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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Situada no alto da colina da Nossa Senhora do Sardão, a Cidadela de Bragança é um dos núcleos muralhados mais harmoniosos e bem preservados de Portugal

Quem vem do centro de Bragança, a pé ou de automóvel, precisa de atravessar duas portas flanqueadas por dois torreões para ter acesso ao velho burgo muralhado: primeiro a Porta da Vila, alguns metros depois a Porta de Santo António.
Se em tempos idos tal estrutura garantia uma dupla segurança contra os invasores, agora o que se deixa para trás são os ruídos do atarefado vaivém da urbe que continua a crescer a ocidente. Aqui a atmosfera é de uma absoluta tranquilidade, apenas quebrada pelos ecos de uma conversa de vizinhas, o som de um rádio que se escapa de uma janela e a correria de uns poucos garotos que ainda habitam o casario alvo.
Nas pequenas hortas rodeadas de muros baixos crescem figueiras, cerejeiras e legumes, mas a ânsia de verdura dos seus moradores não parece satisfeita pelos extensos contornos do Parque Natural de Montesinho que se avista do cimo das muralhas. Os jardins prolongam-se nas vielas estreitas, em vasos muitas vezes improvisados onde crescem flores de todas as cores. E, logo que chega a Primavera, cada pedaço de solo bravio enche-se de papoilas e malmequeres, sobrevoados por bandos agitados de pardais.

Viver entre muralhas:
Se em momentos de maior silêncio o pequeno núcleo de cerca de sessenta habitantes parece deserto, basta procurar os recantos soalheiros. É por aí que se reúnem os mais idosos à conversa. Elas quase sempre de rendas no regaço, eles com algum cão aos pés, deitando um olho às traquinices dos netos que acabaram de chegar da escola. E todos com muitas décadas de vida passadas dentro do núcleo muralhado - um dos mais harmoniosos e bem conservados do país -, à sombra de vetustos monumentos, que desde sempre se habituaram a ter como companheiros de brincadeiras.

O senhor Miguel, por exemplo, tem na memória os prolongados invernos, com neve que chegava acima dos joelhos e o espectáculo que era ver dali a paisagem coberta por um manto branco; mas também os tórridos estios quando se mergulhavam os melões dentro da água gelada da cisterna da Domus Municipalis para os manter frescos.
Agora, em tempos de frigoríficos e para evitar actos de vandalismo, a porta do monumento só abre a horas certas, recebendo os turistas na sua atmosfera gelada, refrescante oásis durante o Verão e um pesadelo nos meses frios, quando o vento se insinua constantemente pelas janelas que enfeitam cada um dos cinco lados do edifício.
Com uma forma de pentágono irregular, a sua singularidade não se limita à arquitectura, de que é exemplar único em toda a Península Ibérica. De origem misteriosa, os historiadores não conseguem datar com precisão a época da sua construção. Enquanto alguns autores a situam no século XII, outros defendem a teoria de que terá sido erguido no século XV, sendo o seu estilo românico civil tardio. Outras teses chegam a atribuir-lhe uma raiz romana ou grega. Ao certo, sabe-se que foi sobretudo um importante reservatório de água, com um subterrâneo composto por uma cisterna abobadada - a "Sala d'Água" -, tendo o piso térreo sem divisões e com uma bancada de granito ao longo das paredes - a Casa da Câmara" - servido como lugar de reunião dos "homens bons" do concelho, a partir do século XVI. Poderá igualmente ter albergado os peregrinos que rumavam a Santiago de Compostela, já que a cidade era um importante ponto de passagem.

Muralha e Cidadela:
A seu lado, formando um harmonioso conjunto, fica a Igreja de Santa Maria, de fundações românicas mas completamente reconstruída no século XVIII, na qual se misturam os estilos renascentista e barroco. Enquanto no seu interior se destaca a pintura do tecto, o exterior distingue-se pela bela fachada principal, com colunas decoradas por folhas de videiras e cachos de uvas.
Junto à fachada oeste do castelo, abrigado agora por uma alameda de grandes plátanos, encontra-se o velho pelourinho, onde eram castigados os criminosos da época medieval. Curiosamente, a coluna está assente sobre uma figura suíno-mórfica, a que os locais chamam de "Porca da Vila", e que representa um berrão. Os berrões eram um ídolo pré-histórico, sendo o seu culto uma prática característica dos povos transmontanos. O monumento é encimado pelo escudo das armas de Bragança e um capitel do qual partem quatro braços, cujas extremidades são decoradas com carrancas.

De Brigantia a Bragança:
Da primitiva Brigantia, fundada cerca de dois séculos antes do nascimento de Cristo, nada resta. Guerras entre árabes e cristãos, com os consequentes saques e destruição, arrasam por completo a povoação que na época se dividia em dois núcleos distintos: um situado no lugar da actual cidadela e outro no vale onde agora se encontra a Sé. Em 1130 volta a ser reconstruída por ordem de Fernão Mendes, cunhado de D. Afonso Henriques. Cinco décadas mais tarde D. Sancho I concede-lhe foral mandando erguer a fortificação, indispensável na zona de fronteira do jovem reino. O castelo surge então no lugar de Benquerença, pertencente aos frades beneditinos do Mosteiro de Castro de Avelãs. Em finais do século XIV a vila é oferecida como dote por D. Fernando I a uma das suas cunhadas, irmã de D. Leonor Teles. Finalmente, Bragança torna-se ducado em 1422, tendo como primeiro duque D. Afonso, filho ilegítimo de D. João I e genro de Nuno Álvares Pereira. Com o correr dos anos, o burgo torna-se próspero e nove anos depois D. Afonso V eleva-o finalmente à categoria de cidade, a pedido do segundo duque, D. Fernando. Ironicamente, nenhum dos membros da Casa de Bragança alguma vez ali estabeleceu residência. Enquanto o primeiro Duque preferiu construir o Paço Ducal nas suas propriedades de Guimarães, os nobres seguintes escolheram o clima ameno do sul, habitando o Paço de Vila Viçosa.

Domus Municipalis e Igreja de Sta. Maria:
Entretanto, os séculos XV e XVI vêem surgir na cidade um importante centro de manufactura de tecidos de luxo como veludos e damascos. A sua fama era tal que se comparava "a doçura das carícias femininas ao toque dos veludos de Bragança". Simultaneamente, a fortaleza situada no alto da colina da Nossa Senhora do Sardão, ia sofrendo constantes restauros. No reinado de D. Afonso IV (1325-57), são atribuídas à vila as terças das igrejas da região "para repairamento dos muros". Este facto é confirmado numa carta escrita por D. Fernando, onde afirma que a cerca está deteriorada e a requerer muitos trabalhos, finalmente levados a cabo em finais desse século. A Torre de Menagem é então construída, numa obra que demora 30 anos a concluir. De arquitectura gótica, distinguindo-se pela elegância as janelas em ogiva, ameias e seteiras, as suas linhas apresentam semelhanças com alguns castelos ingleses, do mesmo período.

Histórias de guerreiros e princesas...
Ainda dentro do recinto da fortaleza, mas encostada ao pano de muralha, ergue-se a enigmática Torre da Princesa, de base quadrangular e linhas simples. Era aí que habitavam os governadores e alcaides do castelo, não sendo utilizada para fins militares. O seu nome, de origem desconhecida, deu azo a diversas lendas e histórias populares. Os relatos estendem-se no tempo, tendo como protagonistas as personagens históricas de Dona Brites, Dona Sancha e a bela Leonor, infelizes vítimas de amores não correspondidos, maridos ciumentos ou intrigas da corte. Talvez por ter um final feliz, a mais conhecida é a que relata o amor secreto entre Diana, sobrinha do senhor do castelo, e Ricardo, cavaleiro que partiu para as cruzadas em busca de glórias que o tornassem digno de esposar a jovem. Dez anos se passaram e vendo que a sobrinha recusava todos os pretendentes e que nenhum argumento a demovia de esperar, toda a vida se necessário fosse, D. Hermenegildo resolve utilizar um último estratagema. Disfarçando--se de fantasma, aparece uma noite no quarto dizendo que é a alma de Ricardo, morto em combate, e que a liberta da sua promessa. No mesmo instante uma luz intensa ilumina a alcova, assustando o pretenso espírito que desiste dos seus intentos. Dias depois, Ricardo regressa vitorioso e o casamento realiza-se.
O castelo que assistiu a ferozes batalhas e se insurgiu ao lado do povo contra o domínio filipino, viu chegar bravos soldados empunhando a primeira águia napoleónica que os franceses perderam em território peninsular, vive agora em merecido descanso. Extinto em 1958 o Batalhão de Caçadores n.º 3 que o ocupava, alberga actualmente o Museu Militar, nos cinco pisos da Torre de Menagem. Percorrê-los é ficar a conhecer um pouco mais da nossa História e ter oportunidade de reflectir como todo o equipamento bélico usado era afinal tão inofensivo, se comparado com as novas armas de destruição maciça. Vale a pena começar pela cripta para descer a acanhada escada de caracol até às antigas masmorras. O primeiro piso, além da cisterna, apresenta, na Sala do Gungunhana, interessantes artefactos utilizados por diversos povos africanos e a história do célebre chefe tribal que ousou desafiar o poder colonial em África. A partir do segundo piso, as exposições sucedem-se por ordem cronológica, num total de 14 divisões, desde a Sala D. Afonso Henriques até à Sala da Primeira Guerra, estando patente em cada uma delas o armamento utilizado na época correspondente. Assim, às cotas de malha medievais seguem-se as bestas e armaduras quinhentistas, as espadas e mosquetes do século XVII, as carabinas e sabres do século seguinte. O primeiro conflito mundial termina a extensa colecção, com uma série de fotografias e postais mostrando soldados portugueses na frente da batalha.

Ana Pedrosa

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