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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 19 de outubro de 2025

A Matança de Outeiro - Capítulo VII – Memórias de Sangue e Pedra


 Outeiro despertava para a rotina da reconstrução. A névoa ainda se agarrava às encostas da aldeia, mas agora parecia menos ameaçadora, como se os campos e as pedras começassem a assimilar a memória da batalha. As ruas carregavam as marcas do conflito. Muros danificados, portões remendados, rastos de sangue e pegadas de homens e cavalos. A Matança não era um nome, era uma história viva.

Tomé caminhava pelas ruas, agora com passos mais firmes. Ele supervisionava a reconstrução das casas, ajudando os mais jovens a carregar pedras, arranjar telhas e reparar portas. Lembrava-se da batalha e das vidas que tinham sido perdidas. A dor ainda existia, mas havia também uma sensação de vigor e coragem, a aldeia precisava de sobreviver, crescer e preservar a sua memória.

Maria percorria os lares e curava dos feridos, mas também recolhia relatos da batalha. Falava com cada aldeão sobre o que tinham visto e feito, registando detalhes que poderiam perder-se com o tempo. As crianças aprendiam com ela, absorvendo a coragem e a responsabilidade de proteger a aldeia e honrar aqueles que tinham caído.

- Todos os gestos, as palavras, as lembranças são importantes. Dizia Maria. - A memória é o que nos mantém vivos, mesmo quando perdemos quem amamos.

João liderava grupos de jovens na vigia e em treinos. Recrutava os mais fortes para patrulhar os arredores, ensinar técnicas de caça e defesa, e explicar como o conhecimento do terreno poderia marcar a diferença entre a vida e a morte. Cada passo que dava, servia para transmitir a experiência que a batalha lhes tinha ensinado, transformando o medo em disciplina e coragem.

O velho Tiago organizava encontros à noite, à luz das fogueiras. Reunia os aldeões e contava a história da Matança. Falava com detalhe de cada combate, de cada ato de heroísmo, de cada sacrifício. Os olhos de todos enchiam-se de lágrimas e orgulho enquanto reviviam os acontecimentos, entendendo que a sua sobrevivência e a sua aldeia dependiam da união e da memória.

- Não podemos deixar que o tempo apague o que fizemos, dizia ele. - Devemos lembrar, ensinar e proteger.

O canhão que permanecia sobre o cavalete tornou-se o símbolo mais visível da resistência de Outeiro. Homens e mulheres passavam por ele diariamente, tocando o ferro frio e imaginando os combates que ali aconteceram. Outros dois canhões foram levados, um para o Museu Militar de Bragança e outro pelos franceses, mas a aldeia sabia que a verdadeira força estava naqueles que permaneciam.

As noites eram longas e cheias de lembranças. Histórias de coragem eram contadas ao redor da lareira, e os relatos reforçavam a identidade da aldeia. As crianças ouviam fascinadas, homens e mulheres lembravam-se do sacrifício dos que caíram, e todos compreendiam que a verdadeira vitória não era apenas sobreviver à batalha, mas manter viva a memória dela.

Tomé, Maria e João tornaram-se guardiões da história. Tomé ensinava os jovens na oficina, Maria cuidava da saúde da aldeia e transmitia conhecimento sobre ervas e remédios, e João treinava novos defensores, garantindo que Outeiro nunca mais seria surpreendida.

A aldeia, ainda marcada pelo sangue e pela destruição, renascia mais forte. Cada casa reconstruída, cada árvore plantada representava a continuidade da vida, mas também o compromisso de nunca esquecer a Matança.

Outeiro aprendeu que a história não estava apenas nas pedras ou nos canhões, mas nas pessoas, nas memórias partilhadas e na coragem que florescia mesmo diante da morte. A aldeia tornou-se num lugar onde o passado e o presente se cruzavam, garantindo que a Matança permanecesse viva, como memória e legado de um povo que não cedeu.

Continua...

N.B.: Este conto tem como base a "Lenda" de Outeiro "A Matança". A narrativa e os personagens fazem parte do mundo da ficção. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas reais, não passa de mera coincidência.

HM

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