Apesar de terem sido confiscados os bens do pai, Henrique conseguiu formar-se em Artes no Colégio dos Jesuítas de Évora e matricular-se em Medicina na Universidade de Coimbra em 1711, onde concluiu o curso médico em 1717. Henrique de Castro exerceu a Medicina durante algum tempo em Beja e depois em Lisboa, possivelmente durante apenas alguns meses, antes de partir para Londres em 1721. A fuga para Inglaterra foi uma consequência da vaga de prisões de cristãos-novos do Alentejo e Algarve, que se seguiu às denúncias feitas pelo médico Francisco de Sá e Mesquita em Setembro e Outubro de 1720. Entre as várias dezenas de indivíduos presos em consequência dessas denúncias, encontrava-se grande número de médicos de Beja, Aljustrel, Alvito, Moura, Serpa e Vidigueira e muitas outras pessoas do convívio de Henrique de Castro, o que o terá levado a uma partida súbita. Uma vez em Inglaterra, Henrique de Castro e sua mulher aderiram publicamente à religião mosaica, tomaram nomes hebraicos e casaram-se de novo, na sinagoga. Cinco anos depois da sua partida foram perseguidos pela Inquisição os seus sobrinhos, filhos de João de Castro Almeida. O apoio da Congregação de Bevis Marks foi fundamental para o início da sua carreira em Inglaterra. Começou por exercer a medicina dentro da comunidade judaica até ser aceite, em 1725, no Royal College of Physicians, o que lhe permitiu exercer livremente a Medicina em Inglaterra. Depois de uma primeira rejeição, foi aceite em 1730 como Fellow da Royal Society e nove anos depois foi o primeiro judeu a obter o grau de doutor no Reino Unido, que lhe foi concedido pela Universidade de Aberdeen.
Estes passos foram acompanhados de uma intensa actividade profissional e científica. Durante esta mesma década, Castro Sarmento iniciou uma decidida viragem para a intervenção na realidade portuguesa, que se processou ao nível de contactos com as esferas dirigentes portuguesas e com colegas residentes no país, da edição de numerosas obras médicas escritas em português e também da actividade comercial, exportando a “Água de Inglaterra” e outros remédios secretos da sua autoria. Em 1730 iniciou correspondência com o Marquês de Alegrete, da qual nasceu a proposta que, através deste, foi feita à Academia Real de História, de enviar sementes do Chelsea Physic Garden para a criação de um jardim botânico na Universidade de Coimbra, reiterada no ano seguinte ao reitor, D. Francisco Carneiro de Figueiroa. Foi nesse mesmo ano que Sarmento terminou o poema Viriadas, iniciado por Isaac Sequeira de Samuda, então falecido, poema que dedicou a D. João V.
Foi igualmente por esta mesma época que o Conde de Ericeira terá contactado Sarmento sobre a reforma dos estudos médicos, donde saiu uma proposta de traduzir para português as obras filosóficas de Francis Bacon. Nestes contactos, desempenhou certamente um papel importante o então ministro plenipotenciário português em Londres, Marco António de Azevedo Coutinho, a quem Castro Sarmento dedicou em 1735 a Materia medica e a quem deveu a sua nomeação em 1738 como médico da legação portuguesa. Esta posição terá colocado o médico em boas relações com o futuro primeiro-ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo, que substituiu Coutinho em 1739.
Entre Junho de 1743 e Fevereiro de 1744, Jacob de Castro Sarmento procedeu às primeiras análises químicas das águas das Caldas da Rainha, |
Obra:
Apesar de emigrado em Inglaterra, Castro Sarmento manteve sempre fortes laços com Portugal, principalmente desde cerca de 1730. Ele foi o mais lúcido autor iatromecânico português. A perspectiva Iatromecânica foi defendida principalmente na Matéria médica. Físico-histórico-mecânica (1735). Partidário de uma forma tardia de iatromecanicismo, influenciado por Hermann Boerhaave, Sarmento veio trazer para a literatura médica portuguesa uma nova abordagem, influenciada pela física newtoniana e por todo o ambiente intelectual que encontrou ao chegar a Inglaterra em 1721. Quando Sarmento chegou à pátria de Bacon, Harvey, Boyle e Newton, este último estava ainda vivo e no auge da sua reputação. A sua influência fazia-se já sentir profundamente em todas as áreas do saber científico e técnico, incluindo a Medicina. Como Sarmento diria anos depois: “o profundo respeito e veneração com que os ingleses pronunciam o nome do cavalheiro Isaac Newton iguala, se não excede, toda aquela estima e culto que jamais se deu aos mais célebres legisladores da Antiguidade”. Em 1737, escreveu a Teórica verdadeira das marés, conforme à filosofia do incomparável cavalheiro Isaac Newton, o primeiro livro em português onde se introduzem as teorias de Newton. A influência mais directa para a redacção deste livro parece ter sido um curso de filosofia experimental e mecânica dado em Bath por John Theophilus Desaguliers (1683-1744), apresentado como o “meu bom amigo e sócio [da Royal Society]”.
Sarmento decidira escrever este comentário, “para que chegasse a todos uma ideia deste Filósofo Ilustre, pois pelo dedo se conhece o gigante”. No prólogo, trata da importância das forças atractivas do sol e da lua em vários casos patológicos, afirmando que o conhecimento dessas forças era indispensável ao médico para o tratamento de doenças afectadas pelas fases da lua. A abordagem de Sarmento, como é natural numa obra de divulgação, tende a ser não matemática mas, atendendo à sua própria preparação básica, o nível de exposição de conceitos geométricos excede o que seria de esperar. Logo após a sua chegada a Londres, Castro Sarmento publicou A dissertation on the method of inoculating the Smallpox (1721), onde fazia uma revisão do método de inoculação da varíola, que estava então a ser introduzido em Inglaterra.
Castro Sarmento também foi o iniciador de uma viragem na literatura portuguesa sobre águas minerais. Na Matéria médica (1735) ele tratou detalhadamente do estudo químico das águas doces e minerais, sendo o primeiro autor português que se encontra a par dos mais recentes autores sobre esta matéria, como Robert Boyle, Martin Lister, Friedrich Hoffmann, Thomas Short e Peter Shaw, com quem trabalhou. Ele descreveu o modo de utilizar vários reagentes e instrumentos para o exame das águas e descreveu vários tipos de águas minerais, referindo as suas propriedades terapêuticas e várias técnicas utilizadas na sua análise. Defendendo a necessidade de exame químico próprio, Sarmento procedeu em Junho de 1743 e Fevereiro de 1744 às primeiras análises químicas qualitativas das águas das Caldas da Rainha, as mais importantes termas portuguesas da época. Os resultados foram descritos no Apêndice ao que se acha escrito na Matéria Médica (...) sobre a natureza, contentos, efeitos, e uso práctico, em forma de bebida, e banhos, das Águas das Caldas da Rainha (1753).
A obra médica mais importante de Castro Sarmento foi a Matéria médica. Físico-histórico-mecânica. Em 1735 fez imprimir a parte I, tratando apenas dos medicamentos de origem mineral e só vinte e três anos depois editou a parte II, com os medicamentos de origem vegetal e animal, juntamente com a segunda edição da parte I. Merece também destaque a Pharmacopoeia contracta in usum nosocomii ad pauperes e gente Lusitanica curando nuper instituti (1749), composta juntamente com Phelipe de la Cour para o Bet Holim. Este formulário, simultaneamente o primeiro elaborado para um hospital de portugueses e para um hospital de Londres, influenciou a farmácia nos Estados Unidos da América, através da chamada Lititz pharmacopoeia, de 1778. As restantes obras de Castro Sarmento estão relacionadas com o seu interesse pelas operações de Cirurgia e pelos remédios secretos.
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