Por: António Pires
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
A Ana e o Manuel nasceram em 1931 e 1930, em duas aldeias vizinhas do concelho de Vimioso, respectivamente, S. Joanico e Vale de Frades. Contraíram matrimónio no longínquo ano de 1952. Em busca duma vida melhor, deixando para trás o berço que os viu nascer, tiveram a coragem de, com cinco filhos, todos menores, se aventurar, numa longa viagem transatlântica, de navio, o Kwanza, com duração de três semanas. Nas Áfricas, trabalharam no duro. Ela, como costureira, ele, como cantoneiro e motorista. Porque não se deram muito bem por lá, regressaram à Metrópole, muito mais cedo do que esperariam.
Chegados ao seu país, o casal e mais a sua prol foram viver para Bragança, p´rá Bila, fixando residência no memorável n.º 26 da rua da Cidadela, actual Museu da Máscara.
O Manuel, como o trabalho nunca lhe meteu medo, arranjou emprego, como motorista, na serração do Martins, situada do lado direito do antigo “Albergue”.
Como no tempo da Outra Senhora não havia Rendimentos Mínimos, e porque, para proporcionar aos filhos as necessidades básicas, sem moncas no nariz e calças rotas, por muito que se trabalhasse, de sol a sol, os ordenados eram baixíssimos, o Manuel, pouco tempo depois, deixando os filhos à responsabilidade da melhor educadora do mundo, a sua Ana – uma autêntica leoa protectora -, pegou numa mala de cartão e rumou a França. No país de Vitor Hugo permaneceu dois anos. Aconselhado por uns amigos e vizinhos da Bila, emigrou para a Alemanha, tendo trabalhado no país bávaro até 1976, ano em que regressou definitivamente à sua amada Pátria
A Ana, mulher inspiradora e uma verdadeira força da natureza, para proporcionar uma vida digna e uma educação livresca aos filhos, trabalhou arduamente, mas sempre com a dignidade duma SENHORA: Esfregou muitas escadas e teve estudantes em regime de pensão, em sua casa.
Tendo o honesto, laborioso e confiável casal amealhado algum dinheirinho, resultado do muito suor e incontáveis lágrimas, em 1971 – imagine-se, para quem vem do nada! – comprou uma linda e vistosa casa, a pronto pagamento, por 600 contos, na rua B, no Bairro S. João de Brito.
Em 1975, o casal, que nunca ficou a dever nada a ninguém – nem mesmo dívidas de gratidão -, comprou o primeiro carro, Volkswagen Brasília, de cor amarela, novinho em folha, que, curiosamente, daquele modelo, foi o primeiro a circular na cidade de Bragança.
Em 1977, o Manuel teve a oportunidade de ir trabalhar para a Câmara Municipal de Bragança, onde se manteve até atingir a idade de reforma, tendo granjeado nessa nobre instituição o respeito e a consideração quer dos seus colegas, quer dos seus superiores hierárquicos.
Nesse mesmo ano, a Ana e o Manuel construíram um pequeno prédio, com três andares, águas-furtadas habitáveis, e um enorme quintal, no Toural Velho, com algum do dinheiro da venda da casa do S. João de Brito.
A Ana Maria e o Manuel tiveram um percurso de vida de que os filhos e os netos muito se orgulham. Nunca se incompatibilizaram com ninguém, vizinhos ou amigos, nunca souberam o que era ir à Polícia, nunca souberam o que era ir a tribunal, nem como testemunhar, nem como arguidos, nunca prevaricaram ou puseram em causa a Ordem Pública, nunca foram acusados de qualquer crime, nunca tiveram uma multa de trânsito, andaram sempre de cabeça levantada, nunca a consciência lhes pesou. Comeram não o pão que o Diabo Amassou, mas que ambos amassaram. Aos herdeiros foi-lhes transmitido o mais sagrado dos patrimónios: os valores morais.
A Ana Maria e o Manuel, pela devida ordem, contam 93 e 95 lindas Primaveras. A Ana Maria, com uma genica e vontade de viver invejáveis, completamente autónoma, vive na sua própria casa, partilhando-a com um dos filhos. O Manuel, porque aquela cabeça cansada (dos “carnavais”, como ele diz), nem sempre lhe obedece, está num Lar de idosos, há 7 anos.
Eu sou, com enorme orgulho, o filho mais novo deste maravilhoso casal. Nessa condição, tomado pelo duplo sentimento de frustração e revolta, constato que, para os meus progenitores, em termos de justiça social/fiscal, Abril não se cumpriu.
Porque, vejamos.
Os meus pais compraram casa, com o suor do trabalho. Pagam a SISA da mesma (agora, IMI) a vida toda. Pagaram, enquanto tiveram carros, o imposto de circulação, pagaram mais – valias, pagaram e pagam o seguro obrigatório da morada de habitação. Em troca, os meus pais não têm direito a medicamentos gratuitos – e tomam imensos. O meu pai, institucionalizado, com despesas mensais que ultrapassam os mil euros, não tem uma ajuda do Estado, porque (pasme-se!), segundo o estatuído na Lei, votado na Casa da Democracia, o rendimento anual do casal ultrapassa a “fortuna” de 12 mil euros.
Quando me perguntam em quem vou votar, respondo apenas que irei exercer um dos mais espantosos direitos que Abril nos proporcionou, em consciência.

Não tenho a honra de conhecer a Senhora Tua Mãe. A estima e consideração que tinha, e tenho, pelo Teu Pai era retribuída. Sempre tivemos uma grande sintonia e empatia. Vê-lo na foto que connosco partilhas... traz-me muitas saudades.
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