Bragança… é um nome que me inspira. A sonoridade desta palavra possui algo de mágico, que não explico. Para saber algo mais, fui ao encontro da cidade, no extremo nordeste de Portugal.
Cidadela de Bragança |
Para um português de Lisboa, estamos aqui no fim do mundo. Bragança, é uma pequena cidade de 20 000 almas, no meio de uma grande região despovoada, Trás-os-Montes.
Bragança, de onde vens?
As origens da cidade são tão longínquas que nem devia ter nome quando os primeiros povos por aqui ficaram na pré-história. A cidade poderá ser de fundação romana, construída sobre um antigo castro. O nome de Bragança seria derivado da antiga “Brigantia”, uma deusa que encontramos um pouco por todo o mundo céltico.
Brigantia, museu de Bretanha |
Não temos fontes escritas romanas que mencionam Bragança. Só algumas descobertas arqueológicas confirmam uma ocupação humana durante a Antiguidade. Bragança só entrará na História aquando do domínio Suevo.
O reino suevo, depois visigótico, estão sempre aureolados de mistério na região. Um mistério ainda mais profundo durante a ocupação islâmica.
Castro de Avelãs
A chave para melhor compreender as origens de Bragança não se devem procurar na cidade, mas numa pequena aldeia nas proximidades. Durante o domínio romano, Castro de Avelãs era conhecida pelo nome das gentes que lá moravam, os Zoelas.
Com as invasões bárbaras, a região a que hoje chamamos de “Terra Fria” ficou quase deserta. Este fenómeno foi provavelmente ampliado com a chegada dos Mouros. Só parecia sobreviver o mosteiro de São Salvador, talvez construído sobre um antigo lugar sagrado dos Zoelas.
Não se conhece a data de fundação deste mosteiro em Castro de Avelãs. Alguns dizem que foi fundado algures pelo ano de 667, em pleno reino visigótico e do bispado de Frutuoso de Braga.
A igreja que podemos ver hoje é uma pequena parte do que foi o antigo mosteiro. Dos edifícios construídos no século XII, só chegou até nós a cabeceira da igreja. É uma cabeceira única, raro exemplo de arquitetura românica e mudéjar, feita de tijolos e não de pedra.
Mosteiro de São Salvador |
E surpreendente encontrar arte mudéjar aqui, no coração de Trás-os-Montes, uma região que nunca foi islâmica por muito tempo.
Após o abandono forçado do mosteiro no século XVI, o edifício cedo ficou em ruínas. Só foi restaurado séculos depois, com uma curiosa construção barroca, fora de propósito.
Os Senhores de Bragança
No século XI, o cavaleiro bretão Mendo Alão chega a Castro de Avelãs e o seu mosteiro. Como muitos guerreiros estrangeiros, ele veio propor as suas competências militares ao serviço da reconquista cristã da península ibérica.
A lenda conta-nos que Mendo Alão, doravante clérigo no mosteiro de Castro de Avelãs, era de facto Alano de Bretanha, jovem filho de Guerech, conde de Nantes. Em vez de morrer prematuramente de doença no ano de 990, ele teria fugido do ambicioso conde de Rennes e duque de Bretanha Conan o Torto, que não podia suportar eventuais concorrentes no ducado de Bretanha.
Castelo de Bragança |
Mendo Alão foi o primeiro Senhor de Bragança. Ao casar com uma princesa arménia que se tinha instalado no “seu” mosteiro durante uma peregrinação a Santiago de Compostela, ele fundou a família dos Bragançãos. Foi o seu filho, Fernão Mendes de Bragança I que recriou a antiga Brigantia romana, agora chamada Bragança, nos arredores de Castro de Avelãs.
Muitos anos depois, a importância estratégica desta cidade para o Portugal que D. Afonso Henriques está a construir era evidente. A irmã do rei, Sancha Henriques, casou-se com Fernão Mendes segundo! Será este Senhor de Bragança a construir o castelo que hoje podemos ver.
Ao receber carta de foral em 1187, Bragança assenta definitivamente o seu lugar no reino de Portugal.
Castelo e cidadela de Bragança
Foi a situação estratégica de Bragança que permitiu o seu desenvolvimento. O seu poderoso castelo e as muralhas da sua cidadela eram uma garantia de paz, frente aos Espanhóis.
Ao lado do castelo, uma das igrejas mais antigas da cidade, a igreja de Santa Maria, testemunha da relativa juventude de Bragança. Santa Maria foi construída no século XIV, com importantes modificações barrocas, como tantas outras igrejas em Portugal…
A “Domus Municipalis” é um edifício envolvido em mistério, pertinho da igreja. Não existe na península ibérica construção civil de estilo românico mais antigo.
Domus Municipalis |
Não sabemos se seria o antigo local da organização concelhia, onde se efetuavam as reuniões municipais. Só podemos estar certos de uma coisa: a Domus Municipalis foi uma reserva de água para a cidadela.
Para um rei da Idade Média querendo defender o seu reino, a importância militar de Bragança é inquestionável. Porém, já não existe presença militar na cidade desde 1979. Única recordação deste seu passado, o museu militar está instalado na torre de menagem do castelo.
Lendas e histórias
A história de Bragança está repleta de lendas, por vezes poéticas, maioritariamente angustiantes. Uma delas está ligada ao castelo, e a “Torre da Princesa”. É uma história que nos conta que antes mesmo de Bragança ser Bragança, uma princesa órfã vivia com o seu tio, Senhor do castelo. Não querendo casar com o homem que lhe tinha sido designado, ela foi trancada nesta torre, até que aceitasse… o que nunca aconteceu.
Uma outra história fala-nos do mais conhecido dos casais malditos. A lenda diz-nos que foi na igreja de São Vicente que o príncipe Pedro e a Inês de Castro casaram em segredo, contra a vontade do rei. Conhecemos o seguimento da história, Inês será assassinada, era demasiadamente espanhola ao gosto da nobreza portuguesa!
Nenhuma destas duas lendas parece verídica, a torre foi construída anos mais tarde e Pedro nunca se lembrou ao certo da data exata do seu casamento…
Museus de Bragança
Os bragançanos gostam de museus. Podemos encontrar na cidadela o museu ibérico da Máscara e do Traje. Um lugar absolutamente mágico, onde mergulhamos na tradição carnavalesca, a verdadeira. O Carnaval onde usamos disfarces para afugentar maus espíritos e favorecer a fertilidade, que seja das terras… ou das mulheres.
Máscara de Carnaval |
Na cidade existe uma rua, popularmente chamada de “rua dos museus”. É nesta rua que se encontra o museu Abade de Baçal, sobre a história de Bragança e de Trás-os-Montes, ou ainda o centro de interpretação da cultura sefardita.
Os judeus Portugueses, relembramos, viviam principalmente nos grandes centros urbanos. Em Bragança, estavam ligados à produção da seda. Este precioso tecido foi durante muito tempo um motivo de orgulho para a cidade, e a sua indústria maior, hoje infelizmente desaparecida.
Gastronomia de Bragança
“Somos o que comemos” diz a sabedoria popular. Tendo em conta o que comi nos restaurantes da cidade, acho que gostava de ser de Trás-os-Montes. Para quem gosta de boa carne e de castanhas, estamos no Paraíso…
Obviamente, a gastronomia regional não se limita a isto. A ementa do restaurante Solar Bragançano onde almoçamos têm muito mais opções. Existe outra vida para além do bitoque com arroz e batatas!
Ainda tenho uma recordação emocionada do “pudim Abade de Baçal” que comi em Bragança, uma sobremesa nomeada em honra de um historiador e arqueólogo, grande figura da cidade.
Uma cidade que se redescobre
Muito ligada ao passado, Bragança está hoje em plena mutação e renovação. Relembrando-se da sua história, a cidade olha para o futuro. As ruínas que ainda podemos ver hoje na cidadela ou nas ruas da cidade não serão mais do que más recordações nos próximos anos.
E com agrado que observo o “alojamento local”, pelo menos em Bragança. Muitas casas degradadas do centro histórico foram renovadas, trazendo turistas a uma cidade que bem precisa!
Outro sinal de progresso, a valorização do rio. O que era há pouco tempo um autêntico esgoto, o rio Fervença, é agora um bonito passeio em família. Até podemos encontrar a doce loucura de um morador, que se diverte ao reproduzir em miniatura os principais monumentos mundiais e da região!
Subindo ao santuário de São Bartolomeu, no meio das grandes antenas de televisão, podemos lá contemplar a mais bela vista de Bragança e dos montes envolventes. Ao lado, uma grande estátua de São Bento, santo padroeiro da diocese de Bragança-Miranda.
Aldeias de Bragança
A Terra Fria é uma região rica de pequenas aldeias históricas, com uma natureza intacta. O parque natural de Montesinho em particular ainda tem lobos, veados ou cabras! Na entrada do parque, podemos lá encontrar por exemplo a aldeia de Gimonde. A sua ponte, que permite atravessar o Rio de Onor, existe desde os Romanos.
Rio de Onor
Se continuarmos pelo rio, chegaremos à aldeia com o mesmo nome no outro lado do parque. A aldeia de Rio de Onor esteve muito tempo isolada do resto do país. Tinha-se que se caminhar muitas horas para se chegar até Bragança, a estrada que conhecemos hoje não era mais do que um mau caminho de terra. Divididos entre Espanha e Portugal, os moradores dos dois lados da fronteira aprenderam a viverem em comunidade ao longo dos séculos, quase em autarcia, longe dos problemas portugueses ou espanhóis.
Hoje, esta vida em comunidade não passa de uma recordação, Rio de Onor vivendo agora principalmente de turismo. Ao visitar a aldeia, percebe-se facilmente porque ela obteve em 2017 o título de “Maravilha de Portugal”.
Outeiro
No outro lado do concelho, em Outeiro a vinte quilómetros de Bragança, encontra-se uma igreja imensa, com um estilo um pouco peculiar. Há mais de 300 anos, a estátua de Cristo no que ainda só era uma capela começou a sangrar. Com este milagre, a capela transformou-se rapidamente em santuário. Em 2014, o Papa Francisco concedeu-lhe o título de Basílica.
Basílica de Outeiro |
Ver uma igreja tão grande numa aldeia tão pequena, tão longe de tudo é surpreendente! O seu estilo destoa com a vivência barroca que se vivia durante a sua construção no século XVIII. Queria-se uma igreja que fosse um símbolo revivalista da glória passada portuguesa, frente ao imponente vizinho espanhol, mesmo ali ao lado, sempre ameaçador. Os Portugueses não esqueciam de forma nenhuma que tinham sido reunidos à força aos espanhóis no século anterior…
Praça da Sé |
Bragança, é isto. É Portugal, o símbolo da independência, na fronteira do país. Se a última dinastia reinante em Portugal é a de “Bragança”, não é fruto do acaso!
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