(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Mais ou menos no lugar onde se encontra hoje o monumento com o busto de Sá Carneiro, no começo da avenida homónima havia um pedaço de caminho largo que flanqueava a Cortinha da Albininha Guerra, à esquerda e a linha do Caminho-de-ferro à direita. Fora aberto quando da construção do Palácio das Corporações e Previdência que fechou a Praça Prof. Cavaleiro de Ferreira.
Estão assim sumariamente indicadas as coordenadas do lugar onde no mês de Agosto se montava a infra estrutura que como um escaparate gigante nos oferecia tudo o que a nossa imaginação poderia assimilar e o nosso querer era capaz de usufruir. Uma pista de carrinhos eléctricos, que brilhavam acetinados pelas luzes feéricas que nos faziam sentir num mundo de sol ainda que fosse já noite, um carrocel ao qual nomearam 8 de maio que diziam ter vindo de Braga exclusivamente para nosso contentamento e que tinha uma selva de animais que com assentos no dorso para nos transportarem nas suas garupas luzentes ao país da fantasia, uma grande torre de ferro e painéis retratando cenas de aventuras que tinha no topo presas a uma roda cardada cadeias de ferro que sustentavam um cadeiral com protecção lateral e um dispositivo que à frente fora concebido para impedir que a força centrípeta nos projectasse pelos ares.
Eram as chamadas cadeirinhas que a mim particularmente me fascinavam e me faziam pensar nos perigos de um voo cuja aterragem se fizesse sem a dita protecção frontal.
Estes três "monstros” ocupavam a parte sul-poente da Praça que distava uns cinquenta metros de minha casa. Em frente às Corporações e Previdência estava o Poço da Morte, que consistia sumariamente num grandioso cilindro feito de madeira polida onde um motociclista a quem chamavam Nelson montado na sua mota fabulosa de escape aberto para impressionar, fazia cerca de cinco minutos de círculos nas paredes interiores do cilindro a uma velocidade estonteante que vencendo a gravidade nos maravilhava com a sua bravura e perícia. Do outro lado da Praça estava o Palácio dos Espelhos Mágicos. Consistia em uma grande tenda de lona que continha estrategicamente colocados espelhos côncavos e convexos que transformavam a imagem reflectida em figuras as mais diversas que cobriam um espectro que ia do elegante ao bisonho, do agradável ao grotesco e que intrigava alguns e fazia perorar outros que se perdiam em especulações de trigonometria e efeitos reflexos que nem eles nem ninguém entendia.
Depois havia uma miríade de outros entretenimentos que iam da admiração ao feito de uma cabrinha que conseguia subir a uma torre de madeira que no topo tinha uma garrafa de vidro de 0,75cl colocada na vertical onde ela conseguia subir e ficar com as quatro patas no fundo da garrafa imóvel e de cabeça levantada mostrando à humanidade as suas capacidades alpínicas. Um cabo de aço preso a dois postes de ferro cada um em seu extremo da Praça servia de "arame" a um par de aramistas que a quarenta metros do solo, mostravam as suas capacidades de equilíbrio fazendo uma parte do espectáculo sem a protecção da rede, arrepiando e deslumbrando quem tinha a coragem de ver aquilo de fio a pavio. Depois, como guarnição que enfeitasse um prato de iguarias, numa mostra de culinária, havia barracas com as roletas que anunciavam a incerta possibilidade de se ganhar um conjunto de panelas em alumínio ou outros interessantes auxiliares de cozinha ou simples enredos ou bonecas para as crianças que faziam as delícias de mamãs e papás.
Era a roleta da sorte ou o ratinho que fascinava a todos numa toada gongórica de linguagem que sabiamente incitava ao jogo na ilusão de ganhar uma panelas novas para alindar a "espeteira”. Complementando todo o quadro vertiginoso quando em plena atividade anunciavam-se farturas olorosas e deliciosas, amendoins torrados com açúcar (Manin, manisero, se vá...),e açúcar centrifugado que se transmutava em algodão em rama.
Esta era a parte de sonho e fantasia das minhas Festas da Cidade. A ornamentação que era a obra de arte, que alterava a percepção do edificado e o seu sentido lógico, esse era mais entendível, pois era estático e continha apenas o binómio que se pode descrever por perceção com luz do dia ou com luz artificial de noite. Diverso, mas ainda assim, complementar.
As minhas recordações das Festas da Cidade e depois de as haver sumariamente descrito nestes dois textos que vos ofereço, transportam-me para um momento de recordação e reflexão instintiva.
Há anos na primeira vez que visitei a minha filha mais nova que vive em Las Vegas, chegado ao coração da Strip e sem me manifestar, a única comparação que consegui estabelecer foi, "Strip / Festas da Cidade. Limitação intelectual e comparativa? Talvez! A verdade é que os meus pontos de referência são os que aprendi quando aprendi a ser homem.
Gaia, 09 agosto 2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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