Em fim de férias, quando a maralha tuga serpenteia pelas autoestradas maravilha, tejadilhos pejados de malas e embrulhos, ocupando de forma displicente as faixas centrais, com o pára-brisas de trás tapado por roupa e sacaria, a RTP transmitiu a gala da versão do passatempo 7 Maravilhas, desta vez dedicado às aldeias do velho rectângulo.
O distrito de Bragança esteve representado na escolha final por Podence e Rio de Onor, depois de Montesinho ter perdido a corrida na penúltima fase. Naturalmente sabemos que concursos deste género são folhetins para entretenimento e festa. Mas, pelos vistos, os municípios de Bragança e de Macedo de Cavaleiros empenharam-se na iniciativa e terão considerado que, assim, cumpriam o desígnio de valorizar o que ainda resta de característico, mesmo de especial nestas terras.
No espectáculo final, em Piódão, não faltaram governantes, ministros e secretários de Estado, responsáveis por pastas importantes para o desenvolvimento de políticas que poderiam conduzir ao reequilíbrio do território e ao desenvolvimento de condições de vida para populações que têm sofrido os efeitos de décadas e décadas de políticas desastradas e irresponsáveis.
Estiveram, naturalmente, em fato de festa e ninguém os questionou sobre os problemas que as populações têm sentido, quase até à agonia, convivendo com o fim da esperança, envelhecendo sem retorno e esperando que filhos e netos não se esqueçam da terra para sempre.
Mas não perderam a oportunidade para, outra vez, arengar sobre, agora sim, atenção ao interior, acenando com a varinha mágica, que não produziu, até agora, festejadas ilusões porque a mestre de cerimónias, a ex-responsável pela Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior, se desiludiu ela própria e foi trabalhar a sério para os trópicos.
A secretária de Estado do Turismo recuperou mesmo a promessa de nos pôr no mapa, parafraseando Guterres em 1995, ou seja 22 anos depois, talvez acreditando que a nossa memória já se desvaneceu sem remissão.
Rio de Onor, Podence e Montesinho são três, entre centenas de aldeias deste terrunho, que expressam a angústia da proximidade dos dias do fim, apesar do ânimo das claques que deram cor ao programa televisivo. Basta lembrar que a vencedora (Rio de Onor) dispõe de um parque de campismo sem ocupação, apesar de ser famosa desde o tempo em que o antropólogo Jorge Dias ali realizou estudos notáveis sobre o comunitarismo, a variante dialectal, a arquitectura e a relação com a natureza.
Não estamos por este nordeste a evoluir num conto de fadas, nem nos devem confundir com a pequena Alice que palpitava com as maravilhas estonteantes, guiada pelo coelhinho branco, um criado obediente da rainha de copas. Nem estaremos para aturar as madurezas do gato, os subterfúgios e os sorrisos felinos, quase gargalhadas zombeteiras, perante o enlevo da rapariga.
A dureza da vida quase nos petrificou. Por isso, era tempo de vermos tidas em conta as ásperas realidades e percebermos que alguém estaria disponível para mudar de rumo, permitindo que as maravilhosas aldeias não se reduzam a memórias difusas num futuro que pode ser espantosamente doloroso.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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