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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Em Miranda do Douro a Páscoa é de comer e passear

Escolha qual é a sua bola doce favorita, mate as saudades do rico folar mirandês e, depois, vá lavar as vistas a São João das Arribas, onde o rio Douro é selvagem e poderoso. Nós experimentámos e recomendamos.
A Páscoa é do folar e do cabrito? É. Mas não só. A Páscoa é de salgados, mas também é de doces e nem sequer estamos a falar de amêndoas e ovos de chocolate. Bem-vindos a Miranda do Douro e à Festa da Bola Doce e Produtos da Terra. Lambuze-se e vá, depois, desgastar as calorias numa bela caminhada junto ao rio Douro. Agora que a Primavera está mesmo a fazer frente aos restos do Inverno que ainda têm soprado por aí, o planalto mirandês é um belo local onde passar o fim-de-semana.

É melhor apressar-se porque a festa está quase a terminar — acaba este sábado, mas só à noitinha, por isso ainda tem tempo. A vantagem de chegar apenas hoje a Miranda é que, se a sua perdição é mesmo a bola doce, já vai ter uma espécie de guia a ajudá-lo a decidir por onde começar a prova e compra desta iguaria, uma vez que o concurso para escolher as três melhores bolas doces estava marcado para ontem. Troque as voltas à refeição comida entre as delícias dos 25 produtores instalados no Largo do Castelo e comece, assim, pela sobremesa (e não se fique pela bola doce classificada em 1.º lugar, porque os gostos são relativos e quem sabe se a sua preferida até nem é outra?), deixando para o final os salgados. Porque o concurso para o melhor folar acontece hoje e sempre pode fazer de conta que faz parte do júri e tentar adivinhar qual sairá vencedor. Não será bem uma prova cega, como a que júri realiza, mas o que é que isso importa?

A Festa da Bola Doce e Produtos da Terra instalou-se em Miranda do Douro pela segunda vez, numa iniciativa conjunta da câmara municipal e da Associação Sabores de Miranda, com o objectivo de dar a conhecer este doce tradicional da região, que as duas entidades querem ver certificado. Ou não fosse ele um doce genuíno de Miranda, intrinsecamente ligado à Páscoa. As suas origens andam perdidas no tempo, mas em breves minutos encontramos duas explicações para a invenção desta iguaria local que mais não é do que cinco ou sete camadas finas de massa de pão intercalada com doses generosas de açúcar e canela. Na Aldeia Nova, a poucos quilómetros de Miranda do Douro, Luísa Granjo dá-nos a primeira versão: “Antigamente, toda a gente fazia pão em casa. Como não havia grandes posses para comprar doces, as famílias guardavam as sobras da massa do pão, estendiam-nas, faziam camadas e punham, entre cada uma delas, açúcar e canela”, diz. Da Câmara de Miranda do Douro, a vereador do Desenvolvimento Rural, Anabela Torrão, oferece outra perspectiva: “Há muitas dúvidas quanto à origem do doce, mas ele está muito associado à Páscoa e como, durante a Quaresma, há a tradição de não se comer carne [às sextas-feiras] julga-se que a bola pode ter sido inventada para substituir o folar, que leva várias carnes.”

Nascida da pobreza ou da imaginação dos mirandeses (ou, muito provavelmente, da combinação dos dois), a bola doce evoluiu, continua a guardar os seus segredos, e dificilmente será encontrada noutra região do país. Anabela Torrão diz que a iguaria não é tão simples de fazer como pode parecer à primeira vez, apontando como “o segredo” do seu sucesso “as camadas muito finas de massa, que, intercaladas com açúcar e canela, tornam o doce bastante húmido e suculento”. Luísa Granjo, por outro lado, explica que, também aqui, a tradição já não é exactamente o que era, e hoje há novas variações da bola doce, com a maçã e a noz a serem também adicionadas à confecção. “Mas as pessoas ainda continuam a procurar mais a tradicional”, acrescenta a vereadora.

O melhor é tirar a prova, na festa de hoje. E não seja tímido, não vale a pena ficar pela bola doce. Há-de haver por lá folares e enchidos, mel e compotas do planalto mirandês. O suficiente para ficar de barriga cheia e achar que, se calhar, já era altura de ir dar um passeio. Se não for de grandes caminhadas, pode ficar mesmo pela cidade, visitar a Sé e ver como está vestido o Menino Jesus da Cartolinha (figura mítica, que dizem ter levado à vitória dos mirandeses contra os invasores castelhanos de Miranda do Douro, no século XVIII). Espraie-se mais um pouco e desgaste as calorias ganhas com a bola doce e o folar numa caminhada no Parque Urbano do Rio Fresno, num percurso sempre ao longo do rio e sem nunca perder Miranda de vista. Mas se se sente um pouco mais aventureiro — e tem de sentir, porque isto é algo que não pode mesmo perder — lembre-se que está em pleno Parque Natural do Douro Internacional e que o rio, nesta região, oferece vistas absolutamente fabulosas. E não se assuste, porque pode deliciar-se com as escarpas rugosas e selvagens do Douro sem grande esforço.

Pode começar em Miranda do Douro, mas daí até à Aldeia Nova são quase sete quilómetros de caminho, pelo que, se tiver carro e não se sentir com vontade de caminhar tanto, comece na aldeia. Daí não será difícil encontrar a indicação para o miradouro de São João das Arribas, a cerca de um quilómetro da povoação.

O caminho faz-se sem grande esforço (é a descer, pelo que guarde alguma energia para o regresso) e não é preciso muito para que as arribas graníticas do Douro se comecem a anunciar em redor, ainda que o rio, por enquanto, continue escondido. Quando chega ao miradouro, contudo, já não há quem oculte o rio, a serpentear, lá em baixo, esverdeado neste início de Primavera, e guardado pelas altas escarpas de pedra, como muralhas protectoras. Do outro lado é Espanha, ali mesmo à mão de semear, pelo que não é difícil fechar os olhos e imaginar contrabandistas de outrora a fazer passar os seus produtos de uma margem para a outra, de um país para o outro. 

Porque é possível descer lá baixo, garante António Carlos Garcia, marido de Luísa. Não num dia de ventania bruta, como o que enfrentámos, mas quando o sol não está demasiado forte e o vento é só uma brisa. Aquelas encostas, que ele aponta à nossa frente, e por onde diz que já desceu, já foram cultivadas. E aqui onde estamos havia um castro, como atestam várias lápides encontradas no local, incluindo a de um militar romano, Emilius Balesus. Hoje, a capela com o ano de 1853 marcado no umbral da porta (mas que António Carlos garante ser muito mais antiga) é a construção mais visível no miradouro, ainda que a sua importância seja nula, perante a paisagem única que a envolve. 

Deixe-se ficar, descanse o quanto baste, inunde-se da beleza escarpada do Douro neste local e, se a caminhada lhe abriu o apetite, talvez seja hora de regressar a Miranda do Douro. Afinal, a festa só acaba às 22h30 e entre as propostas de animação religiosa e pagã (há pauliteiros, claro, como não podia deixar de ser) sempre há-de encontrar espaço no estômago para mais um pedaço de folar e uma fatia de bola doce. Não se sinta culpado. Amanhã ainda é domingo e sempre pode dar mais uma bela caminhada, em busca das paisagens encantadas do Douro.

Por: Patrícia Carvalho
Jornal Público

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