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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Um inverno - terceiro dia


A noite chegou depressa. O frio que se fazia sentir, anunciava geada. O meu avô colocou mais um pau na lareira e atiçou o lume. Eu e a minha avó lavávamos a louça do almoço. Uma bacia com água e detergente, outra com água limpa para a passar. Convém dizer que a água tinha sido aquecida no lato, o que para mim era muito estranho. 
A minha tia e o meu avô conversavam sobre o azeite produzido nesse ano. A avó Maria já se tinha escapulido. 
"Ó de casa?" "Quem vem lá?" "Sou o Graciano, venho ver a Maria." "Entra rapaz, entra!"
Ao ouvir falar em mim, deixei a louça e vim ver o sobrinho da minha avó. Era um homem pequeno, rijo, dos muitos trabalhos a que a vida o tinha obrigado. Desde tenra idade, órfão de mãe que o pai nunca o conheceu, trabalhou como criado em algumas casas mais abastadas, cresceu, casou, teve sete filhos e nenhum sobreviveu. Perdeu a mulher, pensou desistir mas, o amor da tia conseguiu trazê-lo de volta à vida, à terra.
Desde então trabalhava o pouco que tinha e sobrevivia. Ajudava e era ajudado pela minha avó. Era bastante mais velho que a minha mãe que considerava irmã.
Viu-me e abraçou-me como quem não lida com afectos há muito tempo, sem jeito, atabalhoadamente. Falava muito e eu não entendia nada. O calão funcionava como uma bengala, o que me escandalizava. Nunca me consegui habituar a este jeito de ser do povo das nossas aldeias. 
"És quase tão bonita como a tua mãe, c... a tua mãe era a rapariga mais pimpona destas aldeias todas ao redor, c..."
Bem, pelo menos fiquei a saber que a minha mãe fora uma bela rapariga, pesem embora as palavras mais castiças que usava com esmero. 
"Queres um copo, Graciano?" "Se mo dá, não digo que não, c..."
Lá bebeu o seu copito de vinho, perguntou pelos meus pais e irmãos e prometeu voltar amanhã com um "cibo de lombo da adóba dos salpições." 
"Amanhã não Graciano, vamos pra Bragança." - diz a minha tia. "E quando vindes?" "Na quinta." "Então será na quinta..." 
Despediu-se. Fez-se silêncio. O silêncio é bom.
"Ó de casa?" "Entre tia Engrácia." "Estou zangada convosco, que ainda não me fostes ver!" "E tempo? Isto, por causa da garota, tem sido um corrupio".
"Então Maria, como estás filha? Viste a minha rapariga antes de vir?" "Sim. Ela mandou-lhe uma lembrança. Vou buscá-la."
Saí, aliviada por poder tomar fôlego por breves segundos. De imediato me arrependi ao receber no corpo um frio tão denso que quase me paralisou. A casa estava bem feita, tinha paredes grossíssimas, janelas com vidros e portadas mas, mesmo assim, a aragem era quase palpável. Enchi-me de coragem e continuei para o meu quarto a fim de ir buscar a encomenda da tia Engrácia. Abri a mala e depressa a encontrei. Já mal sentia as mãos de tão geladas que estavam eu, que me considerava uma pessoa com boa resistência ao frio.
No lar, falavam animadamente. Apercebi-me que combinavam a matança do porco para sábado, logo a seguir ao Ano Novo. Lá ia participar num ritual de inverno que já conhecia de tantas vezes o ouvir contar aos meus pais.
Longe da terrinha, as lembranças são mais vívidas, tão nítidas que o seu relato se revela um filme que visualizamos na perfeição.
Estava cansada. Tinha comido uma sopa e um pedacinho de pão com chouriça e uma maravilhosa maçã que, mesmo enrugada, sabia a mel, a sol...
Abriu-se-me a boca. O lume estava quase apagado. "Até amanhã para todos. Durmam bem."
"Tu também. Se precisares de mais um cobertor diz." "Não, que quase não me consigo mexer.
Findo o terceiro dia, aguardo, ansiosamente, que venha o próximo.


Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

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