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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Uma Lenda do Rio Sabor, que o meu avô me contou

É uma felicidade ter avós! E ela é ainda maior quando se passa a infância com eles, a ouvir-lhes contar lendas e histórias. Vem isto a propósito do meu último livro, “Homenagem ao Rio Sabor”, que me trouxe à memória uma Lenda sobre o Rio Sabor que o meu avô me contava na horta de Salgueiros, sentados ao luar a ouvir cair os últimos pingos de água da nora. Era assim:
«Uma jovem, muito formosa, chamada Florbela, pastoreava as ovelhas junto a um moinho onde vivia um rapaz da sua idade, órfão de pai e mãe, chamado Benjamim, que era moleiro. Os pais dele tinham-se afogado numa noite de temporal, quando caíram ao rio, tinha ele dezassete anos. Um belo dia meteu conversa com ela e perguntou-lhe o nome. Ela disse-lhe que se chamava Florbela. Ele sorriu e disse-lhe que só lhe ia chamar “Bela”, por ser tão bonita... Mas ela também lhe perguntou o nome a ele, e ele disse-lhe que se chamava Benjamim. A partir daí passaram a ver-se todos os dias. Conversa puxa conversa, concluíram que tinham nascido no mesmo dia e à mesma hora, num quarto virado a Nascente. E mais, ainda: que ambos eram filhos únicos e os pais tinham os mesmos nomes e morrido afogados nessa noite de temporal. Com tanta coincidência, acabaram por se apaixonar um pelo outro e casaram. Nove meses depois, nasceram dois gémeos tão parecidos que só a mãe os diferenciava. Nesse dia, disseram que os meninos se iam chamar Abel e Joaquim, e assim foi.
Eram duas crianças lindas! Mas no dia em que faziam sete meses, estava a mãe a dar-lhe banho no rio, foram-lhe arrebatados do colo e levados na corrente, como por encanto. Ela, desesperada, correu para o marido e contou-lhe o sucedido. Então ele, a chorar, disse-lhe: ó, mulher, não os voltamos a ver, foi o “Espírito do Rio” que os levou! Eu ouvi uma Lenda assim ao meu pai, quando estávamos no rio a observar peixinhos que subiam na corrente.
A mágoa deles imensa! Mas nessa noite ambos tiveram um sonho. Mas ela, a pedido do Anjo, não contou o seu sonho ao marido. Mas ele contou-lhe o dele: “apareceu-me um Anjo vestido de branco e disse-me: Benjamim, os vossos filhos agora pertencem ao rio, já não são vossos. Mas não estejais tristes, porque eles estão bem.  Diz isto à tua mulher, e pede-lhe para que não chore por eles; senão eles também choram e as suas lágrimas fazem subir as águas do rio e arrastam-vos, a vós e ao moinho, para o mar. Mas não contes este segredo a mais ninguém”.
Florbela ia todos os dias para o local onde os filhos foram levados pela corrente e levava farinha para dar a dois peixinhos que apareciam sempre que ela se abeirava da água. Mas eles não a comiam. O marido, atendendo ao sonho, tinha-a sempre junto dele e conformavam-se um ao outro. Mas uma noite voltou a aparecer a Florbela, em sonho, o Anjo vestido de branco que lhe disse: “Florbela, amanhã, quando o Sol estiver no pino, vai para o local do costume, que os teus filhos vão falar contigo. Mas vai sozinha e não contes este segredo a ninguém, senão eles morrem e não os voltas a ver!”. Ela assim fez. Ao meio dia estava junto da água e apareceram dois peixes, pequeninos, a chamarem por ela: ”mãe Florbela!, mãe Florbela! Somos nós, os teus filhos!” Ela, incrédula, olhou para eles e reconheceu-os. Eram os peixinhos que lá via todos os dias, e à frente dos quais metia a mão na água, com a farinha na concha da mão para eles comerem, mas eles mergulhavam e beliscavam-lhe as costas da mão, como quem pede a bênção, e não a comiam. Nesse instante, num impulso maternal, quis agarrá-los, mas eles disseram-lhe: “não, mãe Florbela! Foi o Anjo vestido de branco que nos mandou vir falar contigo, para te dizermos que te vemos todos os dias... Nós sabemos que já não choras por nós, e nós também não choramos por ti; por isso  não chores mais, senão quebras o nosso Encanto. Para a próxima vez que o Anjo nos mandar vir falar contigo revelamos-te o resto do segredo. Agora vai para junto do nosso pai, mas não lhe contes isto” E, dito isso, desapareceram. Mas ela, enquanto os escutava, via-os como quando lhe desapareceram do colo, e ficou contente por não se terem afogado...
A partir desse dia, Florbela passou a andar alegre. Mas continuava a ir todos os dias a chamar pelos filhos, e eles não apareciam. Um dia não se conteve e começou a chorar. Nesse instante as águas do rio começaram a subir e ela, assustada, disse: “perdoai-me meus filhos, mas tenho tantas saudades vossas!” Dito isso, as águas baixaram e ela ouviu um coro de anjos a cantar e, de seguida, apareceram-lhe os filhos e disseram-lhe: ”Mãe, nós ouvimos-te chamar por nós, mas estamos encantados e ninguém nos pode ver! Por isso, tu não nos vês a nós; que vamos permanecer no Rio até ao dia em que apareçam duas irmãs gémeas, como nós, e tenham nascido num dia igual àquele em que  nós nascemos, e à mesma hora. Uma, tem que se chamar Maria, e a outra Ester, e os seus pais têm que se chamar Benjamim e Florbela. Então, nesse dia, quando estiverem a nadar no rio, à hora em que nasceram, nós aparecemos-lhe e pegamos na mão direita de cada uma delas. Se elas, quando nos virem, não tiverem medo nem gritarem o nosso Encanto termina e vamos casar com elas e ser felizes para sempre. Mas, pelo contrário, se tiverem medo e gritarem, então quebram o nosso “Encanto” e nunca mais ninguém nos volta a ver até que chegue o fim do Mundo! Este é resto do segredo que tínhamos guardado para ti, e o Anjo nos mandou revelar-to hoje. Não contes este segredo a ninguém”.
E, dito isso, desapareceram no Rio com esperança que um dia lhe aparecessem duas irmãs e  não gritassem, quando lhes pegassem nas mãos para as pedirem em casamento e casarem com elas...»
Esta é uma Lenda do Rio Sabor, que o meu avô materno me contou. Mas haverá outras, certamente, sobre o Rio, com outro encanto e beleza. Mas esta é a que eu sei, e aqui a deixo aos vindouros. Na esperança que haja Rio Sabor, e avós para a contarem aos netos, e ela não se perca.

João de Deus Rodrigues
in:jornal.netbila.net

1 comentário:

  1. Impressionante esta lenda sobre o Rio Sabor.
    Esta era uma verdadeira forma de convivência com os nossos avós dos quais tenho saudades das lendas que também me contavam.
    A imaginação, a crença e o poder de descrição e o entusiasmo com que o faziam, tornavam-nas para nós histórias reais.

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