Não matarás é umas das proclamações marcantes no sinuoso percurso da humanidade, atribuída ao Deus único mas por consumar, apesar dos milénios que não lhe silenciaram os ecos, apesar dos ouvidos moucos de gerações sucessivas.
A guerra continua a ser um motor do devir, como o sol de cada dia, instalando uma rotina de morte que se entranha e parece fazer falta para que o tempo corra carregado de novidades tecnológicas, económicas e politicas.
Esta realidade tenebrosa, legitimada por diversas ideologias que se reclamam, à vez, expressões do bem absoluto que há-de erradicar o mal até à raiz, não contribui para fazer o caminho de recusa da aniquilação dos que cumprem o destino de partilhar a passagem por este mundo.
Não é possível iludir que a condição humana também é condição animal, com tudo o que comporta de instinto e bestialidade, que terão livre curso se não houver uma sociedade integradora, promotora de princípios e valores, expressões do que vagamente entendemos como fraternidade e solidariedade. Se mesmo quando as há, não temos garantia de eliminação das propensões assassinas, interrogamo-nos sobre os efeitos nefastos de modelos sociais onde as armas povoam o quotidiano, em convívio espúrio com os talheres, os telemóveis e os óculos de sol.
O exemplo americano, talvez o mais visível mas não o único, de multiplicação de assassinatos em massa, resultantes de caprichos, disfunções, distorções de carácter, talvez de bestialidade pura e dura, não denota tendência para estancar. Pelo contrário, como disse uma responsável política local, neste ano de 2019, os ataques a tiro massivos em locais públicos já ultrapassam a média de um por dia.
O problema tenderá a agravar-se. Pior, vai dando mostras de alastrar à Europa das grandes conquistas de dignidade humana, como gostamos de nos entender. Já nos bastava a guerra que nos trazem à porta os fanáticos islâmicos, a anunciar um reverso da medalha, que pode originar, mais cedo ou mais tarde, banhos de sangue, com requintes de malvadez como já não esperávamos ser possível, porque temos memória curta e tapamos o medo com fantasias vaporosas que rapidamente serão reduzidas a trapos inúteis.
Também inquietante é a observação da realidade próxima, que nos coloca perante debilidades do sistema político, especialmente se tivermos em conta os fracos resultados dos sistemas educativos na formação de cidadãos livres mas responsáveis, autónomos mas solidários, dignos de direitos mas que se obrigam aos deveres que a vida em comunidade impõe.
Na realidade vive-se um ambiente despudorado, como se a sociedade se confundisse com o curral ou a pocilga roncante.
Já era tempo de não dar espaço a energúmenos que uivam à volta dos futebóis e de não sermos obrigados a aturar egos inflados, que se permitem desrespeitar as regras e os direitos dos outros, na rua, na estrada, nos supermercados, nos serviços públicos, com a desfaçatez características dos irracionais, a que associam uma prosápia que se costumava ouvir, há mais de meio século, aos vigaristas e chulos que acampavam nas baixas das grandes cidades, indicador paradoxal do elevador social que nos coube nestes anos do século XXI.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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