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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 11 de agosto de 2019

Uma Certa Lisboa

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Como bom transmontano demandamos a Lisboa nesta fugaz ritualidade de cumprir as tarefas de reunião com o carácter de urgência e sempre com uma certa ansiedade que o regresso ao trabalho do quotidiano já não demora.
Em Lisboa vive-se muito bem, em apartamentos recuperados em velhos edifícios ainda com memórias pombalinas.
Em Lisboa vive-se muito mal em becos sórdidos, ou no aconchego de pátios escuros adornados com jornais que meigamente recebem os sem abrigo.
Das janelas amplas, cheias de Lisboa, lá está a cidade desenhada a esquadro, régua e compasso na previsibilidade do homem que em 1755 mandou enterrar os mortos e cuidar dos vivos, depois do medonho terramoto que reduziu a escombros a velha Lisboa até ao Campo de Ourique.
A Baixa lisboeta é um mundo cosmopolita, a grande montra onde deslizam as múltiplas etnias. Os negros reúnem-se nos Restauradores, acampam, telefonam, falam num português negro, na grande alteridade das culturas sem fronteiras.
As esplanadas animam-se, come-se marisco com sabor a descobrimentos, a mar e ao anonimato de gentes de todo o mundo que passam como se não passassem e vão não se sabe para onde.
Os mendigos descobriram novas estratégias, na antiquíssima arte de pedir e aplicam técnicas de marketing que apostam na emoção e na novidade para atingir difíceis objectivos, numa concorrência desmesurada nas ruas de Lisboa. Assim, uma mulher andrajosa estendia a mão enquanto uma criança magríssima dormia no desconforto do colo. Os transeuntes olhavam com piedosa censura e recusavam a esmola que tardava para a mulher habituada à indiferença da humanidade. Mais além, um rapaz com longos cabelos e um ar de abandono de quem possuiu o tempo todo do mundo, amestrou um pequeno cão que levantava na pata uma lata, onde os transeuntes embevecidos iam depositando moedas, para gáudio e conforto do rapaz que descobriu que um cão obediente vale mais do que uma criança faminta que dorme no colo duma mãe velha e doente.
Mas Lisboa é assim, grande em tudo, no luxo, na riqueza, no Poder, na beleza, mas também no bizarro, no insólito e na pobreza.
No Hospital de São José passa Lisboa doente, numa infinidade de doenças. Os ciganos acampam no parque hospitalar à espera de um familiar operado há vários dias. Os mendigos querem ser internados na esperança de sopa quente e cama lavada. O “Troca a nota” é o homem Lisboeta típico que vive de expedientes, prometendo apoio às vizinhas que esperam na Urgência. Uma mulher suada, de telemóvel em riste, telefona à filha: - O “Troca a nota” diz que fica comigo em casa se o teu pai ficar internado. Tu que achas?
E ria, num rir de delírio, enquanto o seu homem se debatia nos cuidados intensivos entre a vida e a morte.
Lisboa tem muita gente. Muita gente culta, muita gente atenta ao País e ao Mundo e muita gente que se perdeu na vida e nos afectos e sobrevive nos subúrbios da grande cidade.
Lisboa acentua as contradições do povoamento, pois, enquanto a Capital tem gente a mais, o Interior morre paulatinamente na grande diáspora e envelhecimento das suas gentes.
Mas hoje, o povoamento não se faz por decreto, do tipo lei das Sesmarias, promulgado em Portugal durante o reinado de D. Fernando I com a finalidade de fixar as populações rurais nas suas regiões de origem.
Hoje, o povoamento faz-se pelo aproveitamento e descriminação positiva das Regiões mais desfavorecidas, como recentemente fez o Governo, apoiando as empresas que se fixem no Interior. Hoje, o povoamento faz-se pelo apoio e incentivo à imigração selectiva e de qualidade que seja uma mais valia para a Região e para o País. 
O eterno retorno da filosofia Grega leva-nos aos antiquíssimos Castros que morreram por falta de habitantes, dizimados por conflitos étnicos e pestes que espalharam a morte e o terror. Das ruínas dos Castros nasceram as aldeias…Trás-os-Montes povoou-se e despovoou-se vezes sem fim…resistindo sempre à fome…à guerra e à peste com auxílio dos Santos e da bravura dos homens e mulheres deste reino maravilhoso.
Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta cumprir-se Portugal…diz-nos Pessoa.
Portugal está a cumprir-se na abertura à Europa e ao Mundo…Trás-os-Montes há-de cumprir-se na tranquilidade e na valentia das suas gentes que sabem que o futuro e já hoje e a Região se vai cumprir no sucesso e no renascer para os novos tempos europeus.


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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