Arrábido, natural de Freixiel, concelho de Vila Flor; nasceu em 1558 e faleceu pouco depois da meia noite que ia para 3 de Agosto de 1648.
O Portugal Antigo e Moderno, artigo «Freixiel», dá como natural desta povoação Frei António das Chagas, provincial dos Arrábidos, a quem chama célebre orador sagrado no seu tempo e escritor místico, mas enganou-se; este de que fala era natural de Lisboa e faleceu aí por 1642, como se vê na Crónica donde tirámos estes apontamentos, no fim citada, parte II, livro I. Frei António das Chagas, de quem aqui falamos, não foi escritor nem orador. Era filho de Lopo Álvares Borges e de D. Brites Coelho, nobres pela sua ascendência, que também tiveram outro filho de nome Diogo da Piedade, igualmente frade professo na ordem da Arrábida, memorado com fama de virtuoso nas Crónicas, bem como seu tio, Frei Francisco de Santo António, ministro provincial na mesma ordem. Estudou gramática em Braga e foi depois moço de câmara de el-rei D. Sebastião.
Havendo desaparecido este monarca em Alcácer-Quibir, desenganado das vaidades do mundo e aconselhado pelo provincial, seu tio, entrou na ordem em 1585.
Em 1584, Gonzaga, geral dos Capuchos, erigiu a custódia do Brasil com o título de Santo António, que depois se dividiu em duas províncias, tendo a segunda o nome de Conceição; mas como a messe era grande e os operários poucos, obtiveram do Papa Xisto V a faculdade de poderem receber frades de todas as ordens que quisessem alistar-se para a conversão daquela gentilidade; para lá partiu, pois, Frei António em 1590, deixando o convento de Alferrara, onde se encontrava ao tempo, aportou a Pernambuco onde foi ordenado de presbítero e exerceu o ofício de porteiro no convento das Neves e depois o de presidente nos vários conventos da custódia de Santo António. Residiu, durante cinco anos, no convento de S. Francisco da vila da Vitória, onde também foi guardião. Durante este tempo teve a seu cargo o culto da capela de Nossa Senhora da Penha, fundada por Frei Pedro Palácios (141) num rochedo que domina a barra daquela capitania.
Em 1604, deixada a guardiania do convento de S. Francisco da Vitória, voltou para a sua província de Portugal, embarcando num navio holandês aportando a Faro, no Algarve, por ser o seu navio abordado e roubado por uns piratas ingleses, que ainda o feriram, e foi depois para o convento de Santa Catarina de Ribamar, para o de Alcobaça, para o de Vale da Figueira e S. José de Ribamar, ocupando as prelazias destes dois últimos; mas os restantes vinte anos da sua vida passou-os no primeiro, sendo os doze derradeiros completamente cego. Foi sepultado na capela-mor, defronte do altar de Nossa Senhora da Tocha, em um carneiro que por acaso se descobriu quando andavam abrindo a sepultura; mas depois, por causa de obras que ali se fizeram, destruiu-se o carneiro e dispersaram-se os seus ossos.
A Crónica encarece muito as suas grandes virtudes e os transportes com que promovia o culto da Virgem, diante da qual bailava, cantava e tocava em arroubos e colóquios místicos; reconhece-lhe o dom profético e o dos milagres, muitos dos quais cita sucedidos com a gente mais luzida do reino, máxime a da corte, que tinha grande veneração pelo nosso frade. A rainha D. Luísa mereceu mesmo que ele lhe sarasse miraculosamente o infeliz D. Afonso VI, mais tarde rei. Mas a coisa melhor que fez neste género foi com o prestígio do seu dom profético animar D. António Mascarenhas e D. Miguel de Almeida, que estavam vacilantes, a entrarem na conspiração de 1640, vaticinando-lhe o bom êxito dela.
Pelo que toca à sua humildade, eis como a Crónica a põe em relevo:
«Todas as noites, diz ella, examinava a consciência e se achava ter comettido alguma impaciencia se arguia e castigava a si proprio, dizendo: – anda asno, não queres ter paciencia, hoje agastaste-te tantas vezes e já que protestas a emenda e a não tens apanha esta bofetada, para que te lembre, e assim de cada falta dava sua bofetada» (142).
(141) JESUS MARIA, José de, Frei – Crónica da Santa Província de Santa Maria da Arrábida…, tomo I, n.° 612. Devia ser homem mui grande no género fradesco, pois a Crónica lhe consagra nada menos que trinta e cinco páginas in-fólio, a duas colunas, e, em câmbio, ao grande escritor clássico Frei Heitor Pinto, que vem no mesmo tomo,menos de duas páginas!!!
(142) Ibidem, tomo I, parte II, livro II, caps. IV a X.
Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança
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