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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

As efectivas razões para sermos «a terra das duas línguas», ou para dizerem que «falamos mal Português» (Parte IV – e última!!!...)

Por: Rui Rendeiro Sousa
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 Os Bragançãos eram uma estirpe à parte. Mantinham a sua preponderância por «Terras de Bragança» desde que Afonso VI de Leão assim o determinou. E dessa forma prosseguiria durante o reinado da filha do «Imperador», a célebre Rainha D. Urraca. Dominando num «condado» encravado entre dois reinos, ora eram aliciados por um lado, ora o eram pelo outro. Porém, o que se percebe através da leitura de toda a documentação da época, bem como a partir da análise de eminentes historiadores dos actuais dois países peninsulares, é que os Bragançãos mantiveram sempre a umbilical ligação ao lado Leonês. 

Facto bem visível nos dois mosteiros beneditinos Leoneses que tanta influência exerceriam por «Terras de Bragança», os de «San Martín de Castañeda», por «Terras de Senabria» situado, e o de «Santa Maria de Moreruela», em «Terras de Zamora». Ambos obtiveram imensas benesses por parte dos Bragançãos, ou das famílias com estes aparentadas, passando a deter um considerável património em bragançanas terras, especialmente nos concelhos de Vinhais, Bragança, Vimioso, Miranda do Douro e Macedo de Cavaleiros. Posteriormente, os Bragançãos também teriam o seu próprio mosteiro, que filiado esteve ao referido de «San Martín de Castañeda»: o nosso Mosteiro de Castro de Avelãs. Mosteiro ao qual D. Afonso Henriques também fez umas doações, “p’ra bêre s’amansab’ós Bragançãus’e”. Os três mosteiros, de filiação Leonesa, tiveram uma inimaginável preponderância, quer na detenção de património, quer no povoamento do território, quer na educação das gentes. Sempre mantendo a sua própria língua, o Leonês. E uma arquitectura ímpar, o mudéjar Leonês, ainda hoje bem visível na cabeceira no Mosteiro de Castro de Avelãs.

Língua essa que também falavam outras ordens religoso-militares bafejadas com vastas doações pelos Bragançãos. Como, por exemplo, os… Templários de Alcanices. “Ah peis é”!… E lá iam os Bragançãos distribuindo benesses pelos seus apaniguados, fossem os mosteiros Leoneses, fossem os cavaleiros Leoneses. Era a fórmula encontrada para a manutenção do poder por estas terras. Embora D. Sancho I, já detentor da «vila» de Bragança, que havia sido integrada no domínio régio através do casamento entre Fernão Mendes de Bragança e a infanta Sancha Henriques, por não terem tido descendência, lhe tenha outorgado foral em 1187, determinando que deveriam ser povoadas as «Terras de Bragança e Lampaças», tomando-as como suas. Porém, as terras tinham «dono»… Sendo inúmeros os relatos em que os «homens de Bragança» que tentavam povoar essas terras eram enxotados pelos seus proprietários, fossem ordens religiosas, fossem ordens militares, fossem outros cavaleiros.

Esta situação é bem visível já no reinado de D. Afonso II, quando outro grande Braganção, Fernando Fernandes de Bragança, tão rapidamente foi Mordomo-mor de Afonso II de Portugal, como se passou para o outro lado, para exercer idêntica função na corte de Afonso IX de Leão. “Stãu a bêre”?… Isto eram umas terras do “catantchu’e”! Curioso sendo que, quando se disponibiliza tempo para consultar documentação do «outro lado», que há mais informação por lá sobre estas terras, do que por cá, nos deparemos com uma perfeita distinção entre o que eram os «portugalenses» e os «bragançanos», vendo-nos os «espanhóis», de forma clarividente, como duas entidades distintas… Estas eram, de facto, terras de filiação Leonesa, não «Portugalense». Onde se falava… Leonês!

Assim tendo permanecido, com maior ou menos vigor, até finais do século XIII, período no qual finaria o «último Braganção» com poder. Só com a morte de D. Nuno Martins de Chacim, trineto de Fernão Mendes de Bragança «o Bravo», Aio e Mordomo-mor de D. Dinis, estas terras perderiam, definitivamente, a sua «independência». Porque D. Dinis, a partir da morte do «último Braganção», tomou, em definitivo, as rédeas destas terras, afrontando todos os poderes que nelas estavam constituídos. Não tendo deixado, porém, de se falar Leonês por estas bandas. 

A integração definitiva no Reino de Portugal, acarretaria a consecutiva redução progressiva do universo de falantes do Leonês. Bem como uma natural retracção na sua área geográfica. Todavia, a Língua Portuguesa, do ramo do Galego-Português, apenas estava acessível às classes privilegiadas ou aos que para aqui vinham, por nomeação régia, para exercer cargos públicos. A esmagadora maioria do Povo, que não sabia ler nem escrever, persistiu nas suas raízes Ástures, posteriormente Ásturo-Leonesas, falando idiomas que lhes eram transmitidos, oralmente, pelos seus pais e avós. Há 140 anos, em pleno século XIX, Leite de Vasconcellos o constataria. Seria já no século XX, com o incremento das políticas de alfabetização, feitas em Português, que os originais idiomas Ásturo-Leoneses, até pelo estigma criado pelo «falar mal Português», entraram em declínio, até ao estado moribundo em que hoje se encontram. 

Urge resgatá-los, à semelhança do que aconteceu com o Mirandés, ou com o Catalão, o Galego ou o Basco, do «lado de lá». É a nossa verdadeira essência, tal como o são os Caretos ou os Pauliteiros (por mera curiosidade, desafio-vos a perceberem a região onde ambos são exclusivos, e sobreponham-na aos «falares Ásturo-Leoneses»…). É com esse intuito que por aqui venho trazendo, recorrentemente, uma forma estranha de escrita, representativa do modo como, felizmente, ainda ouvi muita gente falar. Um modo no qual ainda falo, especialmente quando faço incursões a ambientes mais rurais. E, contrariamente ao que foi sendo divulgado, não, não «falamos mal Português»! Ou, noutra perspectiva visto, «falamos tão mal Português», como um Lisboeta, quando se exprime em Português, «fala mal Mirandés». A diferença abissal é que nós somos bilingues, coisa que um Lisboeta não é. Se dúvidas tiverem, este que vos «massacra» com estes escritos, tem tanto orgulho em falar e escrever, escorreitamente, em Português, a “língua fidalga”, como o tem em falar e escrever em “língua tcharra”. Venha de lá alguém que me diga que «falo mal Português»… 

Pelos motivos históricos expostos, bem como por razões etnográficas e etnológicas, sou da «terra das duas línguas», e tenho imenso orgulho nisso! Uma terra com uma História bem diferente daquela que nos «vendem» nos manuais escolares… Espero conseguir contagiar alguns, “ó menus’e”, com esse indisfarçável orgulho. E não, como já fui acusado, não sou «separatista». Também tenho imenso orgulho em ser Português! Não sendo isso impeditivo de ter “ua proa du catantchu’e” na minha/nossa verdadeira essência. 

A minha Avó Maria não falava mal Português! Simplesmente, nunca aprendeu a falar Português… Falava “ua galdrumada” de Ásturo-Leonês, grato lhe ficando pelo tanto que com ela aprendi, bem como o ficando com todos os «Avô Manuel» e todas as «Avó Maria» com quem tive o privilégio de aprender (e ainda aprendo) um idioma e um dialecto únicos que não são do ramo “fidalgo” do Galego-Português. São do ramo da nossa génese “tcharra”, o Ásturo-Leonês! 

Muito obrigado aos que paciência tiveram para “tchigare” até aqui!


Rui Rendeiro Sousa
– Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer. 
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas. 
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana. 
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros. 
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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