terça-feira, 23 de novembro de 2021

“A MARCA NORDESTE TRANSMONTANO É DE UMA FORTALEZA TREMENDA”

Xoan Vázquez Mao
 A um ano do Eixo Atlântico comemorar 30 anos de existência, Xoan Vázquez Mao, Secretário-Geral, fala do processo de internacionalização dos 39 municípios do Norte de Portugal e da Galiza envolvidos, da importância da ferrovia e da criação de uma marca única em Trás-os-Montes

Que balanço faz destes quase 30 anos? O que mudou?

Primeiro o que mudou foi o mundo. Mudou a Europa mesmo antes da crise económica que Portugal e Espanha atravessam e antes da pandemia. Portanto, nós tivemos que adaptarmo-nos a uma mudança que nem todo o mundo foi capaz de adaptar-se e o facto de existir uma associação que envolvia cidades e convertia as cidades competidoras em entidades cooperadoras por vontade política, deu-nos uma força imensa. E a par disso mudaram as infra-estruturas, quer no Norte quer na Galiza, mudámos para melhor. 

No próximo mês entra em serviço o TGV, que vai ligar a Galiza com Madrid e que vai estar a 40 Km de Bragança, ainda que se preveja fazer a ligação rodoviária que esteja só a 20 minutos de Bragança e, portanto, Bragança fica a 1h30 de Madrid. Isso também será uma mudança espectacular para tudo, para o turismo, para a economia. Até agora eram as grandes cidades que tinham voz em Bruxelas, no país era apenas Lisboa e Porto, em Espanha se calhar da Galiza, só Santiago de Compostela, pela sua dimensão mundial. Hoje todas as nossas cidades que estão no Eixo Atlântico têm voz em Bruxelas. Após 30 anos, já ninguém usa, na Galiza, o termo português, nem em Portugal, o termo galego, como algo pejorativo. Isso quer dizer que muitas coisas mudaram, até na prestação das pessoas, porque não há como conhecer para depois apreciar.

O objectivo [da associação] é dar voz a estes municípios mais pequenos?

E não só. Como sistema urbano organizado que somos, configuramos a terceira área urbana da Península Ibérica, a primeira é Madrid, a segunda é Barcelona, a terceira somos e quarta é Lisboa. Num país como Portugal que não está regionalizado, colocar o Norte, pela sua associação com a Galiza, à frente de Lisboa tem uma importância política estratégica. Mas, em Espanha, a Galiza não é das regiões prioritárias, porque politicamente o Mediterrâneo é muito mais forte e isto quer dizer que a união com os portugueses nos coloca na terceira área urbana. Isto tem um reflexo na União Europeia, agora que estamos a começar um processo de internacionalização, que noz dá uma voz na Ásia, onde vamos sair já com programas com as nossas cidades, ou na América, onde já estamos presentes com programas de cooperação e, por isso, dá voz às nossas cidades e aos interesses das nossas cidades em Bruxelas.

Estão bastante focados na internacionalização. Em que consistirá este processo? O que pretendem fazer?

Nós realizamos a primeira agenda urbana transfronteiriça ao nível da União Europeia. No conjunto das agendas urbanas creio que somos a terceira ou a quarta da Europa e, portanto, em Bruxelas isto é também um caso de boas práticas, que nos colocam como exemplo. Nos últimos quatros anos nós estamos a dar apoio às fronteiras da América do Sul, inclusive já fizemos uma formação a pedido e financiada pelo Parlamento Europeu e agora estamos a dar apoio na criação desta figura nova de planeamento que está a ser criada, na sequência dos objectivos do desenvolvimentos sustentável 2030, das Nações Unidos e, portanto, é uma ferramenta que está a servir para muito, já finalizámos o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, no qual Bragança participou activamente, estamos a debater já o documento final do Plano de Sustentabilidade Urbana e estamos a fazer um mapa de coesão social, a primeira vez que se faz em rede, para ver como estão a evoluir as nossas cidades. E agora candidatámos mostras das nossas cidades, porque as nossas cidades têm projectos muito inovadores, muito avançados, mas os portugueses e galegos não os sabem vender, não temos estratégia de marketing. Assim, colocámos quatro experiências nessa candidatura e as quatro foram seleccionadas, a da Maia, a da Comunidade Intermunicipal Transmontana, temos já um pré acordo com a Malásia, Braga irá com Canadá, Santiago de Compostela vai com China e Lugo vai com Japão. Para além de um projecto que já estamos a gerir na fronteira com o Uruguai, num projecto de economia circular e integração social, que tem um orçamento de 1 milhão de euros. Isto serve para nos posicionarmos, segundo para estabelecer alianças com outras zonas do mundo, para que aprendam connosco, para que também possamos aprender com eles, mas também porque isto nos dá um prestígio em Bruxelas, que faz com que as nossas propostas e os nossos pedidos sejam atendidos de uma forma mais acarinhada.

Mas considera que desta forma os municípios de Portugal e também da Galiza conseguirão chegar a outras partes do mundo e internacionalizarem-se?

Sim. A nossa ideia é em cada ano envolver três ou quatro municípios, em função das prioridades de cada programa. Logicamente que temos que propor acções inovadoras nessas prioridades para que sejam escolhidas. A nossa ideia é em cada ano propor três ou quatro câmaras que tenham ideias inovadoras em diversos âmbitos para se internacionalizarem. 

Nós queremos ir construindo um diálogo transoceânico, quer com a Ásia, quer com a América, porque são os que têm mais interesse económico. As nossas cidades têm que impulsionar a diplomacia económica, uma diplomacia de proximidade e temos que pensar que nunca podemos estar à espera que nos venham resolver os problemas, nem de Madrid, nem de Lisboa. Temos que ser nós a fazer as parcerias. Se nós conseguirmos fazer as parcerias com Ásia, com certeza que vamos atrair empresários, ou vamos levar empresários nossos até lá, não podemos estar à espera que venha Lisboa chamar os empresários de Trás-os-Montes, nem que seja Madrid a chamar os empresários de Lugo. Não, temos que ser nós a criar essa diplomacia económica, de proximidade, onde as cidades se apoiem, criem alianças e essas alianças impliquem desenvolvimento económico. Colocar as cidades do mapa, que conheça outras realidades, mas também que exportem e ensinem o que as nossas cidades têm de bom.

Mas acredita que a pandemia poderá atrasar este processo de internacionalização, uma vez que os empresários podem não estar à vontade para investir?

A pandemia vai atrasar tudo a curto prazo e vai adiantar muito a médio prazo. É verdade que há países onde há gente importante que não está vacinada. Apesar disso, creio que Portugal e Espanha são dois países com maior nível de vacinação. Se o vírus nos vai atrasar? Óbvio, mas atenção, na Europa, o maior crescimento sempre foi depois da maior crise. Portanto, eu acho que se nós formos capazes de fazer uma boa leitura da crise, primeiro económica e depois pandémica, e que somos capazes de perceber que nada voltará a ser igual e que temos que nos adaptar a uma era nova, em que a inovação, a sustentabilidade, a digitalização e a integração social são as novas referências, do qual já não podemos sair apostando numa economia low-cost, porque na economia low-cost sempre ganharam os países da Ásia onde não há direitos sociais, que não têm sindicatos, que não têm em conta o ambiente. Nós temos que trabalhar na excelência e a excelência não se faz com contratos de lixo, tendo gente nova recém licenciada ganhando pouco… não, temos que apostar na investigação, na excelência. Se somos capazes de perceber isso e de não construir uma economia especulativa, creio que vamos ter o maior crescimento da Europa e creio que Portugal e Espanha estamos muito bem posicionados.

Em 2019 defendeu que Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela, que são os três municípios do distrito que estão no Eixo Atlântico, deveriam ter uma marca própria e única e que os tornaria mais fortes. Continua a defender esta ideia? Isso também é essencial para a sua internacionalização?

Nitidamente o que nós temos é que construir são ecossistemas políticas, onde, infelizmente, às vezes, o que temos é os egossistemas e às vezes os egos dificultam o entendimento para criar ecossistemas. Eu gosto muito de trabalhar com o presidente da câmara de Bragança, Hernâni Dias, porque não coloca o seu ego à frente dos interesses da cidade. Júlia Rodrigues é também uma pessoa de quem tenho uma excelente opinião dele, que também mete os interesses de Mirandela à frente. No Nordeste Transmontano há muito pouca gente, mas muita extensão. Em 100 mil habitantes não dá para criar sete igrejas, cada uma com um Deus. 

A marca Nordeste Transmontano é de uma fortaleza tremenda. Temos que estar claros de uma coisa, o único nome famoso aqui é Bragança e não tem que ver com nenhum elemento, Bragança faz parte da história de Portugal. Toda a gente ouviu falar de Bragança, é como Santiago de Compostela, como Guimarães ou Porto. Há que aproveitar o que tem Bragança, mas a natureza que tem Macedo de Cavaleiros, mais os que tem Mirandela, sem contar com o azeite, o mel, os produtos fantásticos, e criar com isto uma cidade virtual para colocar no mercado e com uma imagem de marca. A partir de aí, podemos promover sítios espectaculares que temos que as pessoas não conhecem. Eu quando falo por exemplo de Mirandela, eu recomendo muitas vezes que comporem azeite transmontano e vou explicando os sítios, mas as pessoas não reconhecem, mas quando digo que é na área de Bragança, já sabem. Para fazer isso temos que tirar fora todos os egos, temos que aproveitar o que a história nos deu e promover as nossas vilas e cidades.

Acredita então que a ferrovia pode ser um grande motor do desenvolvimento?

A ferrovia é um grande motor de desenvolvimento. É o transporte do futuro, é o transporte ecológico que a comissão europeia já está a impulsionar, não é compatível com outros sistemas, porque há gente que pensa que a ferrovia, nomeadamente de mercadorias, vem tirar camiões da estrada, mas não, vem racionalizar, é diferente. 

Bragança fica muito bem posicionada entre a saída do corredor atlântico que vem por Vila Formoso e da que vai por Monforte. Mas o comboio de mercadorias, na nova estrutura, não vai chegar a todos os lugares. Terá que ser necessário apanhar o camião, subir e descer uma plataforma e ir ao ponto. E o comboio tem que se aguentar já que não tenho nenhum outro sistema de ligação. E isso Portugal está a perceber muito bem, infelizmente Espanha não.

O ano passado Macedo de Cavaleiros disse que queria sair da associação. Como ficou essa situação? O presidente Benjamim Rodrigues afirmava que os investimentos não eram “justos”…

Essa é uma situação um bocado peculiar. Macedo sempre teve uma presença importante até ao ponto que fez parte da Comissão Executiva do Eixo, primeiro com Beraldino, depois com Duarte e, de facto, trouxemos elementos importantes para Macedo, fiz parte de eventos importantes, colocaram Macedo no mapa da região, quando ninguém sabia onde ficava. No primeiro mandato do actual presidente a relação era boa, depois não sei o que se passou, porque ele nunca me transmitiu pessoalmente nenhum motivo de insatisfação. O tema dos investimentos não é bem assim e o que eu julgo é que há aqui um problema de pessoas terceiras. Deixou de vir a todos as reuniões, inclusive quando nós fizemos a estratégia para Trás-os-Montes e apresentámos em Mirandela, onde esteve Hernâni e a Júlia, e ele nem apareceu e nem avisou que não ia aparecer. É verdade que mostrou interesse em sair, mas as regras indicam que para entrar tens que ter aprovação da Assembleia Municipal e para sair também, não pode ser uma coisa individual, e não foi apoiada esta saída e não conseguiu sair. Mas continua a pagar as cotas.

Na sua opinião, o que há ainda para mudar no Norte de Portugal e na Galiza?

Eu não diria tanto mudar, mas pôr em dia. Ficam elementos do passado e um caso claro de incompreensão que é a ligação Bragança- Puebla de Sanábria, porque em Espanha cada vez que estava ao tema encaminhado, voltava a parar. 

Da parte portuguesa sempre houve vontade e havia consenso absoluto na parte da obra em Rio de Onor, mas a outra metade é espanhola, a ponte é nacional e a estrada até Sanábria, onde está a estação do TGV, é regional. E em Espanha é complicado. Quando chegas a um acordo com um, muda o governo, tens que começar do zero. É o tema mais antigo que temo Eixo Atlântico, por resolver e sempre pela parte espanhola. Vamos conseguir, com certeza, mas temos que pressionar. Tirando isso, o resto dos objectivos já está conseguido, o que nos obriga a novos objectivos: especialização das cidades, complementaridade, investigação, sustentabilidade e modelos turísticos sustentáveis. Eu julgo que a chave do futuro é junto com tudo isto a aposta na excelência.

Jornalista: Ângela Pais

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