Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Na minha aldeia, somos tão poucos que até os pássaros me reconhecem.
Sentado à sombra da cerejeira, escuto o sino da igreja cumprir, pontual, seu ofício antigo de anunciar as horas. O sol declina, ardente. Um cão, livre como eu, sacia a sede no tanque de água tépida.
O vizinho atravessa a estrada: chapéu de palha a proteger-lhe o rosto, enxada ao ombro, vai plantar uma oliveira — ainda jovem, ainda esperança.
Dois melros pousam nos galhos da cerejeira. Chilreiam com a alegria de quem sabe rir com o corpo inteiro.
- Vamos às cerejas!
É isso que me dizem, tenho certeza, no seu canto de melro.
- Pois venham! Há cerejas para todos!
- Está a guardar a cerejeira?! — pergunta o vizinho.
- O diabo dos pássaros não deixam uma sequer!
Diz isso só por dizer, por não haver mais conversa.
Bendita seja a natureza, sempre tão plena.
Obrigado, melros, pela vossa leve companhia.
... E a natureza, mais que perfeita,
sabe sempre encontrar o seu compasso.
Felizmente, na aldeia quase deserta, ainda há dois melros que vêm às cerejas.
... Entardece.
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.


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