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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 1 de novembro de 2025

Vamos desmitificar Mouros? Houve Mouros em Terras de Bragança?… (Parte IV)

Por: Rui Rendeiro Sousa
(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 Cada um tem o legítimo direito de acreditar no que bem entender. Há os que acreditam que, afinal, os Mouros ou as Mouras eram seres sobrenaturais provindos da mitologia celta. Outros consideram-nos todos e quaisquer seres dos tempos antigos, baliza cronológica não existindo para o conceito de «tempos antigos». Outros, por sua vez, indexam-nos aos Árabes, por isso nas lendas entram «emires», «castelos», «princesas», «mesquitas», «sarracenos» e, inevitavelmente, «cristãos». Inclino-me mais para esta última versão, a que conduz muita gente a crer que os Árabes aqui estiveram.

Num mundo em que a intolerância se tornou, de impulsiva forma, o «prato do dia», parece que já gerou algum incómodo esta abordagem à presença ou ausência de «domínio árabe» na região bragançana. Para que conste, e em jeito de esclarecimento, trata-se, apenas de uma sequência cronológica, aqui iniciada pelas primeiras designações Romanas no território, seguidas pelas equivalentes de Suevos e, seguidamente, Visigodos. Ora, a presença imediatamente posterior aos Visigodos, na Península... foram os Árabes! Portanto, contrariamente ao que já pude testemunhar através de alguns comentários menos agradáveis, nada me move contra a presença Árabe em Portugal, entre os séculos VIII e XIII. Antes pelo contrário, muito respeito e admiração tenho por tudo o que nos legaram. E, aliás, coisa que muitos não terão, até sou detentor do meu estudo genético, e também tenho um “cibicu’e” de «genes árabes», outros tendo, como «ástures» ou «escandinavos», de todos me orgulhando. 

Mas regressemos à «presença árabe» por terras bragançanas. Porque acima mencionei «mesquitas» e «emires», fui parar, inevitavelmente, a uma das lendas mais conhecidas na região: a da Senhora do Bálsamo na Mão. Na qual, nas suas variações, entram quatro locais distintos: Alfândega da Fé, Castro Vicente, Chacim e Balsamão. Não irei expor aqui a lenda, seguramente conhecida de todos. No entanto, a mesma refere que, «antigamente», havia, no lugar da ermida, uma «mesquita». E, no local do convento, um castelo com um «emir». Não me irei deter no universo devocional, que muito apreço tenho pelo local, até tendo sido lá baptizados os descendentes, mas sim nos factos históricos.

Na lenda são incluídas as povoações de Castro Vicente e de Alfândega da Fé. E começa logo aqui o busílis da questão. Para os que, eventualmente, não saibam ou não se lembrem, recordo que a chamada «Conquista do Algarve» foi concluída, por D. Afonso III, em 1249. Ora, antes deste ano, em que o domínio de todo o território português passou a ser detido pelo «Reino de Portugal e dos Algarves», Castro Vicente e Alfândega de Fé ainda não tinham «nascido». Ou seja, não há documento algum a atestar a existência destas duas povoações antes do século XIII, muito depois de os Árabes, ou Mouros, terem, pretensamente, estado por aqui. Como poderão, então, ter participado numa batalha contra um «emir» quando a sua existência é posterior à presença de «emires»?…

E terá havido alguma «chacina» que terá originado o nome da povoação de Chacim? Até poderia ter sido… O primeiro problema é que há mais «Chacim», um dos quais em Portugal, e alguns em Espanha. Onde não houve chacinas… E Chacim, tal como o outro Chacim português e os «Chacín» espanhóis, é um nome que se enquadra no universo dos antropónimos, isto é, os topónimos que derivam do nome de pessoas. Devendo o seu nome a uma pessoa de nome «Flacco», que a terá fundado. Como seu possuidor, a designação do local passaria a ser, por via do genitivo latino, «villae Flaccini», ou seja, a «povoação ou quinta de Flacco». Ora, já por aqui o trouxe, a propósito da africada «tch», os grupos consonânticos latinos [cl-], [pl-] e [fl-], evoluiriam, em Português, para o o dígrafo [ch]. O que é o caso de «Flaccini». Tal como sucedeu com «Flaviae», que originaria «Chaves», «Flaccini» evoluiria, numa fase inicial, para «Chacini» e, posteriormente, para o Chacim que conhecemos. Como tal, não houve «chacina» alguma… Já agora, o primeiro documento que menciona a existência de Chacim é de finais do século XII. Porém, a povoação já teria existência anterior, atendendo ao seu orago, ou seja, à sua padroeira: Santa Comba (de Sens). Um culto trazido de França, particularmente pelos cruzados e monges beneditinos, e que se terá implantado, por território português, a partir do século X, quando por aqui, há muito já não andavam «emires»… Assim o testemunha, por exemplo, o primeiro documento a fazem menção a Santa Comba (Dão), de finais do século X. Curiosa não deixando de ser a «linha da santa» no distrito de Bragança: Santa Comba de Rossas, Santa Combinha, Santa Comba de Chacim, Santa Comba da Vilariça…

E Balsamão? Terá mesmo derivado de «bálsamo na mão»? Aqui relembrando que existe, igualmente, Balsemão, em Lamego, com o respectivo Rio Balsemão… Rio cujo nome, pelas bandas lamecenses, não é popularmente justificado pelo dito «bálsamo na mão», mas sim «balsa na mão», ou seja, a embarcação que, nos «tempos antigos», servia para a travessia do rio… «Cada terra seu uso, cada roca seu fuso»… Muitos poderão desconhecer este facto, mas Balsamão foi mesmo uma povoação, até ao século XIV, que existiu no local onde hoje se ergue o magnífico convento mariano. 

Porém, muito antes do século XIV, foi um povoado fortificado da Idade do Ferro. E, posteriormente, um povoado romanizado. E ainda posteriormente, a presumível sede de um «pagus» Suevo. O primeiro documento que, de facto, menciona a existência de «Balsamõ», assim surgia designado, é do início do século XIII. Período no qual foi de lá emitido um documento régio, a partir do castelo que, por lá, houve mesmo. Seria um dos castelos tomados, conjuntamente com o de Algoso, nas incursões de Afonxo IX de Leão, que colocaram a nossa região a «ferro e fogo». Talvez dessas incursões, que devastaram a região, e colocaram um alcaide leonês no castelo de Balsamão, terá provindo a dita lenda… Mas já não eram Mouros, eram Leoneses… 

Balsamão, que também é um antropónimo, proveniente de alguém com o nome «Balsamon», muito comum entre os moçárabes que se passaram ao norte, seria abandonada no decorrer do século XIV. Por lá existiria, ou seria erguida, uma ermida em honra a Santa Maria. À qual seria dada a designação do local, ou seja, Santa Maria de Balsamão, posteriormente, Nossa Senhora de Balsamão, como a conhecemos hoje. A realidade é que o primeiro documento a mencionar a existência dessa ermida, é do século XVI. Anteriormente, em nenhum documento a mencionar Balsamão há qualquer referência à existência de uma capela… O que não significa que não existisse…

E “prontus’e”… Assim os nossos antepassados criavam justificações lendárias, sempre envolvendo as lutas entre os Mouros «maus» e os Cristãos «bons». Mesmo que, nessas lendas, entrassem povoações que ainda não existiam no «tempo dos Mouros»… Cujos nomes se adaptavam à narrativa, caindo que nem uma luva a «chacina» para Chacim, ou o «bálsamo na mão», que noutros lados é «balsa na mão», para justificar o topónimo Balsamão. O nosso Povo, influências exercidas, sempre foi muito criativo… 

A terminar, se ainda não foram a Balsamão, aproveitem, um dia, para o fazer. Trata-se de um sítio mágico, que nos enche de paz. E tem tanto, aí incluídas as redondezas, para usufruir!

(Foto: o «castelo dos mouros», em Balsamão..............)


Rui Rendeiro Sousa
– Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer. 
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas. 
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana. 
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros. 
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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