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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 1 de setembro de 2012

A barragem que venceu lobos e uma paisagem protegida

Depois de vários chumbos nos Estudos de Impacte Ambiental, a Barragem de Veiguinhas, Bragança, teve o "sim" do Governo. E há quem fale em atentado ambiental
Olhando para o vale encaixado de Veiguinhas, onde em breve poderá ser construída a nova barragem para abastecimento de água a Bragança, dificilmente se adivinha o elevado valor ambiental que preserva.
"A importância natural de um ecossistema nem sempre se vê", alerta José Castro, professor no Instituto Politécnico de Bragança, doutorado em Ciências da Paisagem. É ele o nosso guia até ao local que, de há 15 anos a esta parte, aparece na imprensa sempre que a falta de água no concelho vem à tona.
Desde 1997 que a Câmara Municipal de Bragança (CMB) tenta construir aqui uma barragem, com a qual pensa resolver todos os problemas de falta de água à população do concelho (na cidade, nunca faltou).
Até março deste ano altura em que o atual secretário de Estado do Ambiente, Pedro Afonso Paulo (com cargos em três empresas ligadas às Águas de Portugal no currículo), deu parecer favorável ao projeto, a história de Veiguinhas chegava a ser monótona, de tão repetitiva.
Houve quatro Estudos de Impacte Ambiental chumbados e outros tantos não chegaram sequer à fase final do processo, por não cumprirem os requisitos. Num daqueles estudos, o de 2005, Veiguinhas mereceu apreciação desfavorável, mas o então secretário de Estado do Ambiente de Durão Barroso, Jorge Moreira da Silva, dava o aval a outra solução apresentada a captação de água na vizinha albufeira do Azibo, em Macedo de Cavaleiros. Com uma decisão que a CMB não seguiu, mas que as vozes que se opõem à construção da barragem não esquecem. Já lá iremos...
Por agora, diga-se que a luz verde do Governo à barragem não pôs um ponto final na polémica. Nas instâncias políticas e judiciais, tudo parece divergir do sossego absoluto que às dez da manhã de uma sexta-feira se respira em Veiguinhas.
A Quercus interpôs, em junho, uma providência cautelar tentando impedir que as obras avancem, sem antes ser julgada a Ação Judicial com que tenta anular a Declaração de Impacte Ambiental favorável. Entretanto, no fim de julho, o Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, entregou ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela uma declaração em que alega interesse público na construção da barragem, tentando assim retirar efeito à referida Providência.
COINCIDÊNCIAS... Mas, afinal, o que é que Veiguinhas tem que não se vê? "Neste local, o grande valor é a dimensão do terreno não perturbado.
Torna-se um corredor importantíssimo para o lobo ibérico", explica José Castro, olhando em volta uma natureza praticamente virgem de "pegadas" humanas. Se Veiguinhas avançar, prossegue, o lobo não será a única espécie ameaçada a ver o seu habitat alterado: "A toupeira de água vive sobretudo em rios secundários e terciários, sobre os quais a barragem será construída ", lembra o professor.
O Parque Natural de Montesinho (PNM) estende-se ao longo de 75 mil hectares.
No centro de toda a polémica está precisamente um dos locais mais protegidos de todo o perímetro. O Plano de Ordenamento do Parque classifica-o como "área non aedificandi"; a fauna e os habitats prioritários são protegidos por legislação comunitária e nacional.
João Branco, da Quercus, não entende o que mudou para que o projeto seja agora aprovado: "Os lobos, os veados, as toupeiras de água continuam lá, tal como o resto da fauna e flora protegidas". Para ele e para a Associação Nacional da Conservação da Natureza, que representa, há interesses escondidos. Branco prefere usar a ironia e falar em "coincidências". Refere-se ao facto de o novo empreendimento ir "permitir desviar água do rio Sabor para a barragem de Serra Serrada" e, com isso, "aumentar a produção de energia elétrica " da barragem já existente.
O ambientalista estranha o "discurso de dramatização" do Presidente da CMB: "Se a questão da falta de água é tão urgente porque não realizou a solução (do Azibo) apontada logo em 2005?", deixa no ar.
ESTUDOS INSUFICIENTES? Jorge Nunes, o autarca, defende-se. "O Azibo era uma solução inviável. Implicava um investimento inicial de 30 milhões de euros e grandes gastos energéticos de origem fóssil (por ter de se recorrer a um sistema de bombagem), que fariam subir a faturas de eletricidade. Além de que iria impor condicionantes ao fornecimento de água a Macedo e Mirandela, que já são abastecidas por essa albufeira", diz. Veiguinhas "ficará por 10 milhões de euros". [O EIA, porém, situa a diferença entre as duas opções em apenas 12 por cento].
E quanto à produção de energia elétrica? "O projeto é estritamente dedicado ao abastecimento público de água", afiança o autarca. E desvaloriza os ganhos com Serra Serrada: "Não têm expressão". Fazendo contas de cabeça, estima que no último ano tenham rendido 250 a 300 mil euros aos cofres municipais. Para Veiguinhas ser rentável a esse nível, "ter-se-iam de construir mais condutas", avança.
Já o ex-presidente das Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro (ATMAD) que, durante nove anos (a partir de 2000) acompanhou de perto o processo, tem opinião diferente. Alexandre Chaves considera que a nova barragem vai aportar "valores significativos à CMB, com benefício também para a ATMAD".
Em entrevista telefónica à VISÃO, fala no assunto com naturalidade: "Se existe já um sistema montado, por que não aproveitar a água de Veiguinhas para produzir também energia elétrica?", interroga.
O ex-dirigente não tem, porém, dúvidas de que esse é o "grande problema do projeto e dos chumbos". Havendo "necessidade de abastecer água a Bragança, o que fazia confusão ao Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) era que ao longo do percurso essa água pudesse produzir energia".
Em resposta às questões enviadas pela VISÃO, o ICNB limitou-se a enviar um excerto do Parecer da Comissão de Avaliação (CA) do projeto. Tal como em todas as vezes anteriores, desta, o organismo voltou a opor-se ao projeto. Não subscreveu a Declaração de Impacte Ambiental favorável, por considerar que os estudos realizados mostravam "evidências" quanto à "existência de soluções técnicas viáveis fora da Área Classificada de Montesinho".
Perante estas declarações, o gabinete do secretário de Estado do Ambiente, escreve à VISÃO que "foram analisadas todas as alternativas à data consideradas tecnicamente viáveis". Sobre outras alternativas eventuais, refere os "custos" e a "não garantia de armazenamento em situação de estio prolongado".
Nas conclusões do tal parecer, a Comissão de Avaliação é inequívoca. A concretização do projeto escreve terá "impactes negativos, significativos e irreversíveis nos sistemas ecológicos do território afetado ". E a visão do ICNB é corroborada: "Poderão existir outras alternativas viáveis para o reforço de abastecimento de água a Bragança e que carecem de uma análise estratégica e integrada dos recursos hídricos disponíveis na região."
UM ENTERRO SEM GENTE... Já aposentado, António Morais, um técnico superior do ICNB, aceitou comentar o caso à VISÃO. Tal como a Quercus, também ele acha "estranho" o aval político dado ao projeto. Quando lhe perguntamos se vê ligação entre o caso Veiguinhas e a perda de força do Instituto onde trabalhou (que a tutela anexou recentemente às Florestas), diz "parecer óbvia a necessária articulação entre os vários setores e entidades competentes que intervêm no território, para que não se permita a subversão de objetivos e interesses por parte de alguns". Para Alexandre Chaves, o Instituto "morreu sem ninguém ir ao enterro". O ex-presidente das ATMAD acha que "tem de haver um organismo que faça a pedagogia dos valores da natureza com as comunidades, mas nunca contra elas". "Estranho", julga, não é a aprovação de Veiguinhas, mas sim "os chumbos constantes". Na ótica do ex-dirigente, o verdadeiro "valor ambiental" é aquele que Veiguinhas permitirá "um sistema que preserva as águas subterrâneas para a agricultura e cria um sistema de origem sustentada que garante a quantidade e a qualidade das águas às comunidades".
Mas Luís Filipe Fernandes, geólogo, especializado em Hidrogeologia, que fez o doutoramento sobre o Aquífero de Cova de Lua, discorda. Na fase de consulta pública, o também professor no Instituto Politécnico de Bragança contestou o projeto por achar que a barragem não deveria ser construída sem que antes fossem feitos estudos para averiguar as potencialidades de Cova da Lua. O aquífero seria integrado no sistema hidroelétrico já existente como alternativa complementar.
A alternativa que o engenheiro civil Moreno Ferreira sugeriu era outra. Ainda no ativo, apesar dos 90 anos de idade, o engenheiro com escritório em Lisboa, mas origens em Bragança, sugeriu o alteamento do paredão da barragem de Serra Serrada em seis metros: "Permitiria duplicar 100% a reserva de água e resolvia todos os problemas", assegura. "Implica custos menores e menor tempo de execução".
A única desvantagem é que "não garantiria a mesma produção de energia elétrica".
A solução, garante o engenheiro, foi testada por si com sucesso, num caso semelhante na Serra da Estrela onde, há mais de 30 anos, aumentou a capacidade de armazenamento da barragem de Cova de Viriato.
O Governo não aceita esta hipótese por provocar "problemas em termos de estanquidade e estabilidade" e porque "ficava dependente de afluências próprias".
O engenheiro Moreno Ferreira refuta terminantemente as duas afirmações: "São falsas e impróprias de engenheiros", considera.
O tom de voz é de revolta, pelo que diz ser um "atentado contra um parque único na Europa, privando as gerações futuras de conhecer um valioso património ambiental e ecológico".

in:visao.sapo.pt

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