sábado, 27 de agosto de 2016

PNM - Como a terra começou a povoar-se

A beleza e variedade deste parque, marcado pelo contraste entre montanhas e vales, florestas e prados verdejantes é, em parte, a expressão da presença humana desde há muito nesta região.
Há testemunhos inequívocos da existência de povoamento nesta área em épocas antigas que podem mesmo remontar à Pré e Proto-história. Povoações como Pinheiro Novo, Babe, Donai, Baçal, Gimonde, revelam-se arqueologicamente ricas a qualquer observação ainda que superficial; são visíveis fortificações castrejas, edificações do tipo dolménico, inscrições rupestres, machados de pedra polida e metal, sepulturas abertas na rocha...; em Paçó também foi explorada uma anta; na freguesia de Montouto, num planalto da serra, fica a Fraga da Ferradura com inscrições, e perto, a Fraga da Pingadeira; em Travanca há igualmente uma fraga com insculturas, a que o povo chama Fraga das Patinhas da Burrinha de Nossa Senhora. Estes são só exemplos que se podem retirar das «Memórias Arqueológicas do Distrito de Bragança» do Padre Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal).
Mas se muitas povoações ainda mostram vestígios, outras há em que desapareceram completamente e apenas a toponímia as recorda. São frequentes topónimos como Castrilhão (em Montouto, Pinheiro Novo, Quiraz), Castelares (em Moimenta, Gimonde), Castro (em Vila Verde, Espinhosela, Vilar de Ossos), Castro da Ponte (em Soeira), Castelão, Castelinho, Castelo, Castromil (em Gondesende). No termo de Babe há Castragosa; na Cova da Lua, há Casarelhos.
Com a ocupação e a consequente «paz romana» parte da população continuou a habitar os castros, pois em muitos deles há nítidos vestígios luso-romanos como é o caso do castro de Babe, o estudo de cujas ruínas levou à conclusão de ter sido uma estação romana importante; o mesmo sucede com com o castro de Sacoias, em Baçal, igualmente luso-romano, como deixam concluir as moedas, as lápides funerárias, a cerâmica e a célebre vaquinha de bronze, que se supõe ter sido um ex-voto à deusa Diana.
Mas o mais frequente foi as populações descerem à planície e, procurando os terrenos mais férteis, promoverem o desenvolvimento da agricultura. Isso trouxe como consequência, por um lado, o recuo da floresta e dos matagais bem coomo de zonas pantanosas, e por outro a formação de grandes propriedades agrícolas -«villas»- nas zonas baixas, as quais se tornaram verdadeiros centros colonizadores, surgindo delas os principais aglomerados populacionais.
A julgar pelos restos arqueológicos existiram neste território nos tempos lusitano-romanos muitas «villas»; nas suas ruínas ou perto surgem vestígios materiais - como cerâmica, ânforas, moedas, lápides funerárias, telhas,troços de estrada e marcos miliários. Nas freguesias de Donai, Babe e Baçal foram encontradas muitas lápides funerárias, o que se explica pelo uso entre os romanos de sepultar a família do «dominus», Senhor na «villa».
É destas «villas» da romanização que após a queda do domínio romano vão surgir as vilas rústicas de sentido medieval, como resultado da fragmentação das primeiras. DAí que os domínios - vilas-  dos novos senhores, -os Visigodos- embora extensos, não constituissem uma unidade territorial; encontravam-se divididos em parcelas -casais, quintas e vilares -   disseminados por diferentes lugares e muitas vezes encravados em terras de outros senhorios.
Devido à pouca documentação escrita referente a Trás-os-Montes, anterior ao século XII, torna-se por vezes difícil recuar até às origens do povoamento local. Temos que socorrer-nos da toponímia. Pelo seu estudo atento, podemos verificar que a origem da maior parte das povoações integradas na área do Parque Natural, deve estar numa «villa» agrária e remonta a tempos anteriores à nacionalidade. São frequentes topónimos antroponímicos de origem germânica atribuídos a povoações, algumas das quais são hoje cabeça de freguesia - Fresulfe, Quiraz, Gondesende, Sernande, Donai, Guadramil, etc. Isto porque os visigodos vão manter o costume romano de atribuir o nome do proprietário à «villa»; assim muitas das actuais povoações aparecem nas Inquirições 1285 designadas por um nome pessoal antecedido da palavra « villa » - villa Fresulfi (Fresulfe), villa Trasimundi (Trasmonte).
Após a queda dos visigodos até o fim do séc. XI, assiste-se a um relativo despovoamento da área causada pelas investidos dos serracenos e lutas entre cristãos. Também dissédios internos, a violência e a rudeza de costumes, contribuíram para a desolação deste território, tornando inseguro o direito de propriedade. Com efeito, muitas «villas» e outras propriedades mais pequenas são abandonadas, ficam sem dono, transformando-se em matagais e bosques. São estas terras, que após a reconquista são tomadas em presúria (apreensão de terras vagas pelos conquistadores). É prática muito utilizada na época e consentido pelos soberanos como forma de repovoamento. Ao presor era-lhe concedido o direito de propriedade sobre a terra.
Nos grandes domínios vivia e trabalhava uma população rural, a troco de vários tributos em dinheiro, géneros, serviços pessoais e direitos inerentes à jurisdição.
Estes domínios agrários desempenhararn ao longo da Idade-Média um papel de grande significado económico e social, não apenas no que respeita a povoamento mas de igual modo na conquista e ocupação do solo. A gente que aí vivia dedicada à agricultura e ao pastoreio, num esforço enorme, foi desbravando os matagais onde se escondiam animais selvagens. A actual freguesia de Vilar de Ossos dá-nos pela toponímia uma prova de existência de local povoado de «ussos», ursos (lat. ursu) que os povoadores desbravaram. Esta povoação não parece ter resultado do fraccionamento de uma vila, mas sim da fixação de povoadores livres. Apesar das acções de arroteamento do solo, este território transmontano, teve sempre fraco índice populacional.
Quando se formou a nacionalidade a população que ocupava o território era escassa. Para além das grandes áreas desabitadas, muitos vilares velhos encontravam-se abandonados e povoações inteiras arrasadas. As graves lutas entre portugueses e leoneses a isso tinham conduzido. E as consequentes crises de fome e peste agravaram a situação. Daí que a grande preocupação dos primeiros reis sobretudo D. SanchoI e D. Dinis, consistisse em povoar o reino. Promoveram então uma política de povoamento e colonização distribuindo terras pelos privilegiados (fidalgos e igreja) adoptando, em especial para esta região transmontana, um sistema de aforamento colectivo, o qual aliado às próprias condições geográficas e sociais já existentes marcou a estrutura económica e social até à actualidade. Toda a organização do espaço dependia da vida em grupo.
A concessão de cartas de aforamento, atribuindo direitos e prerrogativas, e entre eles o incentivo da liberdade para os servos, concorreu para o povoamento do território, alargamento da área cultivável e aumento das receitas da coroa.
Sabe-se contudo pelos documentos da época e em especial pelas Inquirições de D. Afonso III que houve por parte dos mosteiros e de particulares (fidalgos) usurpações aos domínios da coroa. Muitas das terras foreiras aos reis aparecem como «honras» de fidalgos, ou membros da Igreja.
Nesta política de repovoamento e defesa merece especial referência a acção de D. Sancho I a favor da actual cidade de Bragança. A cidade tinha sido reedificada por D. Fernando Mendes, cunhado de D. Afonso Henriques no local onde se supõe ter existido Bemquerença, aldeia que pertencia ao mosteiro de Castro de Avelãs, após escambo feito com os frades. Mas ao que parece já esta cidade tinha existência anterior, era a Brigantia dos romanos, provável «civitate», de grande importância e densidade populacional. Na luta entre cristãos e mouros foi saqueada e destruída. É então que em 1130 D. Fernando a reedifica. Após a morte deste, D. Sancho, fica senhor de Bragança, repovoou-a e deu-lhe foral em 1187, concedendo-lhe imunidades e privilégios para que se desenvolvesse e tornasse um importante ponto estratégico na fronteira nordeste do novo reino. Ao seu reinado se atribui o levantamento das muralhas. Nesta altura e nesta zona do país o inimigo era, o vizinho reino de Leão tanto que em 1189 a cidade foi sitiada pelo rei leonês.
Na época «Bragança» não se limitava apenas à povoação propriamente dita, mas abrangia outras povoações situadas numa área que corresponderá mais tarde ao concelho e termo. Parece ter sido «terra» no sentido de circunscrição administrativa medieval antiga, como diz leite de Vasconcelos: «ainda que a cidade de Bragança date só, como parece da Idade Média, o seu território data de mais longe: se este território tinha nome - que era Brigantia - aí morava gente e havia povoados».
Foros de cidade propriamente só os teve no reinado de D. Afonso V a pedido de D. Fernando 2.º, Duque de Bragança.
Sabemos pelas Inquirições de D. Afonso III que D. Sancho I, ao fundar o concelho, incumbiu-o do repovoamento dos vilares velhos. Talvez por isso aparecem nas citadas Inquirições povoações com designação de Bragada e Bragadinha.
O repovoamento deste território deve também atribuir-se à acção dos mosteiros, que foram verdadeiros centros irradiadores de povoamento. Pelas muitas terras que aqui possuía, pelo menos nos primeiros séculos da monarquia, a influência Leonesa era muito forte e fez-se sentir durante muito tempo nesta região fronteiriço de Bragança, sobretudo através de dois mosteiros: o de Moreirola e o de S. Martinho de Castanheira (Senabria) ambos cistercienses. Montesinho  foi povoado no tempo de D. Sancho II, pelo mosteiro de Moreirola. Além dos mosteiros, outras entidades e instituições do vizinho reino de Leão influenciaram a nossa história e povoamento - próceres leoneses e ordens militares - Alcanices (Templários) e a de Ucles (Santiago). Como exemplo cite-se apenas Guadramil que era um vilar velho e ermo e foi repovoado pelos freires da primeira ordem e Rio d'Onor pelos da segunda. Com o tempo esta influência leonesa vai-se desvanecendo, pela acção mais directa dos monarcas portugueses e pelas instituições religiosas nacionais.
Entre os mosteiros nacionais, sem dúvida o que maior influência exerceu no povoamenteo transmontano foi o beneditino de Castro de Avelãs, cuja origem exacta se desconhece, mas que talvez remonte aos tempos neo-godos. Sabe-se que em 1199 os monges se colocaram na dependência do mosteiro leonês de S. Martinho da Castanheira, dependência que se manteve até 1218, quando o abade espanhol renunciou aos seus direitos. Este mosteiro possuía imensas domínios uns de que abusivamente se apoderara outros obtidos por doação dos primeiros reis; deu cartas de povoamento a muitas «vilas» e aldeias, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da região, muitas vezes à custa da opressão e arbitrariedades cometidas nas populações a ele submetidos, sobretudo no que respeitava à cobrança de foros e impostos. Entre eles o «maninhadego» pelo qual um terço dos bens dos habitantes que morriam sem descendentes ia aumentar os bens do convento. Este foi extinto em 1545 e D. João III doou as rendas do convento à nova Sé de Míranda. Sem dúvida que Castro de Avelãs foi o mosteiro que mais contribuiu para o povoamento e colonização desta zona fronteiriço de Trás-os-Montes. Mas a influência de outras entidades religiosas, monásticas e militares também se fez sentir até muito tarde. O Arcebispo de Braga possuía aí muitas terras, tal como, os Jesuítas de Bragança.
Ainda no século XVIII, tal como refere Caetano de Lima, em «Geographica Histórica», vol. II, «a maior parte desta província se compõe de terras de donatórios; assim há nella muitas abadias, reitorias e vigairarias, de padroeiros particulares especialmente da Sereníssima casa de Bragança, dos marqueses de Vila Real, dos marqueses de Távora, do Arcebispo de Braga, de monges de S. Bernardo e vários outros. Finalmente na Província de Trás-os-Montes se encontrarão diferentes comendas de ordens militares e em mayor número da ordem de Cristo».

Esta é uma nota sumária a respeito dos primórdios do povoamento da região do Parque.

in Parque Natural de Montesinho - Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente, Nov. de 1990, Lisboa.

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