terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Domingos José Afonso Cordeiro

Doutor em medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Natural de Meirinhos, concelho de Mogadouro, onde nasceu a 20 de Setembro de 1856; filho de Francisco Xavier Afonso e de D. Maria Angélica Cordeiro. Fez o curso liceal em Braga. Foi subdelegado de saúde, médico do Hospital de Santa Violante em Matosinhos e presidente da câmara deste concelho, onde faleceu a 4 de Janeiro de 1926. Foi também deputado e senador e grande propagandista republicano durante a monarquia, tendo sido o chefe desse partido em Matosinhos.
Escreveu: O sonambolismo provocado – Dissertação inaugural apresentada e defendida na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Porto, Tip. Ocidental, 1882. 8.° de XXX-114 págs. Colaborou em diferentes jornais, dos quais citaremos: Comércio do Porto, O Debate, de Matosinhos, Primeiro de Janeiro, A Águia e Monitor.
Afonso Cordeiro foi um acérrimo propagandista das grandes obras do porto de Leixões (transformação em porto comercial). A essas obras referiu-se, em 3 de Outubro de 1915, num «Aforismo» publicado em O Comércio do Porto, intitulado «A agonia de Leça», o sr. Agostinho de Campos (que assinava com o pseudónimo de Diógenes):
«Agora está sendo assassinada pelos industriaes e negociantes portuenses, emprehendedores e activos, que juraram transformar em docas e caes, em armazens e em vias ferreas – os rios, estuarios, braços de mar, areaes e praias, estradas e ruellas, da linda povoação... Leça, a Morta – Appetece chamar-lhe assim, quando se pensa que a querem transformar n’uma especie de Antuerpia ou de Hamburgo... Á linda borboleta de poesia e sonho vae suceder em breve o empório do commercio e do transito – a pesada
lagarta util e prática».
Sobre as obras do porto de Leixões escreveu Afonso Cordeiro longos e numerosos artigos nas gazetas, aos quais aludiu pitorescamente numa «Carta a Diógenes» em resposta ao artigo de Agostinho de Campos, acima citado,o meu falecido professor e amigo sr. Joaquim Aroso, filho ilustre de Matosinhos. Recordo alguns passos da aludida carta, que ficou inédita:
«Leça não agonisa, transforma-se. Vai desaparecendo a Leça idilica, a Leça arcadica dos inglezes e dos poetas, mas surge uma nova Leça com fabricas e pescarias e grandes docas em perspectiva, que um nosso amigo quer com capacidade para transatlânticos de trinta mil toneladas e vias férreas que a liguem ràpida e directamente com Calcutá e Pekim... Estranho destino o desta terra: dever o seu impulso progressivo menos aos seus próprios filhos do que aos adoptivos. É a um dêstes últimos que eu devo a fé inquebrantável que hoje tenho na conclusão do pôrto de Leixões e na subsequente grandeza de Leça. As circunstâncias em que essa fé me foi inculcada tornaram-na indelével. Foi ha cinco anos, numa tarde de inverno.
Eram quatro horas. A criada acabava de me dizer que a sopa estava na mesa, quando ouvi bater à porta. Era o moço da farmácia visinha que me vinha chamar do mando de X, grande sonhador perante o Eterno. Objectei timidamente que ia jantar. O rapaz retirou-se, mas voltou pouco depois com nova mensagem: – Que era coisa de cinco minutos. Resignei-me, e, sem mudar de calçado, atravessei a rua e entrei na farmácia. Começavam a cair as primeiras gotas e o cariz do ceu ameaçava um tremendo aguaceiro.
X esperava-me com um maço de linguados na mão. Ao vê-los tive o pressentimento dum cataclismo inevitável. – Sente-se aí, ordenou êle imperiosamente, e ouça. Ia-me ler a história do pôrto de Leixões...... E começou a leitura, ao som duma formidável bátega de água, que a breve trecho convertia a estreita rua num ribeiro impetuoso e principiava a inundar a farmácia.
Ao fim de uma hora de leitura, quando o erudito discurso atingia as alturas do jurássico,…… a nossa posição, sentados nas cadeiras, era insustentável: a farmácia já tinha um palmo de água. X poz-se em pé sôbre a cadeira e, impavidum ferient ruinae, continuou a leitura. E eu imitei-o. Ás oito horas da noite tinha chegado ao fim do plioceno – época crítica para o antropoide... Não vinha longe a história do pôrto de Leixões, quando o farmacêutico insinuou que eram dez horas da noite, hora de fechar a farmácia.
X então dobrou os linguados restantes e pediu mais uns minutos para resumir o resto. E no menor número de palavras possivel traçou diante dos meus olhos deslumbrados o quadro grandioso da futura transformação de Leça, graças à conclusão do pôrto de Leixões. Quando terminou, era perto da meia-noite.O farmacêutico fechou as portas. Separamo-nos. E ao entrar em casa, com a barriga a dar horas, eu dizia comigo mesmo, profundamente convicto: – Leça é grande e X é o seu profeta!».
Os artigos que o doutor Cordeiro escreveu sobre o porto de Leixões e publicados em Janeiro, Fevereiro e Março de 1910, no jornal de Matosinhos o Debate, foram coligidos em volume, com uma carta-prefácio do conselheiro Adolfo Loureiro, engenheiro e autor do projecto para a construção do porto comercial.
O opúsculo, de 68 páginas (Porto, Tip. Peninsular de Monteiro & Gonçalves, rua dos Mercadores, foi editado pela Associação Comercial e Industrial de Matosinhos, de que era presidente da direcção José da Fonseca Menéres e intitula-se O porto de Leixões e sua rede ferroviária. Nele se inclui, em folha avulsa, uma gravura representando o «Projecto de melhoramento do porto de abrigo e da construcção de um porto commercial pelo conselheiro Adolpho Loureiro».
Na referida carta-prefácio lê-se: «...... Por esta forma viria o Porto a tornar-se em pouco tempo um verdadeiro emporio commercial. Urgia, portanto, não demorar a realisação d’esse grande melhoramento, que muito desenvolveria a riqueza publica e transformaria completamente essa predestinada localidade de Leça e Mattosinhos, fazendo expandir até ali a cidade do Porto, creando novas industrias, desenvolvendo extraordinariamente outras e tornando-se um centro de grandissima vida e actividade commercial e industrial».
E mais adiante: «É da construcção do novo porto de Leixões, com todos os accessorios e a rêde de vias-ferreas que deve dar-lhe serviço, que muito superiormente tratou nos seus artigos o snr. Dr. Afonso Cordeiro».
O retrato do doutor Cordeiro está em lugar de honra na secretaria do Hospital de Matosinhos, do qual foi grande benemérito. O Comércio de Leixões de 10 de Janeiro de 1926 é consagrado ao prestante cidadão, inserindo o seu retrato, e no número do mesmo jornal relativo ao dia 17 do referido mês vêm reproduzidos os discursos pronunciados por diferentes amigos à beira da sua sepultura. O doutor Afonso Cordeiro foi um grande trasmontano, que muito honrou a nossa terra, a quem segundo refere O Primeiro de Janeiro de 11 de Setembro de 1928, vai ser levantado, por subscrição pública, um monumento.

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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