Fim de tarde. Igor Pinheiro, o jovem natural da aldeia de Vale de Salgueiro, no concelho de Mirandela, escolhido para ser o rei da festa, comanda um grupo de tocadores de gaitas de fole, caixas e bombos – são os “Encharca o fole”, um grupo da terra - e prepara-se para dar início às atividades que duram dois dias. “Demos a arruada pela aldeia, basicamente para as pessoas perceberem que já está a começar e quem é o rei e que dentro de momentos vamos visitar as casas”, conta.
Depois da arruada, Igor e os membros do grupo “Encharca o fole” juntam-se na casa da família do Rei para “matar o bicho”, que é como quem diz, um recheado lanche de iguarias típicas da região transmontana, para recuperar energias. Ao início da noite voltam a percorrer a aldeia, mas, desta vez, “para distribuir pelos habitantes centenas de litros de vinho em cabaças tradicionais e 250 quilos de tremoços”, revela.
A visita às casas da aldeia prolonga-se durante toda a noite. Atrás dos gaiteiros, seguem algumas (poucas) crianças e jovens que vão fumando cigarros. Excecionalmente, têm permissão dos próprios pais para fumar, “mas só durante os dois dias que dura a festa”, reforça Igor.
Ninguém sabe ao certo como e quando começou esta estranha tradição, nem o que ela possa significar, mas há relatos escritos que indicam ser para simbolizar a emancipação dos jovens. O presidente da junta de freguesia confirma essa tese. “Já tenho 70 anos e sempre fumei o meu cigarrinho na festa dos reis e não foi aí que apanhei o vício, foi depois quando tirei o curso de enfermagem”, lembra Adérito Teixeira. “Era para a gente se mostrar nos cafés, fazia a atração das miúdas, mas hoje já não se fuma como antigamente”, frisa o autarca.
Gonçalo de 11 anos, Rui com 12 e João com 15 anos confirmam que fumam “apenas nos dois dias da festa”. “Os nossos pais não dizem nada, porque eles também faziam isso quando eram pequenos e sabem que depois não se fica com o vício”, dizem.
Uma tradição que o próprio rei da festa também cumpriu quando era mais novo, mas Igor prefere desdramatizar este acontecimento, sempre muito mediatizado “da pior forma”, acrescenta. Igor prefere valorizar a figura do rei. “É uma coisa fora de série, porque só acontece uma vez na vida e cada rapaz desta aldeia sonha um dia vir a ser o rei. É um sentimento inexplicável”, confessa.
O dia de Reis começou bem cedo, com o rei a ostentar uma coroa revestida a veludo e adornada de objetos em ouro - emprestado pelos habitantes, símbolo de riqueza e poder. Esta segunda-feira volta a percorrer a aldeia para receber a "manda", ou seja, os donativos para custear a despesa da festa, que, este ano, rondou os dois mil euros.
A festa acaba com a celebração da missa, onde acontece a cerimónia de entronização e passagem do testemunho. O rei retira a coroa e coloca-a no novo “monarca” que vai organizar a festa em 2026. “É segredo, não posso dizer quem escolhi. Só mesmo no fim da missa”, diz Igor Pinheiro.
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