Recuperar a música tradicional e popular do Nordeste Transmontano através da tradição oral, procurando aproximar o passado e o presente, são os objectivos do Centro de Música Tradicional Sons da Terra, localizado em Sendim, no concelho de Miranda do Douro. Uma iniciativa com 11 anos e que tem feito renascer «as cantigas de embalar e os bailes no terreiro depois da missa» em muitas aldeias transmontanas, como conta Mário Correia, director e fundador do Centro.
Foi em Setembro de 2001 que Mário Correia decidiu partir, sozinho, em busca de memórias orais e colectivas das populações transmontanas. Primeiro, começou por definir um programa de gravações dos velhos gaiteiros do Nordeste Transmontano, através «de trabalho de campo, recolha de informação, conhecimento das épocas festivas e a familiarização com os ambientes».
E a frase que escolheu para colocar à entrada do Centro, revela Mário Correia, «ilustra bem o que se pretende com este trabalho»: «“quem não semeia o progresso faz morrer a tradição”. Porque é fundamental fornecer estes testemunhos e chamar a atenção das pessoas para este património».
O trabalho do Centro de Música Tradicional Sons da Terra passa por recuperar músicas tradicionais, de gaiteiros, tamborileiros e de tantos outros tocadores e de cantares, e ao longo de todos estes anos, com a ajuda do filho, que trata a parte de edição de som e vídeo, Mário Correia tem conseguido recolher um espólio considerável na região transmontana.
Conta o responsável que o projecto tem também prosseguido no trabalho de recolhas musicais da tradição oral (incidindo fundamentalmente sobre o Nordeste Transmontano mas também pelas restantes regiões do Norte de Portugal), bem como tem levado a cabo acções de dinamização das associações locais. «Depois de todo esse trabalho passamos ao registo de edições discográficas e bibliográficas».
As gravações, refere, servem para que «se olhe o passado» e ao mesmo tempo «disponibilizar esse trabalho às novas gerações, para que elas o possam trabalhar e actualizar e dar seguimento à herança».
Do programa inicial de recuperação do trabalho dos gaiteiros transmontanos, este projecto «estendeu-se a outros tocadores, passou as linhas de fronteira até às terras de Castela e Leão, porque há repertórios comuns. Felizmente que a música, ainda é das poucas coisas, que não usa passaporte», acrescenta.
Com essa transposição territorial, Mário Correia adianta que surgiu a necessidade de estudar os instrumentos, contribuir para a sua valorização, perceber o seu fabrico, e, «numa fase posterior, entender a sua padronização, e investigar fundos documentais, como a recolha de fotografias e textos».
E recorda a importância para as populações transmontanas «de terem na sua aldeia um gaiteiro a tocar e a fazer um lançamento de um disco, coisa que há anos não acontecia».
A importância de «conservar» tradições:
Mário Correia afirma que as câmaras municipais «teriam um papel importante na divulgação deste património, se compreendessem que esta auto-estima é fixadora de pessoas e contribui para a dinâmica das terras do interior transmontano».
E destaca o desenvolvimento registado com o estudo deste património musical: «nas aldeias houve uma revalorização das festas e as gaitas voltaram a ser moda um pouco como aconteceu com as concertinas no Minho».
A juntar a isso «há muitas pessoas que vão às aldeias, há mais festas locais, criaram-se vários encontros sobre as temáticas da música tradicional transmontana, há festas de gaitas, rondas de adegas e de aldeias».
E o mais importante, considera Mário Correia, «é que independente do contributo para a fixação desta memória, é o facto de as pessoas sentirem que é importante conservarem estas tradições. E foi bom voltar a ver as pessoas a ensinarem as cantigas de embalar ou a bailar outra vez no terreiro depois da missa».
Quanto ao risco de perda deste património singular, o responsável do Centro garante que «estamos no fim de um período que era de transmissão de geração por via oral. Bastava viver-se numa aldeia para se aprender. Hoje já não é possível. E esta recolha serve para manter esse legado geracional».
Nas instalações do Centro de Música Tradicional Sons da Terra encontram-se permanentemente exposições sobre gaiteiros, tocadores populares bretões de biniou koz (gaita bretã) e tocadores tradicionais do Norte de Itália.
A divulgação do património:
O Centro de Música Tradicional desenvolve também um vasto leque de actividades, que vão desde os cursos e a formação, passando pela organização de festivais, colóquios, conferências e concertos (dá alguns exemplos) - sendo, contudo, uma das suas principais vocações o tratamento, catalogação e disponibilização de recolhas sobre as tradições transmontanas, através de um conjunto de materiais (sons, filmes e documentação variada).
Entre os eventos mais conhecidos do Centro estão o Festival Sons da Terr, o Festival Intercéltico de Vizela’, o Festival Intercéltico de Sendim, o Congresso da Gaita de Foles e as Jornadas de Música Tradicional Mirandesa.
Mário Correia informa ainda que o acervo se divide pela biblioteca do Centro (com cerca de dois mil volumes, directa ou indirectamente, em torno da temática da música tradicional, portuguesa e europeia) e pela fonoteca (com quatro mil discos, cerca de 200 horas de recolhas musicais da tradição oral, além de filmes e arquivos documentais fotográficos).
Entre os trabalhos recolhidos, Mário Correia destaca «Cantigas Sem Tempo: Cantos Polifónicos do Baixo Minho», recolhidos em S. Pedro de Rates e Póvoa de Varzim; «Ecos do Passado. Vozes do Futuro: recolha de literatura oral dos Concelhos de Vinhais e Chaves», da autoria de Celina Fernandes; «Os Doces da Tia Rosa/Ls Doces de la tie Rosa: Recolha da gastronomia mirandesa», da autoria de Carla Lobo, em edição bilingue (português e mirandês); «Lhonas, Lindianas, Sacadielhas, Cuntas de l Camino i outras cuntas», um livro escrito em mirandês (incluindo um CD com a leitura de parte do mesmo), por Carlos Ferreira; «Las Fraitas: Recolha do repertório dos tamborileiros mirandeses », por Aureliano Ribeiro, Ângelo Arribas, Célio Pires e Abílio Topa; e «Heranças Gaiteiras: Recuperação do repertório do gaiteiro», por António Fernandes (Urrós, Mogadouro, 1899-1988).
O espólio do Centro é composto por registos recolhidos pelo mesmo, por investigadores da região que se têm dedicado ao estudo da tradição oral, por registos orais e paisagens sonoras de arquivos de várias associações e pelo trabalho de novos grupos de gaiteiros e tamborileiros da região
O projecto tem contado com o apoio institucional e financeiro da Câmara de Miranda do Douro e do Ministério da Cultura.
Mas o destaque vai para o apoio que a autarquia presta ao centro desde 2009 aos seus planos anuais de edições discográficas, mediante aquisição firme de exemplares, reduzido em 50% pelo actual executivo municipal.
Há ainda acordos de colaboração com instituições universitárias de Salamanca e de Valladolid referentes a projectos de cooperação transfronteiriça com relevância cultural.
Ana Clara
in:cafeportugal.net
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