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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - ANTÓNIO PEREIRA (TORRE DE MONCORVO, 1605 – COIMBRA, 1652)

Tosquia de Ovelhas em Moncorvo
Nasceu em Torre de Moncorvo, pelo ano de 1605, no seio de uma família de mercadores e rendeiros. O pai, Domingos Pereira, era de Chacim e a mãe, Maria Álvares, de Torre de Moncorvo. Esta tinha vários irmãos e outros parentes a morar em Castela. E em Castela também, encomendado na igreja de S. Martinho de Tormes, vivia um tio paterno do nosso biografado, o padre Cristóvão Pereira, facto que não deve estranhar-se, antes era frequente em famílias cristãs-novas de algum prestígio.

Porque os dois reinos ibéricos se encontravam unidos sob o trono dos Filipes e as comunicações eram fáceis, António Pereira contava pouco mais de 15 anos e já se adiantava por terras de Castela a mercadejar, conforme testemunho de Francisco Fernandes, de Miranda do Douro, em 1642:

— Disse que haverá 21 anos, indo com António Pereira (…) de Medina del Campo para Salamanca…(1)

A restauração da independência em 1640 e a guerra que seguiu vieram cortar muitas das rotas comerciais de Trás-os-Montes com Castela. António Pereira, no entanto, era já um homem de cabedal, o que lhe permitia apresentar-se a concursos para arrematação de cobrança de rendas. Assim o encontramos como rendeiro dos “Votos de Braga” em terras de Monforte de Rio Livre nos anos de 1640 a 1646 que arrematou na mesa capitular da sé de Braga por 85 mil réis / ano.(2) E também como rendeiro da comenda de Santa Maria, de Bornes, da Ordem de Cristo, arrematada por 380 mil réis /ano e das rendas que a condessa de Faro tinha em Morais, atual termo de Macedo de Cavaleiros.

Pelo S. João de 1641, a inquisição lançou uma operação de limpeza da heresia judaica em Torre de Moncorvo, operação que, ao longo de uma década, levaria para as cadeias mais de 40 pessoas e destruiria a poderosa “nação hebreia” da vila. Os primeiros a ser presos foram os seus vizinhos Manuel Henriques Pereira, a mulher e a sogra, possivelmente a gente mais endinheirada de entre os da “nação”. Coincidiram tais prisões com a ida de António Pereira para Morais, a cobrar as rendas que ali tinha. Os esbirros da inquisição logo disseram que ele ia fugir para Castela e, passando pela vila de Castro Vicente, o capitão-mor do concelho, Manuel de Aragão, aprendeu-lhe as cavalgaduras, para impedir a suposta fuga. A propósito, veja-se a denúncia feita pelo familiar do santo ofício Francisco Gouveia Pinto, o homem que conduziu António Pereira para a inquisição de Coimbra:

— Disse que, fazendo-se prisões em Sambade e Chacim, o dito António Pereira e sua mulher, vendo que algumas pessoas de Sambade e Chacim suas parentes que vinham presas, ausentaram-se da Torre de Moncorvo para Castela junto a Lagoa de Morais e aí as justiças os embaraçaram…

Interessante a resposta dada pelo réu aos inquisidores que o confrontaram:

— Disse que no tempo que se fizeram algumas prisões em Moncorvo, que segundo sua lembrança foi entre o dia de S. João e o de S. Pedro do ano de 1641, junto às casas dele réu, que ficavam em meio das casas das pessoas que se prenderam, e as casas deles ficavam desertas, e por assim estarem desertas, ele réu se não quis sair delas e sempre no dito tempo nelas assistiu, assim por guarda de sua fazenda como também de sua honra; sendo assim que tinha forçosa necessidade de ir, no dito tempo, a Morais, termo de Bragança, acudir às coisas necessárias à renda que tinha…

As casas ficavam desertas… Sim, o processo de António Pereira é muito interessante a este respeito. Pelas informações nele contidas, podemos povoar a Rua dos Sapateiros que era essencialmente ocupada por gente da nação. O licenciado João Góis era um dos raros cristãos-velhos moradores na Rua e sempre atento ao movimento da mesma. Ele e a ama de seus filhos, Úrsula da Silva, que lhe clamou a atenção para a festa que os cristãos-novos faziam, (celebrando o Kipur?) em casa de Gaspar Cardoso, onde muitos se juntaram e “na véspera antecedente mandaram da dita casa presentes como farinha em alqueires, cestas com grãos, peixe frito e cru, cestas com ovos e azeite a muitas pessoas pobres da nação, somente”.

Tudo isso foi João Góis contar ao vigário-geral da comarca, comissário da inquisição, Paulo Castelino de Freitas, acrescentando:

— Reparando ele na festa que a dita ama lhe tinha dito, pelo tempo que foi seria 1639, 7 de outubro, sentiu que se varriam algumas casas da gente da nação e suspeitou ser a dita festa, porquanto viu levar a casa de Maria da Silva, meia cristã-nova, mulher de Domingos Fernandes de Miranda, cristão-novo inteiro, louça, tachos e candeeiros em canastras a lavar-se para terem naquele tempo serviço da casa limpo. E uma mulher a quem chamam Andali, levava a lavar de casas de Manuel Nunes também o mesmo serviço. E no mesmo dia viu varrer a mulher de António Rodrigues Pinto a casa em que vive, defronte dele testemunha e a vira de tarde enfeitada de cara e cabeça com um mantéu de cochinilha que antes não costumava trazer (…) E logo ele testemunha saiu de sua casa e vindo rua arriba de S. Bartolomeu até à praça vira a loja do dito António Rodrigues varrida, da casa de cima, vira também varridas de fresco as lojas de umas moças cristãs-novas filhas da Gança e o portal da casa de Manuel Nunes e das filhas de Duarte Rodrigues, cristão-novo e da dita Maria da Silva. E também estava varrida a porta de António Pereira, o moço, e a de Francisca Vaz e de sua filha Filipa Henriques, todos cristãos-novos.

Logicamente que António Pereira se defendeu desta acusação dizendo que João Góis era seu inimigo e até tinha batido em um seu filho. Da sua argumentação depreende-se que entre eles existia alguma rivalidade política. Vejam:

— Sendo dado em confiança a ele réu, estando o dito licenciado na cadeia, para sair para ver umas festas de que era administrador, ele réu o fez tornar ao depois para a cadeia e sobre isso tiveram muitas dúvidas…

Porém, o seu maior inimigo era o familiar da inquisição Francisco Gouveia Pinto, que, em tempos, servindo no cargo de alcaide, lhe tomou um macho para, em jeito de requisição, para ir a Lisboa, muito embora António Pereira argumentasse que os cristãos-novos de Moncorvo tinham uma sentença do desembargo do Paço impedindo que lhe tomassem as bestas, recorrendo de tal prepotência para a Relação do Porto. E acrescentou a contradita seguinte sobre o mesmo familiar do santo ofício, a quem puseram a alcunha de “perna calaceira”:

— É homem de má consciência e se diz publicamente que andou publicamente induzindo testemunhas para jurarem contra ele, para efeito de lhe tomar culpa e o fazer prender; e que o mesmo é homem pobre, sem fazenda nem ofício e se sustenta do alheio, que pede e alcança por indústrias de que usa.

Impossível analisar o processo de António Pereira no curto espaço de um artigo de jornal. Diremos que ele foi preso em 21.11.1647 e saiu queimado na fogueira do auto-da-fé celebrado em 14.4.1652.

Nessa altura já a Rua dos Sapateiros estaria completamente despovoada da “gente da nação” a crer na informação que em 21 de fevereiro desse ano mandava para a inquisição de Coimbra o comissário Pedro Saraiva de Vasconcelos:

— Os cristãos-novos desta vila se fugiram todos para Castela e só ficaram 3 casas que também farão o mesmo, porém dizem que alguns estão escondidos em Vila Flor, que é a sua cidade de refúgio, com intenção de passarem a Castela.

Notas:

1 - Inq. Coimbra, pº 8786, de António Pereira.

2 - Quando o prenderam, tinha ele em uma tulha na aldeia de Tinhela 300 alqueires de centeio, de rendas recebidas, e deviam-lhe mais de 1096 alqueires assim distribuídos pelas terras de Monforte Rio Livre: na Aguieira, 180 alqueires; em Tinhela, 126; Oucidres, 130; Bobadela, 80; Vilar Seco, 44; Bouçoães, 116; Vilartão, 80; Tronco, 160; Águas Frias, 80; “no lugar de Monforte ainda lhe devem o que se costuma pagar”.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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