André Rodrigues |
Nesta altura do ano, o verde do Parque Natural de Montesinho já dá lugar aos tons de Outono. Entre as cores da paisagem, não há marcas negras visíveis: a área protegida tem sido poupada a incêndios graves nos últimos anos. Um grupo de investigadores do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) quer, porém, tornar o combate aos incêndios no local ainda mais eficaz e tem a tecnologia como grande aliado.
Em vários pontos do Parque de Montesinho — e também na serra da Nogueira, outra área protegida do concelho de Bragança, que faz parte da rede Natura 2000 — vão ser instalados sensores, sensivelmente com o tamanho de um telemóvel, que vão transmitir dados para uma central de comunicações, no IPB, que estará ligada aos bombeiros e à Protecção Civil.
“As novas ignições serão detectadas precocemente e os meios de combate mobilizados mais cedo, tornando o processo mais eficaz”, conta José Lima, investigador do Centro de Investigação em Digitalização e Inteligência Robótica, criado este ano, que coordena este projecto.
Antes da instalação dos sensores, o Centro de Investigação da Montanha do IPB vai fazer uma caracterização de cada uma das áreas em que o sistema será implementado, permitindo aos investigadores perceber onde colocar cada um desses dispositivos e também eleger os mais eficazes: sensores térmicos, de fumo ou infravermelhos, por exemplo.
A necessidade do projecto parte da constatação de que “existem lacunas na vigilância da floresta”, segundo José Lima. Não só porque esta é amplamente baseada no olho humano, em torres de vigilância e raramente há suporte tecnológico na detecção de novos incêndios, mas também porque sistemas de comunicação usados têm apresentado falhas. Por isso, o projecto que será desenvolvido em Bragança será “autónomo dos sistemas actuais”, sejam a rede de telemóvel ou sistemas com o SIRESP. Em alternativa, será usada uma rede LoRaWAN, tecnologia de comunicação de dados sem fios que permite transmissões a longas distâncias.
O projecto chama-se SAFe — Sistema de Alerta Florestal. Além dos dois centros de investigação do IPB, conta também com a participação do INESC Tec, sediado no Porto. Vai ser concretizado ao longo dos próximos três anos e vai receber quase cem mil euros da Fundação La Caixa, no âmbito da primeira edição do Programa Promove — Dinamização de Regiões Fronteiriças. Há outros quatro premiados entre os 30 concorrentes, todos de zonas do interior do país.O investimento é “relativamente barato”, diz Lima. E a ideia dos investigadores foi precisamente desenvolver “um sistema de baixo custo que pudesse ser implementado e replicado em diversas zonas da floresta”. O que será necessário, noutros locais do país, é fazer também uma caracterização da floresta antes da aplicação do sistema tal como será feito no arranque deste projecto no Montesinho e na serra da Nogueira.
A intenção do Promove, o programa da Fundação La Caixa que vai financiar esta iniciativa, era precisamente “ter projectos com impacto na região e que fossem replicáveis noutras partes do país”, explica Artur Santos Silva, curador da fundação criada pelo banco espanhol, que comprou o BPI. A escolha teve em conta esse factor bem como a sua “qualidade, racionalidade e sustentabilidade”.
Realidade virtual
As iniciativas apoiadas por este programa podiam ter um orçamento até cem mil euros. Os cinco escolhidos recebem entre 50 e 99 mil euros e têm três anos para executar as propostas. O investimento total é de 407 mil euros. Podiam candidatar-se instituições de regiões consideradas menos desenvolvidas do Nordeste e Este fronteiriço do país, que compreendem o distrito de Bragança, a Beira interior e uma parte do Alentejo. A escolha foi feita pela Fundação La Caixa “em diálogo com o Governo”, de acordo com Santos Silva. A intenção é reforçar a interacção nas zonas fronteiriças entre instituições espanholas e portuguesas.
Há um outro projecto a ser concretizado em Bragança entre os escolhidos e uma das suas componentes prende-se com a cooperação transfronteiriça. O Centro de Ciência Viva (CCV) da cidade chamou a Estação Biológica Internacional, sediada em Miranda do Douro, e com actuações dos dois lados da fronteira, para desenvolver uma visita virtual ao Douro internacional que os visitantes vão poder experimentar através de óculos de realidade virtual.
Esse será um dos quatro novos módulos da exposição do CCV de Bragança que o projecto apoiado pela Fundação La Caixa vai permitir desenvolver. Não é, porém, aquele que mais entusiasma Isaura Fachada, a directora daquele espaço. Isso nota-se pela forma como fala do projecto que vai permitir transformar a Casa da Seda, um dos edifícios do centro de ciência, num espaço auto-sustentável do ponto de vista energético.
Ivone Fachada, do Centro Ciência Viva de Bragança - André Rodrigues |
O edifício vai ser alimentado por uma pico-hídrica e um moinho de água, que vão aproveitar as águas do rio Fervença, que corre mesmo junto ao CCV, para produzir energia, fruto de um projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia que está na sua fase final de implementação.
O apoio da fundação surge “em complemento” deste projecto. Todo o sistema de produção de energia vai poder ser monitorizado e até parcialmente controlado pelos visitantes do CCV. “As pessoas vão poder perceber o impacto que tem na energia produzida a sua decisão de aumentar ou diminuir o caudal que entra no sistema”, ilustra Isaura Fachada.
O CCV vai também instalar sensores — de temperatura, ph e outros indicadores da qualidade da água — num troço do rio Fervença. A informação gerada vai também poder ser vista num ecrã acessível a todos os visitantes do CCV, dentro de dois a três anos. Este sistema de sensores também inclui um sistema de armazenamento de dados e métodos de Big Data para processar e visualizar diferentes parâmetros e contribuir para a melhoria das condições do rio.
O quarto módulo no Natureza Virtual será um “timelapse” (fotografias alinhadas que criam um vídeo que permite perceber a passagem do tempo) de um ano na vida do Parque Natural do Montesinho, que será possível ver num ecrã gigante no Centro de Ciência Viva.
Esta é a primeira edição do programa Promove. A fundação promete realizar “pelo menos mais duas edições”, de acordo com Artur Santos Silva. O concurso do próximo ano levará em conta esta primeira experiência e os contributos de empresários e responsáveis das instituições de ensino superior das regiões envolvidas, bem como de especialistas em desenvolvimento regional.
Uma casa para viver e terreno para cultivar
Uma casa, sete hectares de terreno de cultivo e formação para o trabalho agrícola. É o que a Associação de Apoio à Inclusão de Imigrantes e Refugiados Aiir, na Guarda, pretende oferecer a quatro famílias de refugiados que queiram viver em Portugal. O projecto é um dos cinco apoiados pelo programa Promove, da Fundação La Caixa, e vai começar a ser concretizado a partir do próximo ano. As quatro famílias refugiadas serão acolhidas na freguesia de Ima, no concelho da Guarda. A aldeia, situada a cerca de 15 quilómetros da sede do concelho, tem apenas 25 habitantes, maioritariamente idosos.
“A existência de terrenos aptos para cultivo, uma mão-de-obra rural muito envelhecida, bem como uma comunidade aberta ao rejuvenescimento do tecido social”, foram os factores apontados pela Aiir na candidatura ao programa Promove, que agora foi reconhecida.
O financiamento da Fundação La Caixa vai possibilitar a reabilitação de quatro casas naquela área rural para habitação das quatro famílias. Os terrenos que poderão ser cultivados pelos refugiados foram cedidos pelos seus actuais proprietários.
Além deste e dos dois projectos apoiados em Bragança, o programa Promove vai ainda apoiar iniciativas em Elvas e Proença-a-Nova. Na cidade alentejana vai ser testada uma tecnologia de poupança de água, desenvolvida pelo Instituto Politécnico de Portalegre. O seu aspecto mais visível será uma aplicação para telemóvel móvel capaz de determinar em tempo real as dotações máximas de irrigação para diferentes culturas. A intenção é contribuir para uma redução do consumo de água na agricultura e servir como suporte para a decisão sobre a selecção das melhores culturas para cada território.
O IPP estima que seja possível reduzir, em três anos, o consumo de água na agricultura entre 20% e 30% com base nas informações disponibilizadas por esta aplicação. Este projecto tem ainda um carácter formativo, uma vez que os resultados obtidos vão ser usados para campanhas de informação do público em geral, sobretudo dos jovens, sobre a poupança de água.
Em Proença-a-Nova, é o Centro de Ciência Viva que promove a iniciativa apoiada por este programa, tal como acontece em Bragança. Chama-se “Monitorizar para decidir e valorizar” e prevê o desenvolvimento e implementação de um novo módulo expositivo interactivo na exposição permanente do Centro de Ciência, que analisa informações sobre ocupação do solo, um inventário florestal e de precipitação em tempo real e análise de anomalias ambientais, utilizando dados de satélite.
Samuel Silva
Jornal Público
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