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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 25 de dezembro de 2011

O Natal


EXCERTOS
Ceva morta, Natal à porta.

O Natal acontecia no período em que o gelo, a neve e a chuva se instalavam para fazer jus ao ditado dos nove meses de Inverno e três de inferno.
Apesar disso, era uma festa quente e excitante e era muito mais que uma festa de família: era uma verdadeira festa da comunidade.
Eu explico.
A excitação começava com a compra, na feira de Vilarandelo, a vinte e três, das pinhas de pinheiro manso - coisa que não havia no termo da aldeia - a sua abertura ao lume, a extracção dos pinhões e a distribuição destes, em partes iguais, pela canalha da casa. O cheiro da resina, o estalar das brácteas da pinha por efeito do calor e a expectativa de quantos pares de pinhões ela renderia eram um encantamento. Não sei por que estranhas influências os pinhões tinham tanta importância no Natal da criançada. O certo é que, não havendo a tradição da distribuição de prendas, as pinhas funcionavam como o melhor dos presentes.
A partir da ceia, toda a gente jogava aos pinhões:
Ao par e pernão que consistia em adivinhar se o número de pinhões contidos numa mão fechada era par ou ímpar, pagando o que perdesse esse número. Ao rapa, fazendo-o rodar sobre a mesa até se imobilizar mostrando na face superior a sorte de quem o lançou: ou R que significava levantar todos os pinhões da banca, ou T que permitia que o lançador retirasse o número previamente combinado, ou D que deixava tudo na mesma, ou P obrigando o jogador a pôr na mesa o número de pinhões fixado;
À abridaima que consistia em adivinhar quantos pares estavam numa mão fechada. Era um jogo a dois. O jogador que tinha os pinhões na mão fechada dizia"abridaima ! ", ao que o segundo respondia "abre a mão e dai-ma". "Sobre quantos pares ?", questionava o primeiro e abria e fechava a mão. "Sobre tantos pares" arrematava o segundo. Se acertasse, ganhava os pinhões que estavam na mão. Caso contrário, era obrigado a repor a diferença.
Este tinha também o nome de conquerroncom. O jogador que  tinha os pinhões na mão fechada, abria-a e perguntava: Conquerroncom, conquerronquelho, quantos porquinhos estão no cortelho? O outro jogador fazia o palpite e tudo se passava como no anterior.
Excitante também era, ao cair da noite de consoada, ouvir o carro de bois a matraquear as pedras da rua e a algazarra da rapaziada transportando a choça para a fogueira que devia arder desde a noite de consoada à de Reis. Era tradição os rapazes solteiros, com os que foram a sortes à cabeça, no maior dos sigilos, fisgarem a melhor choça, de castanho, de negrilho ou de freixo, roubarem um carro de bois e transportarem-na, sem o dono se aperceber, até ao Largo do Peto. Não podiam pedir nem o carro, nem a choça, nem utilizar animais para o seu transporte. E comprometiam-se a manter a fogueira acesa até à noite de Reis, roubando para o efeito a lenha miúda que fosse precisa, pela calada da noite, dos cabanais da vizinhança. Usava-se lenha seca de urze e de giesta para acender a fogueira e o monte de carvalhos, freixos, giesta negral e castanho garantiam o braseiro noites fora. O termo roubar, aqui, é uma maneira de dizer, porque todos os vizinhos deixavam a lenha a jeito para facilitar o rapinanço.
Quente era o aroma dos fritos - o bacalhau passado por ovo e salsa, o polvo preparado de igual modo depois de cozido, as filhós de farinha centeia, as fatias paridas - e o cheiro característico da couve de penca e das rabas cozidas para acompanhar o bacalhau da consoada e, claro, a aletria para os mais gulosos.
Quente era o ambiente da lareira onde a família se reunia e ceava e os avós e os pais se prestavam a perder nos jogos dos pinhões, para felicidade de filhos e netos.
Ceava-se cedo porque a noite era longa - a maior do ano com algum erro de cálculo - e havia que usufruí-la em casa e no Largo do Peto, em redor da fogueira.
E quente, da amiga confraternização dos vizinhos, era o ambiente em roda da choça, onde velhos e novos folgavam, alheados da vida madrasta, cantavam para não carpir mágoas e riam como se escarnecessem dos reveses. Bebia-se aguardente para aquecer por dentro e ia-se voltando o corpo, ora de frente ora de costas para a fogueira, para não arrefecer por fora.
E isto até a meia-noite anunciar o dia de Natal, a menos que fosse ano de ser representado, em Tinhela, o Ramo - que assim se chamava o auto do nascimento - onde se ia como em peregrinação, Monte da Senhora abaixo, Monte da Senhora acima.


Do Natal aos Reis, a choça ardia todas as noites e os mais persistentes faziam romaria à sua volta.


António Mosca
in Quem Me Dera Naqueles Montes...

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