(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Vou partilhando por aqui, com todo o prazer, umas “tchabaz’quices’e” com os meus conterrâneos. Fico muito sensibilizado por algumas palavras que são deixadas, que me enchem, naturalmente, de gratidão. No entanto, para rigoroso ser, os «agradecimentos» e os «bem haja» deverão, sim, ser dirigidos ao Senhor que administra esta página, o nosso amigo Henrique Martins. Sem ele, sem a sua persistência, sem a sua paixão por estas terras, esta comunidade (porque já se trata de uma comunidade) não existiria. E muita honra tenho em dela fazer parte e para ela contribuir. «A César o que é de César»…
A propósito das ditas “tchabaz’quices’e”, as quais, naturalmente, uns apreciam mais do que outros, recebi, ontem, dois contactos. No primeiro, não fiquei surpreendido pelo entusiasmo, do outro lado transbordando uma alegria contagiante pelo tão diferentes que somos. Já quanto ao segundo… A «coisa» não correu tão bem, acusado tendo sido, inclusive, de «separatista», como se fosse um «terrorista» qualquer. Obviamente, as observações que me foram feitas, basearam-se na «cartilha» da historiografia «vendida» pelo Estado Novo, na qual entravam conceitos como «pátria» ou «heróis», período durante o qual só poderia ler-se ou escrever-se aquilo a que a «doutrina oficial» permissão dava. Entretanto, “dize” que aconteceu “ua cousa a que tchamarum R’buluçãu dus Crabus’e”, parecendo ter aí terminado a formatação do pensamento, das leituras e da escrita…
Essa «doutrina oficial» foi-nos vendendo, a propósito dos tais conceitos de «pátria» e «heróis», um chorrilho de inverdades, no qual se incluem «Lusitanos», «Mouros», «Reconquista», «Condado Portucalense», entre muitos outros, os quais representavam, subrepticiamente, e particularmente para a região de Bragança, um «comei e calai-vos». Nesse «comei e calai-vos», à semelhança do que aconteceu com o Franquismo em Espanha, tudo o que pudesse representar uma ameaça à «unidade nacional», nomeadamente no que respeitava à exclusiva Língua Oficial, toda a gente sabe como era tratado… E assim recrudesceu o conceito, nascido com os neo-clássicos do século XVI, de que «falávamos mal Português». “E bota lá á’mandar’u Mirandês’e e ó dialectu pr’ó poulu’e”...
Dessa forma, à semelhança do que quase ia acontecendo em Espanha com os idiomas regionais ou minoritários, os ancestrais dialectos que por aqui se falavam, quase iam morrendo. Todavia, nestes últimos 50 anos têm surgido novas abordagens à compreensão das realidades histórica, etnográfica, linguística, etnológica, destas magníficas terras. As quais, ainda assim, permanecem muito pouco estudadas. Todavia, o que já se avançou, permite construir uma visão completamente distinta da emanada pela «cartilha» em cujos resquícios ainda fiz a Escola Primária… E ai de mim que exclamasse “bô”, ou dissesse que precisava do “tchuço”, porque estava a “tchubere”. Logo vinha a reprimenda da minha excelsa e saudosa Professora, que «tínhamos de aprender a falar Português de forma escorreita».
Hoje, tem-se outra noção, já conseguindo justificar-se porque “esta ye a tierra de las dues lhénguas”, em Mirandés escrito; ou “esta ye la tierra de les dos llingües”, noutro idioma Ásturo-Leonês, o Asturianu, nosso familiar directo. Ou ainda, transcrevendo a genuína forma como a Avó Maria o pronunciaria: “ez’ta ié a terra daz’ duas línguas’e”. Não conseguindo retratar, fielmente, o sistema de sibilantes que ela utilizava, no que respeita à perfeita distinção fonológica entre [s], [z], [ç] ou, inclusive, [x]. Ou seja, tomando como exemplo a forma verbal «trouxeste», que em Português se pronuncia «trousseste», a Avó Maria pronunciava como “trou xeste”, mantendo o som [x]. Ou a clara distinção entre «massa» e «maça», que, em Português, são homófonas, ou seja, se pronunciam da mesma forma. Porém, a Avó Maria, distinguia-as perfeitamente. E se «maça» era pronunciado como em Português, a «massa» saía com um som aproximado a ”maxa”… E a pronúncia de «coser» era completamente distinta da de «cozer»…
Já cá virei, numa próxima oportunidade, e “pr’ós q’intresse tiberim”, para tentar expor as razões históricas que bem fundamentam o facto de sermos essa tal de «terra das duas línguas»… Sem «separatista» ser, que muito gosto de ser Português, muito respeitando a também minha Língua Portuguesa.
Porém, poderia ter nascido noutro local qualquer, mas, “azare du caralhitchas’e, habia de ter nacidu’e n’ua terra adonde se falaba male. E boto-le miúda proa nissu’e!”…
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

Amigo Rui Rendeiro. Seria falsa modéstia não agradecer as suas palavras. Muito obrigado. No entanto, acredite que tenho a noção perfeita que sou apenas uma peça desta grande "máquina" que é feita dos pequenos e grandes contributos de todos. É o único modo que conheço para se fazerem "coisas", em equipa e com objetivos comuns. Muito, mas muito mesmo, obrigado pelo seu prestimoso e tão valioso, contributo. Penso que posso fazer este agradecimento em nome de todos os Membros do Grupo. Grande abraço.
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