Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Fábula fascinante, o livro de 1945 do inglês george orwell “animal farm”, título por cá curiosamente traduzido por “o triunfo dos porcos”. Na sequência de um motim em que o malvado senhor jones, o dono e explorador de uma quinta, levou um pontapé no traseiro, os animais que lá havia começaram a idealizar um futuro de prosperidade e satisfação onde ninguém mais viveria à custa de ninguém e a amizade geral reinaria forever sob o lema “os animais são todos iguais”. Claro está, mesmo um espaço rearrumado e alumiado por nova filosofia precisa de comando, de forma que alguém teria que gerir aquilo. Podiam perfeitamente ter sido os matchos, os tchibos, qualquer outra classe irracional a assumi-la, mas em última análise, por se acreditar tratar-se dos mais finos, vingou a ideia de que caberia aos porcos a grande responsabilidade. E assim foi.
“Animal farm” relata, numa alegoria irónica e pessimista, aquilo em que no fundo têm dado as revoluções políticas dos últimos duzentos e trinta anos. Não vou contar a história, é mais interessante lê-la. Avanço apenas para aguçar o apetite do leitor uns pozinhos da parte final, anos após o tumulto, numa altura em que os suínos, tendo açambarcado os poderes que antes cabiam à família jones, prosperavam já em número, regalias, isenções, privilégios e adiposidade. Quanto às restantes alimárias, bom, manipuladas, exploradas e subjugadas como sempre. E como sempre imoladas por último no açougue, só que agora em prol da ceva dos laregos. Mormente nos dias em que se comemorava a insurreição, nunca estes deixavam de entoar hossanas agora quase vazios de sentido à liberdade e à fraternidade, ao mesmo tempo que instavam a outra bicheza a vociferar palavras de ordem onde abundavam os “morte aos jones”, “não à exploração”, ”jonismo nunca mais” que os tinham embrutecido desde o início.
Aliás, juravam a pés juntos estar ali já instaurada a igualdade, embora esta fosse bastante mais óbvia pela loja dos cerdos adentro, que já com essa ferrada tinham mudado o lema inicial para “alguns animais são mais iguais do que outros”. A frase ficou no ouvido do público porque o erro gramatical que contém mostra outro mais grave: achar que um dia será possível a humanos não viverem à custa de humanos. Atente-se neste quadrilátero com vista sobre o atlântico e reveja-se a história do último meio século. Quem não for capaz de encontrar semelhanças entre ele e a herdade do orwell, e não entender que também aqui os grunhos se assenhorearam de praticamente tudo, é porque se inclui no número dos narcotizados, talvez por efeito do gás nauseabundo que as pocilgas exalam, se bem que o esterco que foram produzindo se acumule hoje por todos os recantos cá do sítio.
Com o que arrebanharam pelas manjedouras da fazenda, exibem fartas queixadas pendentes, arrastam toucinhos de palmo, rebentam com tanto unto, não se aguentam de cevados. E nós também não os aguentarmos, anda tudo pelos cabelos de recos. Calha bem que estamos em tempo de matanças. O que há de mais por aí são bichos ávidos de lhes ocupar o lugar à borda das pias. Não serão melhores que eles e mal cheirem as biandas o seu primeiro pensamento será a autoengorda. Se há alguma coisa em que os animais se possam considerar iguais é na inclinação para meter a unha no que não é deles. Mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Morte aos javardos! Animem-se os perus, apoiem-se os bois, encorajem-se os gansos, dê-se uma mão aos carneiros, acreditem-se os galos, consinta-se até na fraqueza de uma oportunidade aos burros!
O banco tosco de freixo foi lavado das aranheiras ganhas desde a última função, refulgem as navalhas aguçadas na pedra ali ao lado. Aprontem-se os caçoulos onde recolher o sangue que vai jorrar. Tenham-se à mão os caldeiros onde as tripas irão ser lavadas ao ribeiro. Arregacem-se as mangas, prenda-se firme a corda ao focinho dos cotchinos, puxe-se quanto se possa fazendo orelhas moucas aos seus grunhidos estridentes, estendam-se bem ao comprido, amarrem-se-lhes firmemente os volumosos presuntos e enterre-se o ferro bem fundo mesmo junto à base interna de uma das patas dianteiras, o trajeto mais curto até ao coração. Aproveitem-se as fressuras para um apetitoso refogado à moda antiga, empurre-se o lauto almoço com pinga da boa e brinde-se ao fim da era desta raça. Não haja pena deles.
“Animal farm” relata, numa alegoria irónica e pessimista, aquilo em que no fundo têm dado as revoluções políticas dos últimos duzentos e trinta anos. Não vou contar a história, é mais interessante lê-la. Avanço apenas para aguçar o apetite do leitor uns pozinhos da parte final, anos após o tumulto, numa altura em que os suínos, tendo açambarcado os poderes que antes cabiam à família jones, prosperavam já em número, regalias, isenções, privilégios e adiposidade. Quanto às restantes alimárias, bom, manipuladas, exploradas e subjugadas como sempre. E como sempre imoladas por último no açougue, só que agora em prol da ceva dos laregos. Mormente nos dias em que se comemorava a insurreição, nunca estes deixavam de entoar hossanas agora quase vazios de sentido à liberdade e à fraternidade, ao mesmo tempo que instavam a outra bicheza a vociferar palavras de ordem onde abundavam os “morte aos jones”, “não à exploração”, ”jonismo nunca mais” que os tinham embrutecido desde o início.
Aliás, juravam a pés juntos estar ali já instaurada a igualdade, embora esta fosse bastante mais óbvia pela loja dos cerdos adentro, que já com essa ferrada tinham mudado o lema inicial para “alguns animais são mais iguais do que outros”. A frase ficou no ouvido do público porque o erro gramatical que contém mostra outro mais grave: achar que um dia será possível a humanos não viverem à custa de humanos. Atente-se neste quadrilátero com vista sobre o atlântico e reveja-se a história do último meio século. Quem não for capaz de encontrar semelhanças entre ele e a herdade do orwell, e não entender que também aqui os grunhos se assenhorearam de praticamente tudo, é porque se inclui no número dos narcotizados, talvez por efeito do gás nauseabundo que as pocilgas exalam, se bem que o esterco que foram produzindo se acumule hoje por todos os recantos cá do sítio.
Com o que arrebanharam pelas manjedouras da fazenda, exibem fartas queixadas pendentes, arrastam toucinhos de palmo, rebentam com tanto unto, não se aguentam de cevados. E nós também não os aguentarmos, anda tudo pelos cabelos de recos. Calha bem que estamos em tempo de matanças. O que há de mais por aí são bichos ávidos de lhes ocupar o lugar à borda das pias. Não serão melhores que eles e mal cheirem as biandas o seu primeiro pensamento será a autoengorda. Se há alguma coisa em que os animais se possam considerar iguais é na inclinação para meter a unha no que não é deles. Mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Morte aos javardos! Animem-se os perus, apoiem-se os bois, encorajem-se os gansos, dê-se uma mão aos carneiros, acreditem-se os galos, consinta-se até na fraqueza de uma oportunidade aos burros!
O banco tosco de freixo foi lavado das aranheiras ganhas desde a última função, refulgem as navalhas aguçadas na pedra ali ao lado. Aprontem-se os caçoulos onde recolher o sangue que vai jorrar. Tenham-se à mão os caldeiros onde as tripas irão ser lavadas ao ribeiro. Arregacem-se as mangas, prenda-se firme a corda ao focinho dos cotchinos, puxe-se quanto se possa fazendo orelhas moucas aos seus grunhidos estridentes, estendam-se bem ao comprido, amarrem-se-lhes firmemente os volumosos presuntos e enterre-se o ferro bem fundo mesmo junto à base interna de uma das patas dianteiras, o trajeto mais curto até ao coração. Aproveitem-se as fressuras para um apetitoso refogado à moda antiga, empurre-se o lauto almoço com pinga da boa e brinde-se ao fim da era desta raça. Não haja pena deles.
(Nordeste - jan. 2022)
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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