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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

O OURO E A VELHA, por José Mário Leite

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Em Junho de 1974 eu tinha dezassete anos e pouco sabia de mim. Descia a rua Almirante Reis até à Praça da Sé e entrava no Chave d’Ouro para tomar café. O Ernesto acolhia-me com um estranho sorriso “Então meu velho?” e o Alcides atirava-me um aceno. No centro da mesa, aberto, o Mensageiro de Bragança a que familiarmente 
nos referíamos apenas como O Mensageiro. Fazia nesse ano 34 anos de existência (o dobro da minha vida) mas para mim existia desde sempre. Desde que me conhecia.
 A Praça da Sé era, nessa altura e desde sempre também, jurava eu, o centro do mundo. O Chave d’Ouro era o Sanctum Sanctorum, ladeado pelo juvenil Cruzeiro e pelo maduro Flórida. Era no Chave d’Ouro que se reunia a trupe do Mensageiro. Com a minha entrada para o Liceu, vindo do Colégio de S. João de Brito, em 1972, adquiri a faculdade de frequentar este salão térreo em forma de U imperfeito, em que muitas vezes se entrava sorrateiramente pela porta da rua Direita, vindo da Livraria Mário Péricles com um livro escondido, diretamente da secção de Culinária. 
Lembro-me do Alcides trazendo debaixo do braço A Funda do Artur Portela Filho, com capa vermelha onde figurava um busto branco com um buraco no meio da testa. Garantia aquele meu amigo que a edição seguinte sim ia ser “coisa boa de se ver” pois o busto da capa aparecia com a cabeça feita em cacos. O Ernesto chegava com os seus ilegíveis manuscritos, cheio de ideias e projetos. Haveria de me garantir, numa daquelas mesas, que o futuro lusitano era, seguramente, vermelho. Mas isso seria mais tarde, cabeludos, ambos, barbudo e revolucionário ele, eu alaranjando e com uma penugem bigodesca no lábio superior. Havia outros que eu conhecia menos bem, mas cuja fama, talento e importância invejava. Eram do Mensageiro. Estudantes liceais que escreviam, publicavam, faziam teatro, tertuleavam, ensaiavam e dirigiam secções literárias e de cultura. Eu também escrevinhava umas coisas, algumas delas tinham sido publicadas num jornal de Mirandela, fazia e escrevia teatro. Mas não era do Mensageiro. O Ernesto José Rodrigues, que já na altura indiciava claramente a superioridade que o seu brilhante percurso haveria de confirmar, era um dos meus amigos mais antigos. O Alcides informava-me sobre os livros a pedir, em voz baixa, na Mário Péricles. Com o Carlos Pires falava muitas vezes e cheguei a beber uns finos com tremoços. Trocámos ditos sobre o Carlinhos da Sé e o Laribau. Tomei café com o Marcolino e lembro-me de me ter cruzado várias vezes com o Teófilo. Mas eles eram do Mensageiro e eu não. E isso fazia, no auge dos meus dezassete longos anos, toda a diferença.
 Generosamente o Ernesto convenceu-me que eu podia enviar um dos meus poemas para análise na secção de poesia do Mensageiro. E eu enviei. “É velha, muito velha, a minha aldeia / Mais velha que a mais velha das velhas da minha aldeia...” dizia. Foi publicado.
 Corria, estridente, o ano de 1974. Vermelho como o Ernesto dissera. Estourando com todas as convenções como o Alcides previra. Eu alaranjava, cabeludo, arremedo de bigode a enfeitar-me o lábio e tinha dezassete anos. Pouco sabia de mim. Dentro desse pouco rebentava o muito: eu também já era do Mensageiro. A minha velha aldeia fora a Chave d’ Ouro, na mão do amigo de sempre, que abrira a porta para a tertúlia mais importante do Mundo e da Praça da Sé. Que me acolheu de novo, quarenta anos depois, na Biblioteca Adriano Moreira, em homenagem ao mais brilhante de todos: Ernesto José Rodrigues!.

Obrigado velho amigo.

Um abraço! 

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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