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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Património - «O nosso país tem descurado o legado da cultura imaterial»

Alexandre Parafita, docente na Universidade de Vila Real de Trás-os-Montes (UTAD), lançou recentemente o alerta sobre o risco de perda de um património imaterial específico em Portugal, como lendas, lugares de memória e rituais esquecidos e que resistem sobretudo nas regiões rurais do Interior. «Desaparecendo os seus intérpretes naturais, este património extingue-se pura e simplesmente», lamenta o autor da obra «Património Imaterial do Douro - Narrações Orais».
O especialista e investigador na área do património cultural justifica as suas preocupações com as «alterações céleres do modo de vida moderno», o abandono da vida rural e «o desenraizamento das novas gerações» em relação às suas referências culturais e que considera «agravadas com o desaparecimento das franjas da população que se têm assumido como «guardiãs da memória e da cultura imaterial».

Muitos desses intérpretes, a que Alexandre Parafita designa por «tesouros vivos do património» são pessoas bastante idosas, residem em lares de Terceira Idade e «irão levar com eles, quando partirem de vez, o saber e o conhecimento que trouxeram das gerações precedentes». E dá exemplos: «Veja-se como muitas das lendas estão ligadas a topónimos, a lugares de memória e a rituais hoje esquecidos, transformados ou extintos, pelo que, desaparecendo os seus intérpretes naturais, este património extingue-se pura e simplesmente».
Alexandre Parafita refere que é nas regiões rurais do Interior que este património está mais activo. «Os meios urbanos estão descaracterizados a todos os níveis. Nos meios rurais é onde resiste todo um conjunto de manifestações associadas a rituais festivos, às crenças do sobrenatural, à mitologia popular, aos cancioneiros e romanceiros, danças e jogos tradicionais, medicina popular», explica.
E lembra que é também nos meios rurais que persistem «as interpretações da memória oral sobre a história e o património monumental e arqueológico, que tantas vezes funciona como o único guião para hoje se poder chegar a muitas descobertas valiosas».
E não hesita em considerar que «o nosso país tem descurado o legado da cultura imaterial». Recorda, por isso, que «o Governo não mexeu uma palha quando, há dois anos atrás uma equipa de estudiosos galegos e portugueses, propôs fazer um trabalho exaustivo com vista a uma possível classificação deste património» junto da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)», critica.
«A modernidade é implacável»:
O professor da UTAD recorda que os trabalhos agrários e os ritos de religiosidade alteraram-se e, com eles, toda a literatura oral que os ritmava.

«Contra isso nada a fazer. A modernidade é implacável». Contudo, sublinha que isso não invalida que se possam recuperar em pólos museológicos todos os testemunhos activos, ou a realizar os ritos solsticiais e outros que possam integrar os mais novos «nesta energia identitária».
«Para além disso tudo, é essencial realizar as pesquisas criteriosas e os estudos necessários sobre esta riqueza que se vai perdendo. Sem ela, a nossa sociedade está a definhar culturalmente, embora mantenha uma aparência ilusoriamente culta», acrescenta.
E dá mais exemplos: «nos dias de hoje, os meios políticos, urbanos, mediáticos, usam correntemente expressões como “não sair da cepa torta”, “aqui é que a porca torce o rabo”, “nem sempre diz a bota com a perdigota”, “todos ao molhe e fé em Deus”, “tirar o cavalo da chuva”, “trazer água no bico”, “cair no conto do vigário”, “burro morto, cevada ao rabo”, “salvar a honra do convento”».
«E quantas pessoas é que conhecem a origem destas expressões?», questiona, lembrando que estas saíram de lendas e contos populares que o povo bem conhece e que estão a perder-se com o desaparecimento dos narradores da memória.
«Criou-se o hábito de que tudo tem de ser feito à custa da carolice de alguns. Mas não pode ser. É preciso visitar aldeias, lares de terceira idade, registar testemunhos, fotografar espaços naturais e culturais da paisagem, lugares de memória, e criar, por exemplo, roteiros de lugares de memória para um turismo cultural emergente», sintetiza.
E lamenta que os museus não tenham meios financeiros para trabalhos desta natureza. «E isto só acontece em Portugal, pois em outros países não é assim. Basta ir aqui ao lado, à vizinha Galiza, onde o panorama é radicalmente diferente. E não se pense também que, ao ser classificado o fado como Património Mundial, se resolve alguma coisa do que lhe disse. O fado tem a importância que tem, mas representa uma cultura marcadamente urbana e alfacinha, e está de boa saúde, com a salvaguarda assegurada pela proliferação de casas de fado e dos novos fadistas que abraçam a carreira», critica.
Sobre o papel do Estado português, Alexandre Parafita lamenta que a cultura «seja sempre o elo mais fraco na cadeia de prioridades». «Quando é preciso cortar, é logo na cultura que se começa. É sempre uma dor mais silenciosa. E quando se trata de um património intangível, frágil nos seus suportes, mesmo que nele more a alma e a identidade de um povo, ainda mais fácil é ignorá-lo e destruí-lo», lastima.
E acrescenta que Portugal vive tempos «muito desanimadores. É triste termos de reconhecer que o regime de Salazar fez mais pelo património imaterial que qualquer dos governos democráticos. Deu todas as condições a Leite de Vasconcelos, nos anos 30 do século passado, para que realizasse a obra monumental que levou a cabo no país e que lhe permitiu fazer o vasto levantamento da nossa Etnografia», frisa.
Nesta linha de raciocínio, termina, questionando: «que seria hoje da nossa memória cultural se esse trabalho não existisse? Deu todas as condições a etnólogos como Pires de Lima para que erguessem o Museu de Etnografia e História do Douro Litoral que fez a recolha de milhares e milhares de documentos e testemunhos de património imaterial de que as várias dezenas de volumes das revistas “Douro Litoral” e “Revista de Etnografia” são um excelente repositório. E hoje? Nos últimos anos? Que condições são dadas aos investigadores, aos etnólogos, para fazerem o trabalho que é urgente realizar?», conclui.


Ana Clara
in: cafeportugal.net

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