Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
A indignação de Greta Thunberg ao acusar os dirigentes mundiais de não terem vergonha, de lhe terem roubado a infância e mais não sei quê tem um certo mérito. Não é comum ver afoiteza assim numa miúda. A sua normal ingenuidade, assim como a baralhação dos que estão por detrás dela, reside em não enxergar que foi justamente essa infância, as infâncias e as vidas inteiras de todos nós desde o início da revolução industrial que trouxeram os problemas de que se queixa. Como tenho dito, neste ponto como em tantos outros não vamos a nenhures enquanto não começarmos a conjugar os verbos na primeira pessoa do plural.
Ao longo do tempo tem havido aspirações de desenvolvimento e crescimento a pensar em melhores condições materiais para as pessoas. Ponhamos de lado que adquirir bens é muitas vezes mais hábito e compulsão do que sobrevivência, e que bem-estar material não é necessariamente sinónimo bem-estar geral. O que importa é que esses têm sido sonhos de muita gente lúcida e civilizada. Com eles em mente, a terra transformou-se num imenso mercado que vive de explorar, transformar, vender, comprar, transportar, consumir recursos naturais, atividades que gastam energia e têm implicado queimar combustíveis fósseis. Talvez umas quantas tribos remotas estejam isentas de responsabilidade (e mesmo essas já usam objetos confecionados industrialmente), mas hoje não é fácil pensar em ações humanas cujo subproduto não seja a libertação de gases com efeito de estufa, incluindo aquelas que se propõem lutar contra o efeito de estufa.
É o que mantém tudo a funcionar. Estamos tão dependentes de queimar para obter energia que se de um momento para o outro deixássemos de o fazer o mundo tal como o conhecemos entraria em colapso. Somos o que somos no presente porque temos vindo a alterar o clima. Não seríamos o que somos se não o tivéssemos feito. O que hoje se sabe com certeza é que tais práticas são incomportáveis, não só por causa da destruição generalizada do meio, mas porque no processo também se gastam recursos naturais não passíveis de ser substituídos. Como não é provável que a médio prazo se consiga produzir energia suficiente a partir de fontes limpas, o esforço atual para reduzir as emissões não tem em vista anular os danos, apenas minimizá-los. Entretanto as agressões vão continuar. Os transtornos que provocámos à natureza (e por conseguinte a nós próprios) já não se podem esconder, embora a tendência seja para pensarmos que talvez não aconteçam aqui, ou não nos afetem, ou nos afetem pouco. Pode ser que a negação tenha origem no receio oculto de que o problema resida mesmo em cada um de nós e de que seja preciso repensar a forma como vivemos. Mas é certo que teremos de o fazer.
Ninguém seria insensato a ponto de defender que se abdicasse de vidas decentes e dignas para toda a gente, mas já começa a ser condenável abusar, estragar, esbanjar, desperdiçar. Não tarda vamos autocensurar-nos por consumos excessivos ou supérfluos, por acumular aquelas bugigangas inúteis anunciadas em folhetos de hipermercado apenas para aliviar o stresse. Já há gente a assimilar que ser ambientalista e não renunciar a ter ou fazer tudo o que nos dá na gana é como ser anticapitalista e correr atrás do último brinquedo com que o capitalismo nos seduz. Porque quanto a isso não faltam casos de leviandade. Ainda há umas semanas me esbarrei com uma estapafúrdia exibição de ferraris aqui na avenida das forças armadas. Aplaudidas por umas dezenas de pacóvios, as máquinas ronquejavam e chiavam em piões presunçosos nas rotundas, queimando pneus e gasolina sem outra justificação que não fosse o próprio exibicionismo.
Mas o exemplo acabado desta feliz inconsciência é a forma como acabámos a “festejar” o natal. Não foi por acaso que o menino-jesus de outrora deu lugar a esse caricato santa claus. O primeiro era parte de uma celebração singela (embora intensa) de gente piedosa, modesta, comedida. Representava a eterna promessa e o renascimento do amor cristão. Os seus presentes, ainda quase meramente simbólicos, não precisavam de ser muitos, nem grandes, e cabiam em sapatinhos. Em contrapartida, o velhote obeso e corado de saco a abarrotar de embrulhos que na sua maioria não servem para nada é bem um produto desta nossa era, o mensageiro de um consumismo maquinal e sem sentido.
Ao longo do tempo tem havido aspirações de desenvolvimento e crescimento a pensar em melhores condições materiais para as pessoas. Ponhamos de lado que adquirir bens é muitas vezes mais hábito e compulsão do que sobrevivência, e que bem-estar material não é necessariamente sinónimo bem-estar geral. O que importa é que esses têm sido sonhos de muita gente lúcida e civilizada. Com eles em mente, a terra transformou-se num imenso mercado que vive de explorar, transformar, vender, comprar, transportar, consumir recursos naturais, atividades que gastam energia e têm implicado queimar combustíveis fósseis. Talvez umas quantas tribos remotas estejam isentas de responsabilidade (e mesmo essas já usam objetos confecionados industrialmente), mas hoje não é fácil pensar em ações humanas cujo subproduto não seja a libertação de gases com efeito de estufa, incluindo aquelas que se propõem lutar contra o efeito de estufa.
É o que mantém tudo a funcionar. Estamos tão dependentes de queimar para obter energia que se de um momento para o outro deixássemos de o fazer o mundo tal como o conhecemos entraria em colapso. Somos o que somos no presente porque temos vindo a alterar o clima. Não seríamos o que somos se não o tivéssemos feito. O que hoje se sabe com certeza é que tais práticas são incomportáveis, não só por causa da destruição generalizada do meio, mas porque no processo também se gastam recursos naturais não passíveis de ser substituídos. Como não é provável que a médio prazo se consiga produzir energia suficiente a partir de fontes limpas, o esforço atual para reduzir as emissões não tem em vista anular os danos, apenas minimizá-los. Entretanto as agressões vão continuar. Os transtornos que provocámos à natureza (e por conseguinte a nós próprios) já não se podem esconder, embora a tendência seja para pensarmos que talvez não aconteçam aqui, ou não nos afetem, ou nos afetem pouco. Pode ser que a negação tenha origem no receio oculto de que o problema resida mesmo em cada um de nós e de que seja preciso repensar a forma como vivemos. Mas é certo que teremos de o fazer.
Ninguém seria insensato a ponto de defender que se abdicasse de vidas decentes e dignas para toda a gente, mas já começa a ser condenável abusar, estragar, esbanjar, desperdiçar. Não tarda vamos autocensurar-nos por consumos excessivos ou supérfluos, por acumular aquelas bugigangas inúteis anunciadas em folhetos de hipermercado apenas para aliviar o stresse. Já há gente a assimilar que ser ambientalista e não renunciar a ter ou fazer tudo o que nos dá na gana é como ser anticapitalista e correr atrás do último brinquedo com que o capitalismo nos seduz. Porque quanto a isso não faltam casos de leviandade. Ainda há umas semanas me esbarrei com uma estapafúrdia exibição de ferraris aqui na avenida das forças armadas. Aplaudidas por umas dezenas de pacóvios, as máquinas ronquejavam e chiavam em piões presunçosos nas rotundas, queimando pneus e gasolina sem outra justificação que não fosse o próprio exibicionismo.
Mas o exemplo acabado desta feliz inconsciência é a forma como acabámos a “festejar” o natal. Não foi por acaso que o menino-jesus de outrora deu lugar a esse caricato santa claus. O primeiro era parte de uma celebração singela (embora intensa) de gente piedosa, modesta, comedida. Representava a eterna promessa e o renascimento do amor cristão. Os seus presentes, ainda quase meramente simbólicos, não precisavam de ser muitos, nem grandes, e cabiam em sapatinhos. Em contrapartida, o velhote obeso e corado de saco a abarrotar de embrulhos que na sua maioria não servem para nada é bem um produto desta nossa era, o mensageiro de um consumismo maquinal e sem sentido.
(Nordeste - nov. 2019)
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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