Há três anos que a pintora Graça Morais foi obrigada a deixar o espaço de criação de toda a vida, em Lisboa, empurrada pelas "obras gigantescas" que a fazem sentir entre os "expulsos" pela pressão turística e imobiliária, da capital.
O atelier de há 30 anos, na Costa do Castelo, é propriedade da pintora, porém teve de arrendar um espaço mais pequeno noutra zona, porque há três anos que não pode trabalhar lá devido ao que considera o "caos" em que se transformou toda aquela zona, que "está a ser vendida, porque há uma grande procura das zonas mais apetecíveis da cidade".
"Mas é a procura por pessoas que têm muito dinheiro ou por coisas mais graves, que são os fundos de investimento que não têm rosto", disse Graça Morais em entrevista à Lusa, por ocasião das comemorações dos dez anos do Centro de Arte Contemporânea (CAC), com o seu nome, em Bragança.
Graça Morais é transmontana, natural da aldeia do Vieiro, Vila Flor, onde tem um atelier e, nos últimos anos, presença assídua na cidade de Bragança, no CAC, que a faz pensar em, no futuro, passar mais tempo nesta zona.
Aos 70 anos constata que, em Lisboa, onde fez carreira, "de repente tudo se transforma".
"Nessa zona do castelo não ouço falar praticamente português, só ouço falar outras línguas. Acho muito bem que os estrangeiros nos procurem, mas de repente é uma mudança tão grande", observa a artista.
Durante 30 anos, muitas das obras de Graça Morais nasceram no atelier, numa zona de Lisboa onde "as pessoas se encontravam nos cafés, na rua, às vezes de chinelos e de robe, a pendurar roupa".
"De repente, sentir que as pessoas são obrigadas a ir embora porque o senhorio, se elas não compram ou se não podem pagar as rendas mais caras são postas fora, isso acontece não só a pessoas velhas e que ganham pouco, acontece a pessoas da minha classe", afirmou.
O atelier continua a ser dela, não vai cedê-lo, garante, contudo acabou também "expulsa".
"A dificuldade que eu tenho em ir para o meu atelier é a dificuldade que se tem quando se tem muitas obras [de construção civil] ao lado. É que são obras gigantescas, que se prolongam no tempo e, ao mesmo tempo, geram o caos na rua onde são feitas", explicou.
A pintora teve de "arranjar outro espaço pequenino noutro lado", onde preparou 80 desenhos e pinturas inéditos que vão ser expostos, pela primeira vez, em Bragança, para assinalar os dez anos do CAC.
Estes trabalhos, como contou à Lusa, "são feitos numa grande solidão, numa grande reflexão sobre o que se está a passar na cidade de Lisboa e o que se está a passar no mundo".
"Em Lisboa, o que se sente é que, por um lado, há uma grande alegria que é quase forçada, há espetáculos por todo o lado, há um imaginar que se vive uma grande felicidade, que as pessoas têm tudo. E, ao mesmo tempo, se observamos com muita atenção, há milhares de excluídos que estão a ser expulsos da cidade e que são sempre os mais pobres, os velhos, os que não podem lutar contra o senhorio que quer ganhar dinheiro", observou.
Ao mesmo tempo, quando visita Trás-os-Montes e anda pela aldeia, sente "que há um vazio, que as aldeias estão a ficar sem pessoas, sem crianças", e tudo isto a "inquieta como artista e como mulher, como pessoa".
Destes "tempos inquietantes", refere também outros dramas que não a deixam ser feliz ao ver as notícias, "em que há crianças que são presas [separadas dos pais], em que há seres humanos que andam pelo mundo à procura de um lugar onde sejam felizes, que são os refugiados".
"É aflitivo ver um barco à deriva sem nenhum líder da Europa se prontificar a recebê-los", apontou.
HFI // MAG
Lusa/fim
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