Na aldeia de Agrochão, no concelho de Vinhais, ainda está bem presente aquilo que era o tradicional “jogo de roda” e são muitas as histórias por detrás desta tradição
O Grupo de Cantares de Agrochão, no concelho de Vinhais, tem uma forte presença feminina.
O Terra Batida foi conhecer alguns dos rostos que fazem parte deste grupo, que tem muito para contar sobre os tradicionais “jogos de roda” e as estratégicas idas à fonte.
São duas da tarde.
Chegamos à sede da Junta de Freguesia de Agrochão, mas a música essa já se ouve música de longe. E que afinadas são estas senhoras!
É Maria da Graça que nos abre a porta e nos apresenta alguns elementos deste Grupo de Cantares e Saberes. Parece que é um hábito juntarem-se neste local, para cantarem e dançarem. “Quando há actividades no concelho não falhamos e aí vimos para aqui todas as noites ensaiar para fazermos boa figura”, adianta Maria da Graça. Desde 1996, ano em que nasceu este grupo, que se juntam.
Inicialmente faziam cantos litúrgicos de Igreja, depois com o passar dos anos começaram a participar em mais actividades e até já gravaram uma cassete com músicas originais. E enquanto nos conta a história deste grupo, somos “literalmente” envolvidos numa roda e começam a cantar: “Pus o pé no Batateiro”, foi a primeira moda que ouvimos e dançámos.
Reparámos na indumentária destas senhoras e não falha nem um pormenor: Blusas cheias de cor e folhos como se usavam noutros tempos, “meotes” (assim conhecidas as meias de lã feitas à mão), lenços, saias e avental a combinar e as socas, que não podiam faltar. A porta-voz, Maria da Graça, esclarece: “Nós até gostamos muito das socas, mas sinceramente, antigamente dançávamos descalças e até era mais práctico ou então usávamos aquelas chinelas que vinham dos contrabandistas que iam à Espanha”. E é desses tempos que queremos falar, em que os “jogos de roda” eram um sucesso nas aldeias do Nordeste Transmontano. “Todos os domingos e dias santos havia jogos de roda nos largos das aldeias.
As pessoas mais idosas ficavam a ver e os novos dançavam, depois acabava sempre em bailarico”, conta a porta-voz.
E é lançado o desafio: “Vamos mas é mostra-lhe como fazíamos!”. A sala da Junta é pequena para a roda e como o dia está de sol, vamos para a rua. É no largo que nos mostram toda a alegria com que recordam os tempos de mocidade. Numa conversa de duas horas foi longo o reportório de músicas que para nós cantaram e dançaram.
Vamos então saber como eram estes “jogos de roda” na altura. “Três ou quatro raparigas que se juntavam ali no largo, começavam a cantar e funcionava como um ‘chamadouro’.
Ali rapazes e raparigas e cantavam e dançavam numa roda enorme”, diz Maria da Graça, que é interrompida por Constantina Silva, que, sem papas na língua, esclarece: “Esses jogos de roda era um pretexto para o namoricos percebe?”. E é a partir deste momento, que nos é desvendado o secretismo que havia por detrás destes jogos. Parece que era nestas danças de mãos dadas que muito recadinho se passava. E como? “Eles quando viam a roda, começavam a aproximar-se e nós o que queríamos era bailar sabe!”, esclarece Constantina Silva, que assim começou a namorar e o amor dura até aos dias de hoje.
Enquanto a roda girava, o realejo acompanhava e no fim havia sempre bailarico e era a tarde inteira a dançar. Só à tarde, que à noite as moças não saiam à rua, porque os pais não deixavam.
Na Quaresma só se dançava em dia de São José
“Para infelicidade das moças de Agrochão, na Quaresma não se dançava, só em dia de São José, dia 19 de Março”, conta Maria da Graça, que é interrompida pela colega Ana Pereira: “Oh Maria da Graça não te lembras aquela vez que fugimos até ao pinhal para dançar umas modas?”. Pois parece que uma tarde de sol, durante a Quaresma, as moças desafiaram a sorte e foram até ao pinhal de Agrochão fazer um baile, mas apanharam um valente susto, segundo Ana Pereira. “Estávamos muito contentes nas nossas modas quando ao longe vimos uma senhora e pensámos que tínhamos sido apanhados. Era castigo para um ano”, conta. Apesar de não era nenhuma das mães das moças, preferiram jogar pelo seguro e preferiram acabar com o baile e esperar que a Quaresma terminasse.
Pais eram severos
Os pais não deixavam as pessoas moças ir para os bailes, mesmo tendo irmãos mais velhos. “Então tínhamos que nos desenrascar. Por isso, é que se faziam os jogos de roda. Uma palavrinha e um piscar de olho, discretamente para os pais não o perceberem, pois então, não andávamos a brincar”, conta Constantina Silva.
Mas com os pais ali por perto, sentados a assistir ao baile, como conseguiam elas trocar recados?
“Éramos burras!? No jogo marcava-se o encontro baixinho para ninguém perceber, no caminho da fonte é que se dava o encontro”, esclarece Constantina.
E sobre estas idas à fonte também há muito para contar.
Irene Farinha interrompe para contar que um dia foi apanhada numa troca de recados e parece que não correu muito bem a ida para casa. “A minha mãe quando percebeu que estava a trocar um recadinho, só me fez sinal para ir para casa e até lá não tive frio, com uma vara, levei umas quantas”, relata com poucas saudades deste episódio.
Ida à fonte era uma estratégia
Constantina Silva adianta-nos que os jardins andavam bem regados naquela altura.“Quantas vezes despejava o cântaro e voltava, o jardim não tinha sede naquele tempo… era água com fartura!”. Era nestas idas à fonte que se davam muitos dos encontros que eram combinados durante os jogos de roda. “Olhe parecíamos o carreirão da formiga, em andamento depressinha…porque depois as senhoras mais velhas de vez em quando acusavam-nos e aí estávamos mal. Por isso, eram rápidos”.
Mas para percebermos melhor as histórias destas fontes, fomos conhecer uma das que ainda resistem em Agrochão. Caminhámos até lá, entre cantorias e risos. Fonte de Lama, assim é conhecida na aldeia. Muitas recordações que traz esta fonte a estas senhoras: “Eu namorei nas fontes todas”, diz uma das senhoras em tom de brincadeira.
Por aqui também se faziam umas travessuras pela altura do Carnaval e houve uma que ficou na memória. E porque no Carnaval ninguém leva a mal enfeitaram um burro, mas no meio da brincadeira, deitaram fogo ao burro. Para apagar o fogo surge a ideia de o atirarem à fonte. E não é que o animal acabou por morrer. Memórias das malandrices dos tempos antigos, que já lá vão.
Ana Pereira recorda outra história da fonte. “Era aqui debaixo de uma pedrinha que deixava uns recados ao moço”, conta. Mas parece que um dia o papel desapareceu e não houve encontros durante uns tempos, mas hoje o moço dos recados debaixo da pedra é marido de Ana Pereira.
Todas elas (Maria da Graça, Cesaltina Fernandes, Constantina Silva, Irene Farinha, Ana Pereira e Eliza Gomes) confessam que estas histórias de namoricos deram em casamentos que perduram no tempo e que são felizes.
Destaques
“No jogo de roda marcava-se o encontro baixinho para ninguém perceber, no caminho da fonte é que se dava o encontro”, conta Constantina.
“Era aqui debaixo de uma pedrinha que deixava uns recados ao moço”, recorda Ana Pereira.
Joana Gonçalves
in:jornalnordeste.com
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