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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 4 de maio de 2025

Aqueles para quem Abril está longe de se cumprir plenamente

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


A Ana e o Manuel nasceram em 1931 e 1930, em duas aldeias vizinhas do concelho de Vimioso, respectivamente, S. Joanico e Vale de Frades. Contraíram matrimónio no longínquo ano de 1952. Em busca duma vida melhor, deixando para trás o berço que os viu nascer, tiveram a coragem de, com cinco filhos, todos menores, se aventurar, numa longa viagem transatlântica, de navio, o Kwanza, com duração de três semanas. Nas Áfricas, trabalharam no duro. Ela, como costureira, ele, como cantoneiro e motorista. Porque não se deram muito bem por lá, regressaram à Metrópole, muito mais cedo do que esperariam.
Chegados ao seu país, o casal e mais a sua prol foram viver para Bragança, p´rá Bila, fixando residência no memorável n.º 26 da rua da Cidadela, actual Museu da Máscara. 
O Manuel, como o trabalho nunca lhe meteu medo, arranjou emprego, como motorista, na serração do Martins, situada do lado direito do antigo “Albergue”. 
Como no tempo da Outra Senhora não havia Rendimentos Mínimos, e porque, para proporcionar aos filhos as necessidades básicas, sem moncas no nariz e calças rotas, por muito que se trabalhasse, de sol a sol, os ordenados eram baixíssimos, o Manuel, pouco tempo depois, deixando os filhos à responsabilidade da melhor educadora do mundo, a sua Ana – uma autêntica leoa protectora -, pegou numa mala de cartão e rumou a França. No país de Vitor Hugo permaneceu dois anos. Aconselhado por uns amigos e vizinhos da Bila, emigrou para a Alemanha, tendo trabalhado no país bávaro até 1976, ano em que regressou definitivamente à sua amada Pátria
A Ana, mulher inspiradora e uma verdadeira força da natureza, para proporcionar uma vida digna e uma educação livresca aos filhos, trabalhou arduamente, mas sempre com a dignidade duma SENHORA: Esfregou muitas escadas e teve estudantes em regime de pensão, em sua casa.
Tendo o honesto, laborioso e confiável casal amealhado algum dinheirinho, resultado do muito suor e incontáveis lágrimas, em 1971 – imagine-se, para quem vem do nada! – comprou uma linda e vistosa casa, a pronto pagamento, por 600 contos, na rua B, no Bairro S. João de Brito.
 Em 1975, o casal, que nunca ficou a dever nada a ninguém – nem mesmo dívidas de gratidão -, comprou o primeiro carro, Volkswagen Brasília, de cor amarela, novinho em folha, que, curiosamente, daquele modelo, foi o primeiro a circular na cidade de Bragança.
Em 1977, o Manuel teve a oportunidade de ir trabalhar para a Câmara Municipal de Bragança, onde se manteve até atingir a idade de reforma, tendo granjeado nessa nobre instituição o respeito e a consideração quer dos seus colegas, quer dos seus superiores hierárquicos.
Nesse mesmo ano, a Ana e o Manuel construíram um pequeno prédio, com três andares, águas-furtadas habitáveis, e um enorme quintal, no Toural Velho, com algum do dinheiro da venda da casa do S. João de Brito.
A Ana Maria e o Manuel tiveram um percurso de vida de que os filhos e os netos muito se orgulham. Nunca se incompatibilizaram com ninguém, vizinhos ou amigos, nunca souberam o que era ir à Polícia, nunca souberam o que era ir a tribunal, nem como testemunhar, nem como arguidos, nunca prevaricaram ou puseram em causa a Ordem Pública, nunca foram acusados de qualquer crime, nunca tiveram uma multa de trânsito, andaram sempre de cabeça levantada, nunca a consciência lhes pesou. Comeram não o pão que o Diabo Amassou, mas que ambos amassaram. Aos herdeiros foi-lhes transmitido o mais sagrado dos patrimónios: os valores morais. 
A Ana Maria e o Manuel, pela devida ordem, contam 93 e 95 lindas Primaveras. A Ana Maria, com uma genica e vontade de viver invejáveis, completamente autónoma, vive na sua própria casa, partilhando-a com um dos filhos. O Manuel, porque aquela cabeça cansada (dos “carnavais”, como ele diz), nem sempre lhe obedece, está num Lar de idosos, há 7 anos.
Eu sou, com enorme orgulho, o filho mais novo deste maravilhoso casal. Nessa condição, tomado pelo duplo sentimento de frustração e revolta, constato que, para os meus progenitores, em termos de justiça social/fiscal, Abril não se cumpriu. 
Porque, vejamos.
Os meus pais compraram casa, com o suor do trabalho. Pagam a SISA da mesma (agora, IMI) a vida toda. Pagaram, enquanto tiveram carros, o imposto de circulação, pagaram mais – valias, pagaram e pagam o seguro obrigatório da morada de habitação.  Em troca, os meus pais não têm direito a medicamentos gratuitos – e tomam imensos. O meu pai, institucionalizado, com despesas mensais que ultrapassam os mil euros, não tem uma ajuda do Estado, porque (pasme-se!), segundo o estatuído na Lei, votado na Casa da Democracia, o rendimento anual do casal ultrapassa a “fortuna” de 12 mil euros.
Quando me perguntam em quem vou votar, respondo apenas que irei exercer um dos mais espantosos direitos que Abril nos proporcionou, em consciência.


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

1 comentário:

  1. Não tenho a honra de conhecer a Senhora Tua Mãe. A estima e consideração que tinha, e tenho, pelo Teu Pai era retribuída. Sempre tivemos uma grande sintonia e empatia. Vê-lo na foto que connosco partilhas... traz-me muitas saudades.

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