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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Tempo de mata-porco

Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Fábula fascinante, o livro de 1945 do inglês george orwell “animal farm”, título por cá curiosamente traduzido por “o triunfo dos porcos”. Na sequência de um motim em que o malvado senhor jones, o dono e explorador de uma quinta, levou um pontapé no traseiro, os animais que lá havia começaram a idealizar um futuro de prosperidade e satisfação onde ninguém mais viveria à custa de ninguém e a amizade geral reinaria forever sob o lema “os animais são todos iguais”. Claro está, mesmo um espaço rearrumado e alumiado por nova filosofia precisa de comando, de forma que alguém teria que gerir aquilo. Podiam perfeitamente ter sido os matchos, os tchibos, qualquer outra classe irracional a assumi-la, mas em última análise, por se acreditar tratar-se dos mais finos, vingou a ideia de que caberia aos porcos a grande responsabilidade. E assim foi.
“Animal farm” relata, numa alegoria irónica e pessimista, aquilo em que no fundo têm dado as revoluções políticas dos últimos duzentos e trinta anos. Não vou contar a história, é mais interessante lê-la. Avanço apenas para aguçar o apetite do leitor uns pozinhos da parte final, anos após o tumulto, numa altura em que os suínos, tendo açambarcado os poderes que antes cabiam à família jones, prosperavam já em número, regalias, isenções, privilégios e adiposidade. Quanto às restantes alimárias, bom, manipuladas, exploradas e subjugadas como sempre. E como sempre imoladas por último no açougue, só que agora em prol da ceva dos laregos. Mormente nos dias em que se comemorava a insurreição, nunca estes deixavam de entoar hossanas agora quase vazios de sentido à liberdade e à fraternidade, ao mesmo tempo que instavam a outra bicheza a vociferar palavras de ordem onde abundavam os “morte aos jones”, “não à exploração”, ”jonismo nunca mais” que os tinham embrutecido desde o início.
Aliás, juravam a pés juntos estar ali já instaurada a igualdade, embora esta fosse bastante mais óbvia pela loja dos cerdos adentro, que já com essa ferrada tinham mudado o lema inicial para “alguns animais são mais iguais do que outros”. A frase ficou no ouvido do público porque o erro gramatical que contém mostra outro mais grave: achar que um dia será possível a humanos não viverem à custa de humanos. Atente-se neste quadrilátero com vista sobre o atlântico e reveja-se a história do último meio século. Quem não for capaz de encontrar semelhanças entre ele e a herdade do orwell, e não entender que também aqui os grunhos se assenhorearam de praticamente tudo, é porque se inclui no número dos narcotizados, talvez por efeito do gás nauseabundo que as pocilgas exalam, se bem que o esterco que foram produzindo se acumule hoje por todos os recantos cá do sítio.
Com o que arrebanharam pelas manjedouras da fazenda, exibem fartas queixadas pendentes, arrastam toucinhos de palmo, rebentam com tanto unto, não se aguentam de cevados. E nós também não os aguentarmos, anda tudo pelos cabelos de recos. Calha bem que estamos em tempo de matanças. O que há de mais por aí são bichos ávidos de lhes ocupar o lugar à borda das pias. Não serão melhores que eles e mal cheirem as biandas o seu primeiro pensamento será a autoengorda. Se há alguma coisa em que os animais se possam considerar iguais é na inclinação para meter a unha no que não é deles. Mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Morte aos javardos! Animem-se os perus, apoiem-se os bois, encorajem-se os gansos, dê-se uma mão aos carneiros, acreditem-se os galos, consinta-se até na fraqueza de uma oportunidade aos burros!
O banco tosco de freixo foi lavado das aranheiras ganhas desde a última função, refulgem as navalhas aguçadas na pedra ali ao lado. Aprontem-se os caçoulos onde recolher o sangue que vai jorrar. Tenham-se à mão os caldeiros onde as tripas irão ser lavadas ao ribeiro. Arregacem-se as mangas, prenda-se firme a corda ao focinho dos cotchinos, puxe-se quanto se possa fazendo orelhas moucas aos seus grunhidos estridentes, estendam-se bem ao comprido, amarrem-se-lhes firmemente os volumosos presuntos e enterre-se o ferro bem fundo mesmo junto à base interna de uma das patas dianteiras, o trajeto mais curto até ao coração. Aproveitem-se as fressuras para um apetitoso refogado à moda antiga, empurre-se o lauto almoço com pinga da boa e brinde-se ao fim da era desta raça. Não haja pena deles.

(Nordeste - jan. 2022)

Manuel Eduardo Pires
. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.

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