terça-feira, 5 de junho de 2018

O Primeiro Clube no quintal

No meu quintal surgiu o "primeiro" das imediações. Chamámos-lhe o “Ás de Copas”.
Era o centro das atenções da rapaziada do bairro.
Uns anos antes, tinha existido um outro a que chamámos os 10 Terríveis e que está representado na foto. Mas, como dos 10 Terríveis não tenho memória, digo que o "Ás de Copas" foi o primeiro.
Só três de nós sabiam onde estava a chave. Eu, o Nuno e o Paulo.
Ali, no Ás de Copas é que se ouviam os relatos da bola no transístor, onde se faziam umas merendas, com pão e sardinhas em lata, com cebola. Era o ponto de encontro. Um dos nossos entretenimentos era arranjar alcunhas para uns e outros.
Lembra-me bem da irritação do António quando se apercebeu que lhe começámos a chamar “Talocha” . 
O António era um pouco mais velho que nós e foi o Paulo que levou uma lambada devido à alcunha. Lembrámo-nos de o alcunhar de “Talocha” porque ele, já maiorzito e depois da escola, ia ganhar algum dinheiro na construção civil. A Talocha é aquela espécie de bandeja em madeira (agora em plástico) que se coloca na mão para suportar a massa que depois se atira contra os tijolos para rebocar as paredes.
Como a ambição humana era desmedida, criaram-se cisões e foi o Paulo a fazer um outro clube no quintal dele.
As raparigas começaram a hesitar e o ciúme estava definitivamente instalado.
Na competição, que estava a ser aguerrida, consegui uma grande mais valia. O meu Pai autorizou-me a trazer, pelo ar, um fio eléctrico de uma tomada do meu quarto e que iria finalmente trazer energia eléctrica ao Ás de Copas. A partir daí ficámos imbatíveis porque a “actividade” do clube não parava com o pôr-do-sol. No casquilho da lâmpada também havia uma tomada onde mais tarde entraria o meu primeiro gira-discos. Custou trezentos escudos, 1,50 € com o respectivo desconto feito pelo Barreira. Ainda não quero chegar aí. Isso foi bem mais tarde, já no Liceu.
O Paulo, entendeu que não conseguia competir contra tanta tecnologia e desistiu do clube dele. Eu e o Nuno, depois de conferenciarmos, resolvemos perdoar-lhe e ele regressou ao nosso seio. Fazíamos uma boa equipa.
Um dia qualquer, o meu Pai mandou vir um camião de terra para fazer obras no quintal. A terra foi despejada num espaço comum. Que me lembre, nunca chegou a fazer as obras, talvez por escassez de capital. Mas a terra estava ali mesmo a pedir imaginação. Eu e o Tó fizemos um barco embutido na terra. Estava bonito e nele navegámos muitas horas e dias nos nossos sonhos. Fizemos remos em madeira que ajudavam a rasgar aqueles mares infinitos e nos quais éramos os únicos navegantes.
Na altura, o que empolgava mais a rapaziada era o hóquei em patins. Era a modalidade desportiva em que Portugal se distinguia apesar de o Benfica já ter sido Campeão Europeu de Futebol, mesmo sem o Eusébio. Antes do Eusébio, já havia Benfica Campeão Europeu.
No quintal da minha casa (do meu Pai obviamente), funcionava uma serralharia propriedade do Pai do Nuno. Não sei se era emprestada ou se o meu Pai recebia alguma “renda” pela ocupação do espaço.
Um joguinho de hóquei em patins (sem patins), contra o Bloco 1 do Bairro, era sacramental pelo menos uma vez por mês. Nós vivíamos no Bloco 6 e precisávamos sempre do reforço do Bloco 3 onde morava o Paulo.
Entrávamos em estágio muito tempo antes da competição. Umas das coisas mais importantes eram os sticks.
Os nossos sticks eram umas autênticas obras de arte. A serralharia proporcionava-nos essa possibilidade e à borla. Eram perfeitos. Pintados com listas horizontais mesmo naqueles sítios onde eram pintados os do Adrião.
Peneiras não nos faltavam.
O pior era depois de entrarmos em campo.
Logo na primeira investida do Manuel Pita lá se ia o stick para o galheiro.
O Manel fazia o stick de uma maneira pouco ortodoxa.
Um Pau. Duas tábuas espetadas com pregos na ponta do pau e com umas latas a proteger e reforçar.
O Manel nem apontava à bola…era logo ao stick do adversário.
Perdíamos sempre por falta de equipamento e não adiantava barafustar. O árbitro não era sensível aos nossos argumentos.
Nem no Algarve havia campos de golfe com tanta extensão como nós tínhamos. Não estavam era construídos com relva e ninguém tinha alergia ao pó. E alguém tinha alergia a alguma coisa?
Era um buraco no Bloco 6, outro no Bloco 1, outro no Loreto, outro onde é agora a Escola Secundária Emídio Garcia. Ponho dúvidas que algum de nós alguma vez tenha chegado ao último buraco e que muito menos alguém tenha feito um all-in-one.
O Ás de Copas mais tarde mudou de nome e passou a chamar-se Saturno Club. Mas isso são contas de outro Rosário que contarei depois.
Esta foto é de uma equipa de futebol de 5 (assim se chamava na altura há mais de 40 anos),  que representava o nosso clube. Os jogos realizavam-se na cerca do antigo Liceu (Praça da Sé) e no Inverno à noite, como se pode ver pelas luvas dos "atletas" e pelas indumentárias do Lacerda à esquerda e do Hernani à direita na foto, ambos vestidos à civil .  O Lacerda era e é dos nossos, o Hernani intrometeu-se na fotografia. O Jaime perdeu o baraço do colarinho da camisola. Eram todos brancos e, lá se arranjou à última da hora um vermelho escuro para disfarçar o caso...





HM

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