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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Hino ao Boi do Povo


Padre Fontes
Fotografia de Paulo Araújo
Trás-os-Montes, Galiza Ourensana e outras zonas serranas onde o gado vacum abunda e é suporte da economia familiar da região, foram palco de um certo comunitarismo, que foi representado pelo Boi do Povo. Este símbolo comunitário foi-se extinguindo, por todo o lado, à medida que a emigração e industrialização agrícola chegam a estas zonas fechadas do interior Galaico-Português. Na Galiza foram as zonas da Limia, Bande, Calvos de Randin e Muinhos, que raiam com o concelho de Montalegre, os que persistiram nestes usos até este meado de século. Hoje, dada a atracção que este espectáculo exerce, as vilas galegas de Muinhos, Ginzo e Calvos de Randin voltam a incluir nos programas das grandes festas e dias festivos uma chega de bois de Barroso.
Em Trás-os-Montes, foram os concelhos de Montalegre, Boticas, Chaves que teimaram em manter até fins do séc. XX o Boi do Povo.
Hoje, as capitais do país onde os barrosões se radicaram e associaram também têm sido palco de chegas de bois. Desde sempre a raça Barrosã, dita Portuguesa, por oposição à Galega e Mirandesa, reinou nesta zona.
Hoje, outras raças maiores, de mais carne, foram eliminando aquele e ganhando terreno em Barroso.
O porquê das chegas
As chegas de bois nasceram desta riqueza cultural de cada aldeia, da rivalidade existente entre vizinhos e povos, do gosto pela qualidade energética da raça barrosã, do orgulho e riqueza de cada povo e seus pastores e autarcas, da necessidade de convívio das populações, sem descriminação de idades e sexos, da valorização de dias festivos, da falta de outros desportos colectivos envolventes.
Dois machos lutam, sempre que se encontram a primeira vez, pela defesa do seu território. Significa a apuração da raça, que chegou pura até nós e mereceu ser reconhecida mundialmente como carne de qualidade.
A raça também está a ser incrementada e apoiada. Mantidas até nós, as chegas têm uma larga história já feita e de que os Barrosões se orgulham e sentem retratados.
Na toponímia Barrosã
Quase todas as aldeias conhecem e têm as lamas do Boi do Povo, situadas nas zonas húmidas e baixas, que são pasto e forragem para o boi. Mas os nossos montes e planaltos estão desde tempos imemoriais baptizados pelos nossos antergos com nomes que estão ligados ao boi, à vaca, ao pastoreio. Quem não conhece os Cornos das Alturas de Barroso, de Fonte Fria [Pitões, Currais, Vilar de Vacas (Ruivães)], são topónimos que por si falam. Lemos no mapa 1/25.000 alguns topónimos que citamos como documento breve que nos indicam estas serras estarem noutros tempos povoadas de bois e vacas barrosãs: Porto Tourão (Tourém), Currais em todas as aldeias, Buraco do Touro e Lage dos Bois (Gerês), Monte do Touro (Pincães e Sela), Alto do Touro (Contim), Cabeça dos Bois (Mourilhe), Vale dos Bois e Toural (Salto), Alto do Bezerral (Outeiro), Fonte do Touro (Sela). Dormidoiros e Sestas há-os em quase todas as aldeias do Barroso. Mas se fôssemos registar todos os nomes que o povo conhece nas suas aldeias, ao boi referenciados, não teriam conta.
As chegas na arte
Na arquitectura, são inúmeras as casas e cortes e palheiros do boi.
Cada aldeia tem as suas. As de Padornelos e Meixedo são as mais típicas, pois, quais capelas, ao meio da aldeia, também a corte do boi tem um sino e está no centro das casas para protecção, vigilância e convívio.
Mas é Travassos do Rio quem mais celebrou o boi do povo. Em 1933, o campeão das vitórias nas chegas recebeu um prémio e foi com ele erguida uma torre na corte do boi, com um alto relevo do retrato do seu boi.
Na Heráldica
Na heráldica, também o concelho de Montalegre, na busca de um brasão que mais identificasse e caracterizasse a terra, mandou colocar dois bois barrosões no seu brasão e bandeira. Na escultura, sendo Padornelos uma terra de fama de ter dos melhores bois do povo, um filho artista desta terra, António Afonso Alves, esculpiu em madeira a cabeça
do boi do povo, hoje exposto no salão nobre dos Paços do Concelho.
Na celebração dos 500 anos das Descobertas, em desfile no Porto de 9 de Junho de 1985, «Os Portugueses e o Mundo», desfilou uma chega de bois executada em gesso por vários artistas: António de Padornelos e José de Paradela e esposa, pintado pela empresa de tintas Ribex de Montalegre.
Nas escolas de todos os níveis são muitas as obras que os alunos, ano a ano, executaram, de bois a liar, seja em madeira, barro, ou outros materiais.
Fernando Moura do Barracão mandou executar em barro vermelho uma das suas chegas de bois, e é também símbolo da sua casa. Tem no seu museu das chegas vários troféus de vitórias do boi. Tem ainda a cabeça embalsamada de um campeão. Em Vilar de Perdizes, no café Girassol, estão expostos os cornos do boi do povo campeão. Por todo
o lado há taças nas sedes de Juntas de Freguesia, referenciando vitórias do boi do povo. Nos Estados Unidos, e por onde os barrosões passam, alguns exibem o distintivo da sua terra com o escudo de Montalegre e os bois (Ludlow Mass).
A Câmara Municipal de Montalegre está a mandar executar ao escultor Ribatua uma estátua de uma chega de bois para implantar num centro da vila.
Na tapeçaria, nas escolas e nas famílias há quem borde, e adorne colchas, tapetes e outros tecidos com o tema – chegas de bois.
Na pintura, são já muitos os artistas que retratam cenas de bois e chegas em Barroso. Numa das paredes da Biblioteca Gulbenkian em Montalegre, na sala de leitura, foi uma pintura mural executada por Rui Azevedo, em tamanhos naturais, em Julho de 1984. Em 1991, Alfredo Cabeleira, de Castelões (Chaves), expôs mais uma tela a óleo de chegas
de bois que a Câmara comprou. António Martins, de Serraquinhos, pintor naïf, também já pintou vários quadros de chegas. Nas escolas, muitos desenhos e pinturas são, cada ano, expostas em actividades escolares.
Na Medalhística
As Câmaras de Boticas e Montalegre, em convénio, realizaram 4 feiras agro-Barroso, desde 81 a 84, e foram cunhadas, com desenhos de Cabral Antunes, 3 medalhas em bronze, em que os bois e as chegas são grande relevo. O Centro de Saúde distribuiu também medalha com chegas no seu I Congresso Científico, em Montalegre. Ainda em trabalhos de artesanato de cobre, há quadros, em relevo, que se vendem para recordar chegas barrosãs.
No Cinema
No cinema, sobretudo desde 1974, quase todos os amadores e equipas de cinema e televisão Portuguesa, Galega, Espanhola, Inglesa, Alemã e outras fizeram documentários e reportagens que correram o mundo na TV, vídeo e cinema. Recentemente, destacamos obras de Noronha Feyo, Teresa Ola, João Rodrigues, João Roque, BBC de Londres, filme Terra Fria de António Campos, etc. Cremos não haver câmara de vídeo de emigrantes e aficionados por todo o mundo, onde o tema ‘chegas de bois’, barrosões ou não, vão correndo de porta em porta. Nos restaurantes e cafés de Barroso, dentro e fora do País, são frequentes exibições de vídeos de chegas para os da terra e para turistas.
O que dizemos do vídeo podemos afirmá-lo com maior ênfase da fotografia. Basta ver uma chega, sobretudo no Verão, nas festas, onde a GNR tem de intervir para limitar o número de fotógrafos a entrar no recinto. São inúmeros os cartazes de festas, calendários, recordações pintadas em pratos, postais turísticos, que proliferam nesta região. É raro o café, taberna, restaurante que não exiba nas paredes pinturas, fotografias de chegas célebres. Hoje, até se fazem calendários de parede e bolso com chegas barrosãs.
Nos jornais, quase toda a imprensa nacional, e não só, tem feito cobertura de chegas de bois. Grandes nomes de jornalistas por aqui passam, curiosos deste mundo à parte, onde tal fenómeno acontece e se repete sempre com a mesma ilusão e vivacidade. Revistas, livros de fotos também não se poupam a ilustrar chegas de bois.
Na Literatura
Parece-nos que a primeira chega a ser escrita em livro foi em 1926, por Júlio Montalvão Machado, no livro Arcipreste de Barroso. Ferreira de Castro, em 1933, no romance Terra Fria, agora reportado em filme de 35mm, descreveu a chega de bois campeões, Padroso e Donões.
Miguel Torga, nos seus diários e andanças por Barroso, também não escapou a cantar esta atracção da amplidão pagã. Mário Ventura Henriques, Bento da Cruz, barrosão de nascença, fez para o In Memoriam de Jorge Dias a sua descrição crítica da chega. Barroso da Fonte, Dias Vieira, Lourenço Fontes, autor destas linhas, Dias Batista, Martins
Rodrigo, Carvalho de Moura, Manuel Francisco Ramos e tantos outros esmeraram-se na pena, para retratar, para quem os lê, o que nos caracteriza nas chegas ou lutas de bois. Em 1995, Fernando Moura do Barracão editou o livro Chegas de Bois, com as cento e sessenta chegas, que a sua memória lhe trouxe, desde 1937 até aos nossos dias.
Na poesia, o Povo canta atrás do boi vitorioso o seu cancioneiro popular. Viale Moutinho dedicou-lhe, no seu livro Retrato de Braços Cruzados, uma bela poesia. Quando o boi do povo vence, outros poetas populares cantam, ao desafio, a vitória.

Viva lá o boi da Bila,
Campeão e boi da feira.
Já venceu os de Barroso
E agora vai prá Ribeira.

No teatro, também António Cabral escreveu uma peça de teatro sobre este tema, as chegas de bois, que ainda não foi representada.
Ditos do povo
O boi entra em todas as conversas. Faz parte da casa, e também da terra. O léxico comum a todos os barrosões é rico: andar ó boi, levar a vaca ó boi, tratar o boi, roubar prò boi, roubar o boi de noite, acompanhar o boi, ir c’o boi, afiar os cornos do boi, azougar o boi, benzer o boi, embebedar o boi, turrar, chegar, lidar, tocar o boi, etc., são algumas das palavras que todos usamos e conhecemos. Viva ó nosso boi, é sempre a aclamação final das chegas.
O rifoneiro popular está recheado de ditos, em que o boi é tema:
Boi só, delambe-se só. Deus nos livre de cobridela de boi velho. Deus nos livre de gado faldrudo. Livra-te do boi pela frente, da mula por trás e da mulher por todos os lados. Quem não tem vacas nem bois, ou antes, ou despois.

A. Lourenço Fontes (Padre Fontes)

Nasceu numa aldeia de setenta fogos que hoje tem trinta ou quarenta. Na vida, como no seminário, não lê só os livros "oficiais". É o que se podia chamar um "menino rabino".
Etnógrafo, animador cultural, "botânico", exorcista de crendices. António Lourenço Fontes: barrosão, com a graça de Deus. Um padre levado dos diabos.

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