Toda a ciência humana, sem uma poderosa base demográfica, não é mais que um frágil castelo de cartas; toda a História que não recorre à demografia priva-se do melhor instrumento de análise.
Toda a história está lá, na vida que flui, na vida que morre. A História, a verdadeira, coloca-se necessariamente no tempo da vida e no tempo da morte.
(Pierre Chaunu, Histoire, Science Sociale, Paris, 1974)
As tendências de longa duração da dinâmica demográfica do Concelho e da Cidade de Bragança foram condicionadas e refletem estas formas de organização do espaço e as vicissitudes políticas, económicas e sociais que marcaram o espaço regional e nacional. Atualmente, Bragança segue um comportamento comum a outras cidades médias, ao funcionar como polo regional dinamizador do desenvolvimento socioeconómico, revelando uma significativa capacidade de atração e retenção de iniciativas e recursos.
OS EFETIVOS DEMOGRÁFICOS
No princípio do século XIX, a província de Trás-os-Montes não fugia à realidade do País, marcado pela ruralidade e pela escassa urbanização: quase 96% da população desta província vivia em freguesias rurais e só 4,5% em aglomerados urbanos. Destacava-se, todavia, no nordeste, Bragança, cidade que em 1801 contava com 3 151 almas e 1 088 fogos, sede de comarca, de diocese e praça militar.
Este quantitativo ficava, no entanto, aquém dos mais de 5 mil habitantes que se contabilizaram no final do século XVIII, quando conheceu um forte desenvolvimento devido à indústria das sedas, o que terá contribuído para a dinâmica da sua população e para a vitalidade da sua economia. Depois, a decadência desta atividade foi responsável pela diminuição da sua indústria e comércio, com a consequente perda de vitalidade demográfica e económica.
Em 1864, Bragança era o distrito com menor percentagem de população urbana (12,5%) e, na viragem do século XIX para o século XX, o penúltimo.
Quando se deu a reforma administrativa de 1835, com a criação dos distritos, o distrito de Bragança tinha 3,8% da população continental portuguesa. Em 1900, mantinha-se nos 3,7%, para descer a 3% em 1930, a 2,8% em 1960 e fixar-se em 1,3%, de acordo com o último recenseamento geral da população.
Já o Concelho da capital administrativa vê o seu peso aumentar, principalmente na segunda metade do século XX – em 1864 vivia aí 16,3% da população do Distrito, percentagem que praticamente se manteve inalterável até 1970. É certo que Bragança foi das cidades oficialmente consideradas das mais pequenas da rede urbana nacional ao longo do século XIX (contava com 3 151 habitantes em 1801, como já referimos, 5 511 em 1864, 5 839 em 1890) e no século XX também não mostrou grande dinamismo urbano. Só em 1930 ultrapassa os 6 mil habitantes – 2 816 homens e 3 273 mulheres. Em 1950, tem 8 818 habitantes, mas na década seguinte vê diminuir ligeiramente a sua população, resultado da forte emigração que marca esta época. No início da década de 1970, aproxima-se dos 10 mil habitantes e só em 2001 adquiriu o estatuto de "grande cidade" no contexto nacional, quando superou a barreira dos 20 mil habitantes. É a partir de então, mas sobretudo depois de 1981, que se nota o seu efeito polarizador em termos regionais. Em 2011, os residentes de Bragança ultrapassavam timidamente os 23 000, representando 17% da população do Distrito (Quadro n.º 20).
Não podemos esquecer que o Norte Trasmontano foi duramente penalizado pela crescente mobilidade interna e a intensificação do fluxo emigratório, principalmente na segunda metade do século XX.
No entanto, nos anos oitenta do século passado, verificou-se um movimento de mobilidade interna que beneficiou os núcleos urbanos das regiões do interior. Como consequência de tal fenómeno, estes núcleos passaram eles próprios a constituir-se como polos atrativos, o que fez crescer a sua importância a nível regional. Se em 1981 viviam na Cidade de Bragança 40,1% da população do Concelho, esse número chega aos 60,6% em 2001 e aos 65,3% em 2011, o que revela o acentuar da tendência de esvaziamento das freguesias rurais, processo que também podemos observar noutras regiões do interior do País. Portanto, nesta região transmontana o crescimento populacional privilegiou as populações com características urbanas, pelo menos desde a segunda metade do século XIX.
Na verdade, neste período, as populações urbanas aumentaram 29%, enquanto o crescimento da população rural se cifrou nos 15%.
Apesar das vicissitudes locais, a Cidade de Bragança continuou a crescer, ou a decrescer menos, relativamente aos restantes espaços concelhios, mesmo em períodos de declínio populacional. Esta influência acabou por se refletir na dinâmica do próprio Concelho, quando comparada com os outros concelhos do Distrito. A análise do crescimento anual médio nos diferentes concelhos do Distrito de Bragança na segunda metade do século XX é reveladora do impacto dos movimentos migratórios na dinâmica das suas populações. Depois de 1960, a generalidade dos concelhos vai registando crescimentos negativos, ainda que em alguns momentos haja uma inversão desta tendência, e nos últimos vinte anos apenas o Concelho de Bragança mantém um crescimento contínuo.
A análise das taxas de crescimento anual médio da população recenseada no Concelho de Bragança, ao longo dos últimos 147 anos (Quadro n.º 21), comprova as fases diversas por que passou esta região e que seguem na generalidade as tendências nacionais e distritais, ainda que com intensidade diferente.
Depois de atingida a estabilidade política e económica, o Portugal de meados de Oitocentos iniciou uma fase de crescimento populacional progressivamente acelerado, que só a crise de 1914-1918 interrompeu. Durante esse longo período, tornar-se-á cada vez mais estreita a ligação entre aumento demográfico e desenvolvimento económico, sendo que este último aparece muito dependente dos avanços da industrialização, acabando por se converter num fator responsável pelo acentuar das diferenças regionais, ao contribuir para a fixação ou repulsão de parte da população aí residente, sobretudo a jovem. Os fenómenos da emigração e das migrações internas generalizaram-se e marcaram vincadamente o crescimento da população do Concelho de Bragança e seu Distrito (Gráfico n.º 1 e Quadro n.º 22).
Entre 1920 e 1950, registaram-se os valores máximos do crescimento populacional português, embora limitados a partir de meados da década de 1940 pelo retomar da emigração, desta feita acompanhada pela diminuição dos saldos fisiológicos. O Concelho de Bragança atingiu precisamente o valor máximo da sua população em 1950. As décadas de 1950 e 1960 foram as mais penalizadoras e nem o crescimento natural elevado (Quadro n.º 22) conseguiu evitar um crescimento negativo entre 1960 e 1970.
A partir dos anos de 1980, as migrações internas adquiriram uma crescente importância em termos locais, o que pode explicar que, apesar de o Distrito ter continuado a registar um crescimento anual negativo, o Concelho perde menos população e cresce mesmo no final do século XX e na primeira da década do século XXI, muito por causa do efeito da Cidade como polo de atração, como já apontámos. Aliás, o País que surge dos resultados do último recenseamento reflete a continuidade das assimetrias litoral/interior, com um interior que perde população, ainda que seja possível observar a permanência de alguns centros de média dimensão que mantêm algum dinamismo e, por isso, um importante papel na organização regional. É o caso de Bragança, que juntamente com Vila Real, são os únicos concelhos do interior Norte que conheceram uma taxa de variação positiva (Quadros n.º 21 e n.º 22).
Podemos, portanto, dizer que, desde muito cedo o Concelho de Bragança, como aliás toda a região trasmontana, foi sobretudo uma região de saída, tanto para outras regiões do País, como para outros países. Aliás, a região norte é tradicionalmente local de origem da emigração para a Europa. Magalhães Godinho refere que, em 1969, cerca de 77% dos portugueses que foram para França eram provenientes precisamente das regiões situadas a norte da cordilheira central. E na Encuesta Nacional de Inmigrantes [2007], os imigrantes portugueses inquiridos são maioritariamente oriundos do Norte do País, sobretudo do Distrito de Bragança, tendo como destino preferencial as comunidades das Astúrias, Castilla y León e Navarra56. A persistência deste contexto poderá estar relacionada com os modelos de desenvolvimento adotados em Portugal, que não têm conseguido atenuar os desequilíbrios regionais.
Este perfil migratório torna-se visível quando analisamos indicadores como as relações de masculinidade nos grupos etários dos 20-24, 25-29 e 30-34 anos, idades em que mais frequentemente os indivíduos migram à procura de melhores condições de vida. A observação deste indicador entre 1801 e 2011 é revelador de períodos em que o seu valor é inferior à igualdade, testemunhando, assim, a saída privilegiada de indivíduos jovens do sexo masculino, uma vez que existem mais mulheres que homens nessas idades, circunstância também percetível na pirâmide etária de 1960.
Através dos resultados do Quadro n.º 23, é possível avaliar da dependência do Concelho de Bragança face às diferentes conjunturas por que foram passando os fluxos migratórios portugueses.
Esta realidade também pode ser constatada nos valores da taxa de crescimento anual migratório (Quadro n.º 24). A tendência é sempre negativa, à exceção das décadas de 1920 e 1930, quando os fluxos emigratórios abrandaram devido à Segunda Guerra Mundial, e na década de 1980, devido ao regresso de emigrantes e de portugueses que chegaram das ex-colónias. Entre 1991 e 2011, há uma inversão da tendência que se deverá principalmente, como já notámos, ao papel desempenhado pela Cidade face às áreas rurais envolventes, uma vez que a vinda de imigrantes não deverá ter sido muito significativa em termos globais.
continua...
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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