O Verão de 2013 revelou-se negro em matéria de incêndios, com o aumento de área ardida em relação a 2012, bem como a morte de oito bombeiros. Paulo Pimenta de Castro, presidente da Associação de Promoção ao Investimento Florestal (Acréscimo), e Pedro Almeida Vieira, especialista em incêndios, consideram que temos um Estado «negligente» e que «a falta de gestão, a inexistência de prevenção, o abandono do mundo rural e a desorganização e amadorismo no combate» aos incêndios continua a ser o grande problema que se repete de ano para ano.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelou nos últimos dias que, desde o início do ano, foram consumidos pelos fogos mais de 120 mil hectares de território. A área de floresta ardida aumentou (até Setembro) 13% em relação a 2012. Já as ocorrências de fogo diminuíram este ano 11,4%, tendo-se registado, até 15 de Setembro, 16.924 ignições, menos 2184 do que no mesmo período de 2012.
Também ao nível de perdas humanas o Verão de 2013 foi «negro», com as chamas a roubarem a vida a oito bombeiros. No rescaldo dos incêndios deste ano, Pedro Almeida Vieira começa por dizer que já não sabe o que é «um ano negro». «Os sucessivos governos acham que não arder mais de 100 mil hectares é muito bom. Eu acho que é um desastre», diz, lembrando que diversos estudos de especialistas «referem que a viabilidade económica do sector florestal não aguenta mais de 40 mil hectares». Mas o mais preocupante este ano, sustenta, foi a enorme concentração de fogos de grandes dimensões a norte do rio Douro e no distrito de Viseu.
Embora confesse que, mesmo sem analisar em detalhe, os dados deste ano, a ideia que tem é que «os distritos de Bragança e Viseu terão tido um dos piores anos de sempre».
Pedro Almeida Vieira considera que são várias as causas para, mais uma vez, os erros se repetirem: «é a falta de gestão, a quase inexistência de prevenção, o abandono do mundo rural, desorganização e amadorismo no combate». Além da área ardida «que se vai acumulando, andamos infelizmente a “coleccionar” campas de bombeiros feitos “heróis” depois de mortos», frisa Pedro Almeida Vieira.
Por seu turno, Paulo Pimenta de Castro, da Acréscimo, considera que «o que não muda é a abordagem ao flagelo». «Insistimos no acessório, esquivando-nos ao essencial».
O presidente daquela associação afirma que «o desempenho dos vários governos, este incluído, em matéria de política florestal, que é onde se deve centrar a defesa das florestas contra os incêndios (prevenção e combate), tem sido de uma sistémica procrastinação».
Razões? «Por falta de coragem política, incompetência ou servilismo, os governos têm adiado sistematicamente decisões fundamentais neste domínio», não só num domínio mais vasto do que o das florestas, mas «no próprio desenvolvimento rural em Portugal».
«A própria Secretaria de Estado “das Florestas e do Desenvolvimento Rural” tem-se revelado a verdadeira negação do nome que ostenta», acusa o responsável, lembrando que «os governos, por vontade própria ou incompetência, têm apadrinhado interesses particulares de alguns grupos indústrias, em detrimento das famílias, das florestas e do território».
Para Paulo Pimenta de Castro trata-se de um problema de gestão florestal e de negligência do Estado face ao problema. «O designado problema de gestão florestal advém do crescente abandono da administração técnica e comercial de muitas propriedades florestais. É esse o conceito de gestão florestal: a aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos florestais na administração de uma propriedade ou unidade de gestão florestal», afirma.
Todavia, refere que este problema um efeito provocado por uma causa a montante: «a ausência de expectativas de rentabilização destas propriedades por parte das centenas de milhares de famílias que as detêm».
E recorda que de acordo com os valores visíveis nos últimos Censos (2011), este «é um problema que transcende a temática florestal» já que, argumenta, «grande parte das populações rurais não se sustentam nos seus locais de origem, vendo-se obrigadas a migrar para o litoral e centros urbanos, ou mesmo a emigrar».
«Estado democrático negligente»:
E prossegue: «o Estado democrático foi e continua negligente. Não contém o êxodo rural. Não acompanha os mercados, protege interesses económicos externos ao meio rural, interesses esses cada vez mais extractivistas face aos recursos naturais».
Estão em causa, «hoje e cada vez mais, a sustentabilidade dos nossos recursos naturais: as árvores, a demais flora e fauna silvestres, a conservação dos solos, a qualidade da água; fenómenos esses provocados por estratégias empresariais extractivistas, pelo despovoamento do interior e subsequente desertificação».
Sobre o elevado número de bombeiros que perderam a vida este Verão, a maioria, jovens, Paulo Pimenta de Castro afirma que, comparando as situações ocorridas em 2013 com os anteriores, «pode-se suspeitar da má preparação dos voluntários».
«Suscitam-me sérias dúvidas as declarações do presidente da Escola Nacional de Bombeiros a este propósito (que garantiu que todos os bombeiros recebem formação para combaterem incêndios florestais), o que gostaria que fosse auditado por uma entidade externa especializada», vinca.
O dirigente da Acréscimo vai mais longe, dizendo que «não se constatando em auditoria a má preparação dos voluntários, pode-se suspeitar de incompetência das estruturas de comando, o que é ainda mais grave. Esta é uma questão que deveria merecer uma séria e urgente fiscalização». «Até que ponto não se estão a enviar jovens voluntários para o desconhecido, a servirem como “carne para canhão”, por incompetência ou algo pior?», questiona.
Já na área do combate, o responsável diz que «já nenhum de nós tem dúvidas quando à presença de lobbies. A questão aqui é determinar se eles actuam em prol do interesse geral ou de oportunistas».
Sobre a mesma questão, Pedro Almeida Vieira considera que os bombeiros profissionais «bem treinados também arriscam a vida e podem suceder tragédias como este ano no Arizona, em que morreram 19 bombeiros bem treinados». «Não conheço em detalhe todos os casos deste ano, mas não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que numa estrutura profissional e bem treinada o número de mortos e feridos no combate aos fogos florestais seria previsivelmente menor. E a eficácia do combate melhoraria», adianta.
Sobre o pacote legislativo de emergência, anunciado pelo Governo, com vista a assumir a gestão das florestas sem dono conhecido, ou cujo dono não cuide delas, para assim prevenir os incêndios florestais, Paulo Pimenta de Castro está convencido de que tal «não sairá do papel e talvez seja melhor assim».
«O que não falta neste domínio é legislação avulsa e de rápida caducidade, por incumprimento generalizado. Ou por se constatar absurda ou porque o legislador vive em constante estado de procrastinação, adiando sistematicamente a operacionalização dos seus deveres, como sendo a actualização e conclusão do cadastro rústico; a conclusão da regulamentação da Lei de Bases da Política Florestal (passaram já 17 anos depois da sua aprovação por unanimidade no Parlamento); a falta de acompanhamento dos mercados (face aos fortes indícios de concorrência imperfeita); etc.».
Para Paulo Pimenta de Castro, «o problema dos incêndios florestais persistirá sempre entre nós, esse é um facto que temos como certo. O fogo é um componente dos ecossistemas mediterrânicos. A questão é como podem ser atenuados os seus efeitos». E sobre esta matéria, o responsável da Acréscimo refere que há que abordar a questão pelo essencial. «O essencial são as populações rurais, ou as que ainda restam no Interior. O essencial passa por definir e, mais importante, operacionalizar uma estratégia de Desenvolvimento Rural sustentada e sustentável; sustentada na qualidade de vida e na rentabilização da aposta na produção silvícola, a par da agrícola e de outras actividades económicas rurais; sustentável na utilização dos nossos recursos naturais».
Além disso, considera que no combate aos incêndios, entre tantas outras medidas, «o essencial passa pela aposta em mais sapadores bombeiros e menos bombeiros voluntários. Ou seja, em mais enxadas e em menos mangueiras, em mais máquinas de rastos e em menos veículos ostentadores de cromados. O essencial passa por uma abordagem mais pragmática destas questões e de menos oportunismo mediático».
«O fogo é indiferente a pacotes legislativos»:
Sobre o mesmo assunto, Pedro Almeida Vira considera que «palavras leva-as o vento. Não precisamos de legislação, precisamos de acção. Eu diria que se a legislação de gestão e prevenção dos anos de 1970 tivesse sido aplicada, ainda estaria actual e teria bons resultados. O fogo é indiferente a pacotes legislativos», vinca.
Para Almeida Vieira, «a dimensão dos fogos resultam, em muitos casos, na definição de uma prioridade que está errada: as pessoas estão primeiro, é certo, mas depois deveria vir a floresta e não as casas».
«Se fosse implementado um seguro obrigatório para todas as habitações, cujo prémio seria definido em função do risco e da limpeza da envolvente, os proprietários pensavam duas vezes: ou pagavam um valor mais alto pelo seguro por o risco ser maior; ou limpavam a envolvência e diminuíam o risco e, provavelmente, libertariam os bombeiros para o combate ao fogo propriamente dito», considera.
Por outro lado, sublinha, «devia apostar-se de vez na profissionalização do combate aos fogos florestais, através de sapadores com funções também de prevenção nos outros meses do ano. Os bombeiros voluntários ficariam apenas na salvaguarda dos perímetros urbanos», acrescenta.
Sobre a questão do eucalipto (espécie de crescimento rápido), Pedro Almeida Vieira diz que «mais do que os fogos, o eucalipto apenas vai aumentar o processo de desertificação humana e física».
«Este Governo tem feito tantos disparates que este é apenas mais um», acusa, lembrando que a ministra da Agricultura, que também foi do Ambiente, (Assunção Cristas) nem sequer deve saber distinguir um eucalipto de um chaparro». «Gostava de saber o que o ministro do Ambiente, Moreira da Silva, pensa disso», atira.
Ana Clara
in:cafeportugal.net
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