terça-feira, 8 de maio de 2012

RIO DOURO: CONTEXTO E COMUNICAÇÕES EXTERIORES

O rio Douro é o referencial por excelência na parte do território, entre Zamora e Barca d’Alva: rio de bacia hidrográfica muito alargada – dos Montes Cantábricos até às Cordilheiras centrais – daí certamente a enorme disparidade de referências entre os Memorialistas sobre o seu local de nascimento que raramente coincidem. Só um ou outro Memorialista se refere à serra de Urbión (Memória de Miranda).
No troço que forma a fronteira luso-espanhola, corre num curso muito encaixado com sucessivas quedas de nível. Recebe os principais rios que atravessam o território brigantino: Sabor, Tua e Corgo, que correm de NE para SW, obedecendo às mesmas orientações das linhas de relevo. Todos eles são rios de planalto com grandes quedas de nível, baixando por vezes as suas linhas de perfil quase perpendicularmente à do tronco colector, como em especial sucede às ribeiras de Vilariça e de Varosa. Tem por esse motivo notável poder erosivo.
O rio Douro entra em Portugal por Barca d’Alva, divide a Província de Trás-os-Montes da Beira e faz os limites dos concelhos de Miranda, Mogadouro, Freixo, Moncorvo do Distrito de Bragança. Rio de forte altitude, apresenta no seu perfil fortes descidas e quebras, em especial em território espanhol onde tem o seu maior percurso, com um curso de água muito rápido. Uma vez entrado em Portugal «o perfil do Douro torna-se mais regular e deixa de apresentar quedas de nível importantes, mas o rio continua sempre muito encaixado e assim se mantém quase até ao mar, tendo por vezes os rochedos das suas margens a estrangular-lhe o curso nas chamadas pontes ou galeiras. Rio que nesta parte do território de Bragança corre «sempre ou quasi sempre por terra áspera e fragosa (…)», por isso é sua corrente «muito caudalosa e arrebatada».

É por isso inavegável «ainda que em partes tem muito grandes pelagos e poços» (Memória de Mazouco, Freixo). Em Mogadouro refere o Memorialista de Peredo de Bemposta, «mete medo aos que o vêem» e corre todo o ano «com grande impulso». «Corre por uma terra tão despenhada que só vê-lo faz tremer» (Mem. Peredo de Bemposta). O manuscrito de Cima Douro [201] enumera-lhe nesta parte superior do seu território nacional, 7 barcas: a de Barca d’Alva, Barca da Foz do Coa, Barca da Torre de Moncorvo, Barca de Vilarinho, Barca de Coleja, Barca de Arnozelo, Barca de P. Xisto. Columbano Pinto Ribeiro de Castro fará um inventário mais completo, referindo-se-lhe as titularidades, as administrações e os rendimentos. E também ao esforço que em seu entender a Coroa deveria fazer para entrar em posse ou revogar anteriores concessões de direitos de passagem e sua exploração por barcas em exercício.
Neste troço até Foz Tua as Memórias Paroquiais referem-se-lhe barcos de passagem em Miranda e Bemposta (Memória de Aldeia Nova, Miranda do Douro). Em Freixo, termo de Lagoaça, há uma barca cuja administração e arrematação pertence à vila de Aldeia d’Ávila, Reino de Castela. «E em algum tempo se diz passavam os barqueiros aos religiozos Observantes de S. Francisco que se acha o seu convento muito perto do Douro junto a barca da parte de Castella» (Memória de Lagoaça). Dois barcos de Portugal fazem a ligação com Castela (Memória de Mazouco, Freixo, Vide). Na falta de barcos, no termo de Algoso recorre-se mesmo a um engenho de cordas para passar couros de Portugal para Castela «por cordas atadas a canas ou vidos» (Memória de Vilarinho dos Galegos).
A navegabilidade praticamente desaparece de S. João da Pesqueira para cima onde «tem um cachão que impede as navegação daí para cima». O limite da navegabilidade no Cachão da Valeira vai referido em múltiplas Memórias, facto real, bem conhecido e em geral lastimado. Sobre ele refere-se nestes termos o Memorialista de Marzagão: Cachão da Valeira «o celebrado Cachão da Baleira como já falei, que não admite passagem às ditas embarcações senão em Agosto, com muito perigo a uns pequenos barcos que vão conduzir melões da Vilariça para a cidade do Porto» (Memória de Marzagão). E mais ainda: «hé navegável desde o Porto até Cachão da Baleira,, como já disse, com barcos grandes de mastro e espadela que carregam até 50, 60 pipas de vinho, mas com muito perigo» (Memória de Marzagão).

Em 1707 e 1708 fizeram-se alguns trabalhos para ultrapassar algumas dificuldades na ultrapassagem do Cachão. Com nulos resultados para o Memorialista de Ribalonga (Memória de Ribalonga), porém o de Marzgão reconhece a esta obra algumas virtudes pois, a partir desta «operaçam já passam por elle muitos sáveis e lampreias». A ultrapassagem deste limite ficaria para mais tarde.
O Douro é a principal via de transporte das mercadorias do Alto Douro para a foz no Porto. A partir daqui pode-se-lhe aplicar o epíteto de «estrada que anda», que a quase mais nenhum rio desta região se pode aplicar, à excepção de alguns troços. Foztua é o «porto de embarcação» da Província, no dizer do Memorialista de Pinhal de Anciães. Aí onde o Tua desagua no Douro «está huma povoação chamada Foz Tua com armazéns para cargas e descargas das fazendas que pelo mesmo rio Douro sobem e descem em barcos para a cidade do Porto» (Memória de Marzagão). «Tem este porto seus areais e nele se ajuntam muitas vezes mais de 30 barcos e carregam 50 pipas cada um», refere o Memorialista de Castanheira.
Aqui chegam os «almocreves que descem das comarcas de Bragança, Miranda do Douro e Torre de Moncorvo, com os frutos que dela se colhem que especialmente das ditas comarcas trazem pão, trigo e centeio, como de Bragança e seu concelho e da comarca de Miranda e de Vila Flor, pão, trigo e centeio e azeite para o porto que chamam Foztua (…). Levam [os almocreves] para as ditas comarcas sal, arroz e bacalhau e vinhos e alguns mais mantimentos com que fertilizam as sobreditas comarcas. Os quais mantimentos excepto o vinho desembarcam do dito porto de Foztua (…) o vinho que este o compram ao dito conselho de Anciães e da comarca de Vila Real. (…) E as fazendas que desembarcam no dito porto de Foztua vem da cidade do Porto» (Memória de Candoso).
A estes artigos deve também juntar-se o ferro que muitos espanhóis que também andam neste comércio e se internam pela Província levam pelo referido porto para Castela e recolhem por toda a Província (Memória de Carvalho d’Egas) E também se conduz muito sumagre pelo porto de Foztua.
Outro seguirá os caminhos terrestres para os principais centros industriais da Província e fora dela, designadamente para os centros industriais do Minho (Guimarães).


J. V. C.
Memórias Paroquiais 1758
in:repositorium.sdum.uminho.pt 

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