui um processo mais eficaz, mais eficiente, recorrendo às novas tecnologias, rega gota a gota, agricultura de precisão. Outro aspecto importante, e que é um problema, tem a ver com a reutilização das águas residuais. Neste momento estão contabilizadas reutilizações na ordem dos 5%, repare na grande quantidade de água que podemos, se a soubermos tratar, reutilizar e usar para consumo. Essa água pode ser usada, por exemplo, para regar os jardins. Mas, acima de tudo, mudar o nosso comportamento. Sabemos que provavelmente vamos lidar com menos água. Há uma comissão de prevenção, monitorização e acompanhamento dos efeitos das secas, que articulam com o Ministério do Ambiente e o da Agricultura, onde estão definidas cerca de 100 medidas e é preciso que cheguem ao “Portugal profundo”, porque têm uma aplicabilidade diferente. São medidas que temos que trazer ao “Portugal profundo” e explicá-las às pessoas.
Quer dizer que as pessoas da região, do “Portugal profundo” como designou, não estão tão informadas sobre as medidas que devem tomar?
Temos diferentes escalas. É preciso chegar com os técnicos e explicar às pessoas e ouvi-las, que é um aspecto também bastante importante. Estamos a falar de quantidade de água, mas a qualidade também é muito importante. Se nós não protegermos toda a paisagem, a entrada de nutrientes no meio aquático vai-nos trazer problemas relativamente àquilo que é a qualidade da água, vamos ter que gastar muito mais dinheiro para podermos ter água potável, uma vez que podem acontecer fenómenos de enriquecimento do meio em nutrientes e isso traz desvantagens muito grandes e prejuízos para as espécies que habitam nestes ecossistemas.
Que impacto terá no ecossistema a seca que se está a viver?
Se formos pensar numa década em que em oito anos acontecem estes eventos, podemos perder algumas espécies, não só aquáticas mas terrestres, e em algumas zonas do território vai haver uma reorganização em função da adaptação às variações que acontecem a nível climático, isto acontece com naturalidade. Hoje em dia, uma coisa que era impensável, vemos no Parque Natural de Montesinho, o amendoal junto com os soutos.
O que é que deve ser feito no imediato?
Penso que já está a ser feito muito, mas é preciso continuar com o diálogo com as populações, o explicarmos, o sermos mais proactivos. Se falarmos no sul do país a situação é bem mais grave. Aqui temos reservatórios de água, a albufeira do Baixo Sabor, o aproveitamento hidroeléctrico do Foz Tua, temos a paisagem protegida do Baceiro, temos a barragem das Veiguinhas, da Serra Serrada, portanto, vamos tendo recursos além de múltipla barragens hidroagrícolas que vamos tendo no território. Temos que começar a gerir esta água e já houve indicações para limitarem a produção hidroeléctrica em função dos consumos e isso pode ser feito a diferentes escalas. Temos que ver o que temos, o que precisamos, não sou contra a construção de mais reservatórios em pontos para reter mais alguma água e que não impliquem a destruição do valor da região.
Considera que é importante substituir algumas espécies?
É um grande desafio. A selecção de espécies, o aconselhamento para evitarmos aquilo que se fez no passado, por exemplo, não plantar eucaliptos onde deviam estar sobreiros. Começar a investir também no futuro dos nossos netos. Nós vivemos no imediatismo, é preciso ter coragem e além disso apoio, portanto, temos a bazuca que nos pode ajudar no delineamento de uma estratégia que permita um equilibro e sustentabilidade económica e ecológica ao nível dos territórios.
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