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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Os Piropos e o Feminismo Fundamentalista

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Cliente pouco assíduo dos “feices”, na semana passada, fui dar comigo a ler uns comentários, num dado blogue, sobre uma notícia duma revista de fofoquices, que dava conta da vida pessoal da lindíssima, simpática e talentosa fadista Cuca Roseta. Um dos participantes no “debate” fez o seguinte comentário: “A moça é boa c´mó milho”. Resultado: o pobre homem foi insultado, qual criminoso de guerra, do piorio: desde troglodita a grosseiro, passando por machista e energúmeno, não faltaram adjectivos para brindar o pecador.
Como só intervenho no “Memórias e Outras Coisas” – não porque me obrigue à “exclusividade”, mas por ser das poucas publicações online com decência -, embora com vontade do fazer, dispensei-me, obviamente, de dar o meu contributo à discussão; reservando a minha opinião para este fórum, porque, tenho a certeza, não corro o risco de ser diabolizado.
Mais do que em qualquer altura da nossa história, vivemos hoje sob o jugo da ditadura da palavra. Tornou-se imperativo verificar, com minúcia e muita cuidado, o conteúdo do pensamento, antes de “editarmos” o que vamos dizer ou escrever, porque há uma minoria dos “ismos” e afins (assustadoramente a ganhar terreno), que, tendo personalidades reprimidas e recalcadas, fruto da mentalidade (“aceite”, à luz do contexto da época) de vários séculos, que pretende, alarve e egoisticamente, recuperar o perdido, qual vingança, fazendo-o do alto da sua presunçosa e indisfarçável superioridade moral.  
A propósito do piropo e do que me leva a discorrer sobre o assunto, alguém, da minha geração, do sexo feminino, adepta dos bons costumes e tradições, se lamentava por hoje já não haver homens (além de serem cada vez mais raros os cavalheiros que cedem o lugar a uma dama no autocarro) a usar essa variante do galanteio; tendo sido substituído, nas redes sociais, segundo a minha interlocutora, pelo vazio e corriqueiro “tás TOP”, acompanhado do respectivo gif. Pois, também de acordo com ela, tal lisonja, na linguagem apropriada e contexto aceitável, aumenta o ego e a auto-estima a quem o elogio é dirigido. 
Se eu, na remota hipótese de um dia mandar um piropo a uma qualquer Cuca Roseta (sempre na segunda pessoa verbal), “mimoseá-la-ei” não com um “estás boa c´mó milho!”, nem um “és podre de boa”, mas com uma coisa do género: “A Mãe – Natureza é mesmo perfeita!”, ou “ Tens um GPS? Acho que me perdi no teu olhar!”. 
Ou seja, é tudo uma questão de estilo e de personalidade de quem o profere. É lógico que a linguagem escabrosa e ordinária, de conteúdo sexista e ofensivo, própria do Arménio, trolha da Areosa, em cima do andaime a rebocar uma parede, só é “aceitável” num stand up comedy dum Fernando Rocha – a quem não consigo achar piada.
E porquê que se perdeu o hábito do piropo galanteador? Porque, ao contrário de outros tempos, impressionar o sexo oposto já não contempla aquela etapa de “quebrar o gelo”. A fusão do estado físico da água é uma etapa que já não se cumpre. A magia da conquista perdeu-se. A papinha está feita; já não é preciso sequer aquecê-la. A originalidade e a espontaneidade para “produzir” um piropo digno de almanaque são agora dispensáveis, porque há sempre um tick tock à mão para dar uma ajudinha.
Pensar, pois, que tudo é blasfémia e foge aos cânones do puritanismo republicano, leva a que a bondade dessas causas, assentes nos princípios mais nobres e elevados, tenham o efeito contrário ao desejado: ninguém leva a sério e prestam-se à chacota.
Perdido irremediavelmente o “património imaterial” do piropo e das cartas de amor (naquilo que têm de mais sublime), resta-nos a esperança de que a celebração do dia de São Valentim, ainda que cada vez menos com a auréola de Amor, se mantenha intocável.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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