(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Uma das coisas que sempre me causou imensa confusão, relaciona-se com a quase omissão destas terras nos manuais de História. Como se aqui nunca nada se tivesse passado, ou ninguém daqui originário tivesse contribuído para os grandes acontecimentos que... sempre aconteceram muito longe daqui! Isto é, estudam-se conceitos com nomes raros, como Paleolítico ou Neolítico, Idades dos Metais ou Romanização, «Invasões Germânicas» e outros que tal, «Reconquista» e afins… Mas desenrolou-se tudo muito longe!
Desconheço se a responsabilidade é nossa, ou dos nossos sucessivos governantes locais e regionais, que, talvez por desconhecimento, nunca parecem ter estado vocacionados para essa vertente. Ou se será, mesmo, de um qualquer conluio que centralizou toda a nossa história no eixo litoral. Com um qualquer paralelo objectivo de nos remeter a uma insignificância baseada no estigma do «falam mal Português, por isso estejam lá caladinhos»…
Porém, também temos Paleolítico. E Neolítico... E todas as outras “cousas ztranhas’e”. E até temos uma genética distinta (mas isso é um “catchicu’e” complicado demais para trazer aqui)… Estranhamente, os tais de Romanos, que parecem só ter andado por Conímbriga, por Bracara Augusta, ou por Olissipo, também andaram por aqui. E deixaram-nos imensos registos da sua passagem. Um dos mais importantes, para o caso em apreço, é que «descobriram» que não tínhamos “bentas de Lusitanus’e”… Esses, ficavam, maioritariamente, abaixo do Douro. E nós estávamos acima, e da Lusitânia nunca fizemos parte. Os Romanos eram uns grandes «descobridores»! Por isso, também «descobriram» que, maioritariamente, éramos Ástures! “Bai daí’e, butarum-mus n’ua prubíncia que se tchamaba”… «Conventus Asturicensis»! Ou seja, em “língua fidalga”, Convento Asturicense, uma das três entidades administrativas da «Gallaecia» (as restantes eram a Bracarense e a Lucense). E a nossa capital não era a «Emerita Augusta» da Lusitânia; era a «Asturica Augusta» dos… Ástures! “Impecemus bem, or sim’e?”…
Tudo isto porque, dizem os entendidos da época, éramos «Zoelae», os célebres Zelas, uma das 22 tribos dos Ástures. Não dos Lusitanos que nos tentam impingir, mas dos Ástures! “Stãu a bêre c’mu impeçou a cousa e c’mós aldrúbias nus indrominum co a stória dus Lusitanus’e”? De facto, para quem se dedique a entender quem eram esses nossos antepassados, percebe claramente que eram diferentes… Muito diferentes! Mas não vou aqui atazanar ninguém com as características que distinguiam os tais de Zelas. “Ó depeis’e, dixu-m’u Ti Zé Moucu’e, bierum uas cousas a que tchamum Imbasões Bárbaras’e”. As quais foram mais um tácito acordo, do que invasões…
Toda a gente já deve ter ouvido falar de Suevos e de Visigodos. Os quais, à semelhança de tudo o resto, também andaram muito longe daqui… Mesmo que já constássemos na primeira divisão administrativo-eclesiástica que se conhece, de época Sueva. Ou os posteriores «donos» destas terras, os Visigodos, por aqui tenham tido centros de cunhagem da sua moeda. Todavia, antes de os Visigodos terem «arrumado» com o Reino Suevo, tiveram, anteriormente, de «arrumar» com um outro reino, um enclave que por aqui existia, a que os documentos designam por «Sabaria», onde vivia um povo ao qual chamavam «Sappos». Dizem os entendidos que poderão ter tomado o seu nome a partir do nosso rio Sabor. Rio esse que já muitos se terão questionado por que motivo se pronuncia “Sábor”, ou “Sábôre”, se “faxabôre”. Hum?… Porque, em tempos antigos, que superam a nossa vivência, era o «Salavor». Designação original que, por um processo fonológico de supressão, designado como síncope, perderia a consoante intervocálica [l], ficando «Saavor». Posteriormente, haveria de perder o [a] que lhe dá a sílaba tónica e, por efeito do betacismo, o [v] mudaria para [b]. “Bô”, onde isto já nos levou...
Com «Conventus Asturicensis», «Asturica Augusta», «Zoelae», «Sabaria», «Sappos» e demais evidências, estarão, seguramente, os caros leitores a vislumbrar os motivos para sermos tão diferentes e «falarmos mal Português»… O resto, que já mete «presúrias», feitas por Ásturo-Leoneses, mosteiros Leoneses, arquitectura mudéjar Leonesa, ordens religioso-militares Leonesas, uma Diocese Leonesa, e até Bragançãos Leoneses, já cá virão na «Parte III»… “Q’ez’tas cousas têim de sere um catchicu de cada bêze. P’ra bêre se fiquemus intchadus de proa, e intendêmus pur’u q’é que nunca ninguém nus dixu q’a nh’ábó Maria falaba male u… «Pertués»”...
[Fotos: Capela de Nª Sra. do Campo (Lamas - Macedo de Cavaleiros), o mais ocidental exemplar de arquitectura mudéjar... Leonesa! Localiza-se num sítio soberbo, num Geossítio do Geopark Terras de Cavaleiros. “Adonde já butei uas faladuras’e, tchêinhu de proa”!
Porque Lamas também é a «Minha» terra, por ser a terra da… “nh’Ábó Maria”!… E da “nha Mãe, e adonde nacerum us mous Tius e às nhas Tias’e”, com os quais aprendi um idioma a que os eruditos chamam de «falar mal Português».]
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.



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