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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A Colónia de Férias

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
 
Passou o dia 08/09 deste ano que traz no sopro das brisas e dos ventos, a peste que nos condiciona.
É passado o dia que deveríamos "guardar " para glorificarmos a Santa Mãe de Deus e cumprirmos assim com a tradição que nos meus tempos de menino era o anúncio do fim das festas de Verão que normalmente nos preparavam gradualmente para a vinda do Inverno que se pressentia através das manhãs mais tardias do Outono. Recordo hoje, que nos fins de Junho começavam nos intervalos das classes de Catecismo, que eram ministradas no espaço de um corredor largo no piso superior da Igreja da Sé, com janelas para o Claustro, a ouvirem-se referências à Colónia de Férias.
Só mesmo quem participou neste ato de retiro coletivo poderá interpretá-lo como sendo uma colónia de férias, sendo que a intenção de quem punha de pé tal projeto era voluntariamente genuína e mobilizava gente bastante que hoje, estou certo, não seria possível convencer. 
Era uma ideia do Senhor Cónego Ruivo, que nesse tempo paroquiava com toda a serenidade e desassombro a Paróquia da Sé. Secundado pelas muitas Catequistas que nesse tempo ensinaram os rudimentos da Doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana, às dezenas de rapazes e raparigas da Cidade.
O lado contabilístico ou financeiro, se quiserem, era da responsabilidade da obra de S. Vicente de Paula, da qual provinham os meios que a D. Inacinha e um grupo alargado de outras Senhoras punha ao dispor da Paróquia que nos levava para a Serra de Nogueira pelo espaço de duas semanas, em regime de tempo completo, onde desde de manhãzinha aos pregos da noite, rezávamos e comíamos, bem assim como dormíamos, num arremedo de tropa que defendesse um baluarte.
Ainda hoje recordo a azáfama que tinha lugar quando a camioneta de caixa aberta do Marcolino Moreno se apresentava na Sé para carregar os colchões.
Nunca fui capaz de saber quantos éramos, mas sei que éramos muitos, talvez uns cinquenta/sessenta rapazes e outras tantas raparigas, mas sinceramente é apenas certo que éramos mais que os de Gôa, como dizia o meu pai. Após a carga dos colchões e dos apetrechos de cozinha e uma infinidade de outras coisas, onde não faltava uma bola para os rapazes e um "ring" para as raparigas, éramos nós embarcados na Carreira dos Bicheiros e transportados Serra acima até chegarmos ao topo onde depois das camas feitas e com os lugares de cada um designados nos punham à mesa e nos serviam refeições que eu recordo com prazer por ter consciência que foi na Serra que comi, talvez das mais saborosas refeições da minha vida.
A vida depois de alojados nos quartéis que não possuíam qualquer luxo mas que eram suficientemente confortáveis para nós, crianças, mas não reuniam, estou certo as necessárias facilidades para as muitas catequistas que nos acompanhavam e que nesse tempo eram moças e estoicamente ali permaneciam connosco quási duas semanas, numa entrega à missão que me apraz enaltecer. O Senhor Cónego poucas vezes dormia lá, pois como rezava missa na Sé às 07:00 vinha ficar à cidade regressando logo que podia.
Era a cozinheira a Senhora Constança avó do Rui da Gráfica que repito, fazia uns cozinhados que supriam todas as necessidades que os ares da serra nos ocasionavam, pois o dia começava cedo com a ida de todos à Igreja rezarmos as matinas. Depois catequese e logo a seguir ao almoço uma sesta que quási sempre redundava em rebuliço pois os garotos do meu tempo não eram dos de dormirem após o almoço. Siesta após almoço era para os espanhóis ou para os segadores não para garoto que se preze. E sendo assim nem dormíamos nós nem descansavam as catequistas.
Devo sublinhar que quando passei os dez anos e fui trabalhar, me sentia inseguro da minha liberdade, pois acabado de deixar a Escola e a Catequese, me faltava o carinho e a simpatia daquelas mulheres que sem serem da minha família cuidavam de mim e denodadamente porfiaram para que todos os da minha idade pudessem ter uma noção equilibrada do que era a vida num tempo assaz difícil que nos coube e que elas ajudaram a amenizar.
Não poderei, por falta de conhecimento dizer qual o método de liquidação das despesas feitas com esta Colonia de Férias idealizada pelo Pároco da Sé Cónego Luís Ruivo e posta em prática por gente da melhor que conheci em Bragança, capaz de se preocuparem com a educação e com a dificuldade que muitas famílias de recursos parcos tinham para criarem os filhos. 
Deixo à imaginação de quem me lê a tarefa de tentarem reconstruir esse tempo colocando imaginariamente cem crianças num espaço relativamente grande para a prática de muitas atividades e conseguir que se fizesse ter delas um desempenho aceitável tanto na parte lúdica como na atividade intelectual.
De frisar que para além da doutrina e da parte litúrgica havia espaço para a leitura de alguns textos e a sua explicação pela pessoa designada, isto depois do jantar à volta do Cruzeiro e ao lado da Santa Teresinha, sendo este quadro que não foi pintado ,mas pode ser descrito com a imagem grandiosa do Senhor Cónego Ruivo de capa cruzada ao peito sentado nas escadas do Cruzeiro da Serra, ladeado de uma dúzia de Catequistas, algumas visitas, Escuteiros, quase sempre e uma assembleia de cem ou cento e vinte garotos todos sentados no chão de queixo no ar e ouvidos abertos atentíssimos às palavras tonitruantes do Pastor que dizia: -Alguns levaram as criancinhas para que Jesus lhe tocasse. Vendo isto os discípulos repreendiam-nos. Jesus porém chamou os discípulos e disse-lhes: -"Deixai vir a Mim as criancinhas." Não lho proibais porque é delas o Reino dos Céus. (Lucas 18-15/16. E nós sentíamos que algo se estava realizando para nós naquela que era a (Nossa Colónia de férias/É uma obra de muito amor/Queremos servi-la enquanto durar/Com devoção, caridade e amor/Aos seus amigos e benfeitores/Testemunhemos nossa/gratidão/Dizendo a todos/Um Deus lhes pague/Com devoção, caridade e amor. E este tempo presente que me conduz a outras memórias de um tempo que foi meu e que guardo como se Deus quisesse voltar a fazer-mo reviver, tal foi a experiência de liberdade e boas intenções que me foi dado viver com a gente da Sé Velha, Snr Cónego, Maria dos Prazeres, Gabriela do Galinho, irmãs Feio, Natália Pisco, Maria do Carmo, Teresinha e irmã de Donai e até a minha grande amiga Tia Maria Biciclete que era presença assídua da Sé e da Serra. Aos escuteiros que nos seguiam e nos acarinhavam e às Senhoras da Conferência de S. Vicente de Paula que tanto nos deram para que nos fizéssemos Homens e Mulheres de Bem.
Não há bem que sempre dure, nem mal que se não acabe! Esta máxima serve hoje para responder às consequências dos atos dos homens que gananciosos e sinistros lançaram esta peste aos ventos e subjugaram a humanidade sabe-se lá com que intenções. Talvez seja preciso revisitarmos o passado para voltarmos a ser livres e a usarmos de novo o discurso da Esperança de que deixámos de nos servir, Ingenuamente.




Bragança 11/09/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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