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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Um monhé, uma preta, um cigano e uma cega

Pacheco Pereira
Devem ou não as pessoas ser descritas pela sua cor, religião, limitações físicas ou etnia? Esta é uma discussão clássica na comunicação social com dois campos quase sempre definidos, entre aqueles que acham que é racismo designá-los por essas qualidades, e aqueles que acham que é relevante descrevê -los nestes termos. Neste último grupo há duas variantes, aqueles que acham que essa informação é importante, como é o meu caso, e aqueles que acham que assim os diminuem na sua condição. A informação é relevante porque a diferença contém informação e há muita hipocrisia em não dá-la quando ela está diante dos olhos de toda a gente. Parece que estamos incomodados por eles serem o que são.

Depois há uma componente que não é só informativa é cívica e ética. Claro que ser monhé, preto, cigano ou cego é relevante num mundo de caucasianos brancos (ou mais ou menos brancos) mais ou menos perfeitos dos sentidos e supostamente católicos, apostólicos, romanos e sedentários. Sucede que eu fico muito feliz por o Governo ter um monhé, uma preta, um cigano e uma cega, pressupondo que são competentes e dedicados à sua função, a mesma condição que se coloca aos caucasianos brancos, e não sei se algum ariano louro, que possam fazer parte do Governo. Aqui são todos iguais. Mas o Governo fica melhor porque cada uma destas condições corresponde a uma experiência específica e essa experiência enriquece cada um dos que a tem e, nalguns casos, essa riqueza tem directa relevância para os cargos que exercem, noutros não. Torna-os é pessoas diferentes de nós, porque viram outras coisas, sentiram outras coisas, seja de bom, seja de mau, e a última coisa que quero é pessoas de plástico a governar. Já chega e há demais.

“Monhé” é de todas as designações aquela que tem um claro conteúdo pejorativo, mas estou convencido de que é para o lado com que António Costa vive melhor. Filho de goês, e não de um goês qualquer (como se ser goês fosse na nossa história ser “qualquer”), escritor, militante comunista dos dias do risco, transporta consigo suficiente história e memória de outro mundo para isso o tornar diferente. Ele pode não o dizer, ou sequer o ter consciente, mas não há volta a dar, traz.

Quanto à ministra da Justiça, negra e angolana, teve suficiente e, mais que suficiente, contacto, pessoal e familiar, com o que foi o drama da descolonização e o subsequente duríssimo conflito político, para se ter “feito” com essas dificuldades e ter singrado num meio hostil para uma negra como é o português. Sim, porque os portugueses também são racistas, não todos, mas muitos.

No caso da secretária de Estado que é cega, essa é uma experiência que tem directa relevância para o exercício do seu cargo, e talvez por isso a classificação é mais comummente aceite como sendo informativa. Mas já se discutiria o ser cega se o cargo fosse diferente, como se os cegos não pudessem ser bons ministros das Finanças ou da Defesa. O máximo que se pode dizer é que muito poucos cegos chegariam a um cargo desses devido às maiores dificuldades que teriam que vencer quotidianamente.

Homens e mulheres com vida, turbulenta e pouco convencional, vista quase sempre de lado pelo olhar dos imbecis e dos carreiristas, são tudo menos os betinhos yuppies que no conforto das seus berços dourados, ou na ascensão social pelas carreiras das “jotas”, povoam uma parte da nossa vida política. Isto não tem a ver com a esquerda e a direita, mas com o desprezo e a minimização das dificuldades da vida que é natural em quem nunca as teve.

O Prémio Nobel da Economia deste ano, Angus Deaton, dizia isso mesmo quando afirmava que a experiência da pobreza dava olhos diferentes para se ver, compreender e dar importância à pobreza. Não é que todos devam ser pobres, mas quem teve dificuldades olha de um modo geral de forma diferente para as dificuldades dos outros, e isso faz muita falta na vida política demasiado liofilizada dos dias de hoje. Estes homens e mulheres conheceram essas dificuldades por terem cor na pele, serem de uma etnia diferente, ou terem uma limitação nos seus sentidos, e por isso a vida lhes foi mais difícil, e trazem consigo uma coragem especial que está antes da sua vida pública. Não precisam de a nomear, ela existe.

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 04/12/2015)

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