Chegando ao local, não há esperas nem demoras que, se fosse a sério, as horas “eram de merendar e não de trabalhar”. Os mais velhos atiram-se então ao trabalho com uma força que espanta os que ali foram ver como eram então as segadas. Reclamam das foices que estão pouco aguçadas e apontam que era preciso “picá-las” para cortarem melhor. Pouco aguçadas para cortar o feno até poderiam estar, mas logo houve quem se cortasse num dedo por falta de experiência. “Era novato”, espalharam logo pelo campo, rindo da imprecaução. Nada que não estivesse previsto pois depressa se arranjou um penso rápido que resolveu o assunto sem mais demoras. Por volta das 11 horas da manhã ainda não se avistava o final do campo. Outros tempos. Antigamente, vão recordando, até no campo se dormia para iniciar mais cedo porque era trabalho que “moía o corpo” sobretudo quando o calor apertava e o sol queimava dando à pele um tom escurecido e velho, bem diferente do bronze das praias do litoral português. E cantava-se, cantava-se muito. “A comer e a cantar basta começar”, já diz o ditado, e basta também que um puxe pela voz e comece a entoar uma moda, para logo outros se juntarem. É D. Leonor que começa mas só dois ou três se lhe juntam. Mais tarde, à conversa com o Mensageiro, D. Leonor confessou que já se lhe “varria a memória” mas havia duas ou três modas que ainda sabia de início ao fim. Aprendeu-as com a vizinha que trabalhava em Bragança e com os cegos que iam pela aldeia. Eram “modas” tristes as da segada mas “aliviavam o trabalho”.
“Depois da segada, juntávamo-nos em ranchos e vínhamos cantando”, recorda D. Leonor. E cantava-se às tardes, ao lavrar os campos, e à noite, nos “fiadeiros”, momentos em que as pessoas da aldeia acendiam fogueiras e se reuniam para contar histórias, adivinhas e “modas” novas. Hoje em dia é com admiração que D. Leonor constata que “já ninguém canta”. “A gente anda triste”, observa, apontando que o egoísmo humano como explicação para a “depressão nacional”. “As pessoas têm tudo, têm melhores condições, mas há mais maldade”, considera. Da mesma opinião é Raul Tomé, dirigente da Associação Recreativa e Cultural da Lombada. Apesar de ser bastante mais novo, ainda se recorda de, em criança, andar com os pais nos campos assim como tantos outros.
Também o vinho era melhor, que as vinhas andavam mais cuidadas, assim como os campos. Depois ficávamos a cantar e a dançar, era uma alegria”, recordam. A conversa aviva-lhes a memória e vão contando histórias: “Uma vez fui buscar de beber e esqueci-me da foice”, diz uma, enquanto outra pergunta se ainda se lembra do que diziam os segadores quando as mulheres demoravam a trazer a merenda ao campo. “Quem as pagava era o padre. Diziam logo que tínhamos ficado à missa”, contam sorrindo. Depois de segado e “carrejado”, o cereal era separado para ir para os moinhos. Só por volta do mês de Novembro é que as famílias tinham farinha e começavam a cozer o pão em casa. Hoje já ninguém coze o pão e os moinhos servem apenas para visita. Também são poucos os que ainda têm animais para os trabalhos agrícolas e menos ainda os que continuam a preservar o espírito de comunitarismo.
Desenvolvimento levou tradições:
A saída em massa das populações rurais para outros países, à procura de melhores condições de vida, acabou por deixar as aldeias desertas. Entretanto e apesar de tardiamente, chegou a luz eléctrica, os automóveis e as máquinas agrícolas. Os trabalhos do campo passaram a ser mais facilitados, os bailes passaram a ser animados pelos conjuntos musicais e em vez dos “fiadeiros”, as pessoas passaram a reunir-se em casa, em volta do rádio ou da televisão. A região desenvolveu-se, a qualidade de vida aumentou, mas perderam-se valores como o comunitarismo e a entreajuda. É por isso que o dirigente da associação local considera que, cada vez mais, faz sentido continuar a realizar o Festival de Cultura e Tradição da Lombada, embora acredite que, para gerações mais novas, seja cada vez mais difícil compreender o lado afectivo e sentimental que está em causa. Não são saudades da dureza do trabalho ou da pobreza. Não são saudades dos tempos em que ficavam isolados pelos nevões que caiam no Inverno e se infiltravam pelos telhados das casas de pedra. Os visitantes de Lisboa, Aveiro, Felgueiras, da vizinha Espanha e os mais novos podem não compreender, ainda. Os jovens da aldeia, enquanto observam, falam antes dos shoppings das grandes cidades, iludidos pelos “neóns” brilhantes e os gigantecos arranha-céus. São esses jovens que possivelmente irão também partir, em busca de uma melhor vida, como outros, antes. Pela aldeia de Palácios, como em tantas outras, vão ficando os mais velhos, com as recordações que, a não serem preservadas, também um dia se perderão.
Por: Carla A. Gonçalves
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