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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

PASSA-CULPAS

A propósito do tempo ameno anómalo para a época, se nos lembrarmos da frialdade dos antigos invernos transmontanos, alguém observava “Oh, eu não me importo nada, não gosto de frio!”. Contestei que essa era apenas uma parte da questão, que o aumento das temperaturas mexe com muita coisa e traz consequências danosas que de resto já estão a acontecer. “Ah, mas a poluição são as fábricas, eu até desligo sempre as luzes lá em casa!”. Foi a cândida resposta. A pessoa e o momento passaram, e já para os meus botões senti pena de alguém que não sabe somar dois e dois. E de nós todos.

Porque é fácil assumir que o capitalismo, a alta finança e a banca, encostados às indústrias nacionais e multinacionais, têm uma visão predatória dos recursos e olham para o meio natural com cobiça indisfarçável. Mas somar dois e dois é compreender que as fábricas fabricam o que consumimos, e só o fabricam na medida em que o consumirmos. O grande capital também é feito por cada pessoa singular. Ninguém de bom senso defenderia que se abdicasse de bens essenciais ou recusasse a cada um as condições materiais em que assenta uma vida digna, mesmo não sendo pacífico estabelecer limites para o que é essencial ou digno. No entanto hoje o consumo já pouco tem a ver com a satisfação de necessidades propriamente ditas. Para uma parte considerável da humanidade consumir tornou-se um vício, com o qual obviamente há quem se farte de ganhar dinheiro e com o qual obviamente o planeta sofre.

De forma que desconvencer as pessoas a mudar estilos e hábitos de vida baseados no consumo estouvado para evitar o colapso vai ser o cabo dos trabalhos. Não há como evitar o pessimismo quanto a isso. Até porque, enquanto os alarmes soam há bastante tempo em toda a parte, todos os pretextos são bons para continuar a induzir a dependência. Basta ver que as festas religiosas tradicionais já quase só têm essa função. E como de uma perspetiva consumista elas não são assim tantas, toca de inventar datas comemorativas disto e daquilo, tais como dias de namorados, halloweens e outras palermices. Aliás o nome que se lhes possa dar não interessa nada, pois como a sua única função é vender uma panóplia de pantomimas, acontece que todas elas acabam por se parecer bastante com o carnaval. E a coisa não parece querer abrandar, pelo contrário: uma boa jogada do ponto de vista do negócio é que as marcas, a pensar na formação precoce de futuros consumidores e na sua fidelização, como eles dizem, tenham começado a publicitar nas escolas.

É claro que também há muita gente a preocupar-se com os atropelos, a negação, a indiferença, a questionar os conceitos de crescimento e desenvolvimento e a sua ligação automática a obras de engenharia ou a duvidar que a qualidade de vida, a realização e a felicidade se traduzam fatalmente em comprar coisas. Mas o que impera é ainda uma alegre inconsciência, a que se vem juntar demasiadas vezes uma cultura infantilizante, uma cultura que nos incutiu desde pequenos a tendência para nos vermos em variadíssimas circunstâncias como meras vítimas da realidade exterior, esquecendo que em muitas delas somos igualmente os atores que a produzimos.

Isto para dizer que sem querer diminuir a importância de manifestações públicas que se erguem contra as inúmeras apoquentações da vida, algumas me parecem francamente burlescas: faz tanto sentido uma multidão vociferar em plena rua imprecações contra a violência doméstica como declarar a sua embirração com o vírus do ébola. Como se uma entidade alheia a nós criasse os males do mundo e fosse necessário derrubá-la qual déspota malvado. Há dias, embrulhado em mantas, assisti a uma que bramia a plenos pulmões contra as alterações climáticas e às tantas dei comigo a fazer contas à energia que se teria poupado, logo ao CO2 a que se pouparia a atmosfera, caso aquela gente se tivesse lembrado de fazer como eu, ou seja, nada.

Culpar umas tantas entidades quase sem rosto pelo que nos atinge é contraproducente em muitas circunstâncias e degolar bodes expiatórios pela emissão de gases de estufa ainda mais. Não são precisas grandes cogitações para deduzir que cada um de nós é um fragmento do problema. Assim sendo cabe-nos ser peças da solução, bastando para tanto que comecemos por recusar consumos supérfluos, excessos, desperdícios, para não ir mais longe.



Eduardo Pires
in:jornalnordeste.com

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