Por: António Pires
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Cliente pouco assíduo dos “feices”, na semana passada, fui dar comigo a ler uns comentários, num dado blogue, sobre uma notícia duma revista de fofoquices, que dava conta da vida pessoal da lindíssima, simpática e talentosa fadista Cuca Roseta. Um dos participantes no “debate” fez o seguinte comentário: “A moça é boa c´mó milho”. Resultado: o pobre homem foi insultado, qual criminoso de guerra, do piorio: desde troglodita a grosseiro, passando por machista e energúmeno, não faltaram adjectivos para brindar o pecador.
Como só intervenho no “Memórias e Outras Coisas” – não porque me obrigue à “exclusividade”, mas por ser das poucas publicações online com decência -, embora com vontade do fazer, dispensei-me, obviamente, de dar o meu contributo à discussão; reservando a minha opinião para este fórum, porque, tenho a certeza, não corro o risco de ser diabolizado.
Mais do que em qualquer altura da nossa história, vivemos hoje sob o jugo da ditadura da palavra. Tornou-se imperativo verificar, com minúcia e muita cuidado, o conteúdo do pensamento, antes de “editarmos” o que vamos dizer ou escrever, porque há uma minoria dos “ismos” e afins (assustadoramente a ganhar terreno), que, tendo personalidades reprimidas e recalcadas, fruto da mentalidade (“aceite”, à luz do contexto da época) de vários séculos, que pretende, alarve e egoisticamente, recuperar o perdido, qual vingança, fazendo-o do alto da sua presunçosa e indisfarçável superioridade moral.
A propósito do piropo e do que me leva a discorrer sobre o assunto, alguém, da minha geração, do sexo feminino, adepta dos bons costumes e tradições, se lamentava por hoje já não haver homens (além de serem cada vez mais raros os cavalheiros que cedem o lugar a uma dama no autocarro) a usar essa variante do galanteio; tendo sido substituído, nas redes sociais, segundo a minha interlocutora, pelo vazio e corriqueiro “tás TOP”, acompanhado do respectivo gif. Pois, também de acordo com ela, tal lisonja, na linguagem apropriada e contexto aceitável, aumenta o ego e a auto-estima a quem o elogio é dirigido.
Se eu, na remota hipótese de um dia mandar um piropo a uma qualquer Cuca Roseta (sempre na segunda pessoa verbal), “mimoseá-la-ei” não com um “estás boa c´mó milho!”, nem um “és podre de boa”, mas com uma coisa do género: “A Mãe – Natureza é mesmo perfeita!”, ou “ Tens um GPS? Acho que me perdi no teu olhar!”.
Ou seja, é tudo uma questão de estilo e de personalidade de quem o profere. É lógico que a linguagem escabrosa e ordinária, de conteúdo sexista e ofensivo, própria do Arménio, trolha da Areosa, em cima do andaime a rebocar uma parede, só é “aceitável” num stand up comedy dum Fernando Rocha – a quem não consigo achar piada.
E porquê que se perdeu o hábito do piropo galanteador? Porque, ao contrário de outros tempos, impressionar o sexo oposto já não contempla aquela etapa de “quebrar o gelo”. A fusão do estado físico da água é uma etapa que já não se cumpre. A magia da conquista perdeu-se. A papinha está feita; já não é preciso sequer aquecê-la. A originalidade e a espontaneidade para “produzir” um piropo digno de almanaque são agora dispensáveis, porque há sempre um tick tock à mão para dar uma ajudinha.
Pensar, pois, que tudo é blasfémia e foge aos cânones do puritanismo republicano, leva a que a bondade dessas causas, assentes nos princípios mais nobres e elevados, tenham o efeito contrário ao desejado: ninguém leva a sério e prestam-se à chacota.
Perdido irremediavelmente o “património imaterial” do piropo e das cartas de amor (naquilo que têm de mais sublime), resta-nos a esperança de que a celebração do dia de São Valentim, ainda que cada vez menos com a auréola de Amor, se mantenha intocável.
Como só intervenho no “Memórias e Outras Coisas” – não porque me obrigue à “exclusividade”, mas por ser das poucas publicações online com decência -, embora com vontade do fazer, dispensei-me, obviamente, de dar o meu contributo à discussão; reservando a minha opinião para este fórum, porque, tenho a certeza, não corro o risco de ser diabolizado.
Mais do que em qualquer altura da nossa história, vivemos hoje sob o jugo da ditadura da palavra. Tornou-se imperativo verificar, com minúcia e muita cuidado, o conteúdo do pensamento, antes de “editarmos” o que vamos dizer ou escrever, porque há uma minoria dos “ismos” e afins (assustadoramente a ganhar terreno), que, tendo personalidades reprimidas e recalcadas, fruto da mentalidade (“aceite”, à luz do contexto da época) de vários séculos, que pretende, alarve e egoisticamente, recuperar o perdido, qual vingança, fazendo-o do alto da sua presunçosa e indisfarçável superioridade moral.
A propósito do piropo e do que me leva a discorrer sobre o assunto, alguém, da minha geração, do sexo feminino, adepta dos bons costumes e tradições, se lamentava por hoje já não haver homens (além de serem cada vez mais raros os cavalheiros que cedem o lugar a uma dama no autocarro) a usar essa variante do galanteio; tendo sido substituído, nas redes sociais, segundo a minha interlocutora, pelo vazio e corriqueiro “tás TOP”, acompanhado do respectivo gif. Pois, também de acordo com ela, tal lisonja, na linguagem apropriada e contexto aceitável, aumenta o ego e a auto-estima a quem o elogio é dirigido.
Se eu, na remota hipótese de um dia mandar um piropo a uma qualquer Cuca Roseta (sempre na segunda pessoa verbal), “mimoseá-la-ei” não com um “estás boa c´mó milho!”, nem um “és podre de boa”, mas com uma coisa do género: “A Mãe – Natureza é mesmo perfeita!”, ou “ Tens um GPS? Acho que me perdi no teu olhar!”.
Ou seja, é tudo uma questão de estilo e de personalidade de quem o profere. É lógico que a linguagem escabrosa e ordinária, de conteúdo sexista e ofensivo, própria do Arménio, trolha da Areosa, em cima do andaime a rebocar uma parede, só é “aceitável” num stand up comedy dum Fernando Rocha – a quem não consigo achar piada.
E porquê que se perdeu o hábito do piropo galanteador? Porque, ao contrário de outros tempos, impressionar o sexo oposto já não contempla aquela etapa de “quebrar o gelo”. A fusão do estado físico da água é uma etapa que já não se cumpre. A magia da conquista perdeu-se. A papinha está feita; já não é preciso sequer aquecê-la. A originalidade e a espontaneidade para “produzir” um piropo digno de almanaque são agora dispensáveis, porque há sempre um tick tock à mão para dar uma ajudinha.
Pensar, pois, que tudo é blasfémia e foge aos cânones do puritanismo republicano, leva a que a bondade dessas causas, assentes nos princípios mais nobres e elevados, tenham o efeito contrário ao desejado: ninguém leva a sério e prestam-se à chacota.
Perdido irremediavelmente o “património imaterial” do piropo e das cartas de amor (naquilo que têm de mais sublime), resta-nos a esperança de que a celebração do dia de São Valentim, ainda que cada vez menos com a auréola de Amor, se mantenha intocável.
António Pires
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