João Lopes da Cruz nasceu a 4 de agosto de 1851 em Linhares, Carrazeda de Ansiães.
A 12 de outubro de 1870 partiu para o Rio de Janeiro. Era caixeiro de profissão, pelo que sabia ler, escrever e contar, o que na altura era “condição necessária ao sucesso na emigração”.
A grande vaga de emigração em Trás-os-Montes só se verificou no final da década de 1880. João da Cruz partiu numa altura em que poucos transmontanos o faziam, o que demonstra traços de algum espírito de aventura. Desconhecemos o que fez no Brasil. Prosseguiu provavelmente carreira no comércio, até porque “o mais natural será que as profissões de origem tendam a manter-se”.
Certo é que enriqueceu no Brasil, embora não saibamos como. Uma das suas netas, Maria Fernanda, sugere que lhe terá saído a proverbial sorte grande. É uma hipótese tão válida como outra qualquer, que, contudo, não conseguimos confirmar. De qualquer modo, em 1873, João da Cruz regressou a Portugal e começou a comprar propriedades e a emprestar dinheiro a juros sob hipoteca. Até 1880, ano em que se fixou definitivamente em Trás-os-Montes, regressou por duas vezes ao Brasil. Entre 1885 e 1895, através de compra simples ou de execução de hipotecas, adquiriu em Carrazeda dezenas de propriedades. Em 1894, constava dos cadernos eleitorais do concelho como proprietário. Como emigrante de sucesso e como forma de jubilação social, comprou em 1896 o solar de Selores, um dos edifícios mais emblemáticos de Carrazeda. Em alguns casos, a “casa do brasileiro” destoava da paisagem envolvente pela sua extravagância. Não foi o caso da moradia de Selores. O “brasileiro” não alterou o aspeto exterior da casa, mas apenas a sua envolvente, com novos plantios, armazéns e lagares de vinho.
O percurso de João da Cruz insere-se assim na classe dos que “iam «fazer» alguns anos ao Brasil e traziam pequenos capitais para […] comprarem algum terreno” e assim “reforçar a posição individual e/ou familiar no tecido social de origem”. No entanto, destrinça-se pela rapidez com que o fez. Normalmente, “uma emigração de curta duração significava, de certeza, insucesso, pelo que, a componente que optava por regressar esperaria o tempo suficiente para amealhar o dinheiro que consideravam suficiente ao seu projecto”.
Para o período 1863-1873, a maioria dos “brasileiros” que retornavam com alguma riqueza fazia-o ao fim de quinze-dezanove anos. João da Cruz esteve menos de dez anos na antiga colónia. Os seus investimentos em Portugal também fogem ao arquétipo típico do “brasileiro”, que usualmente reinvestia o capital acumulado no Brasil, país com maiores perspetivas de negócio.
Definitivamente em Portugal, dedicou-se também às empreitadas de estradas em Bragança. Em 1882, venceu o concurso para diversas tarefas de um lanço da estrada real. Em 1884, duas empreitadas estavam prontas e João da Cruz recebeu de volta o depósito de garantia no valor de 711 mil réis. Considerando que estes depósitos rondavam os 10% do preço total, o empreiteiro terá recebido cerca de sete contos pelo seu trabalho. Em 1888, tomou contratos para a construção de rodovias de Bragança à Torre de D. Chama e à fronteira em Portelo. Dedicou-se a esta atividade pelo menos até 1902, ano em que ainda encontramos o seu nome em pareceres do Conselho Superior de Obras Públicas.
Cruz inseria-se no negócio dentro do departmental/ganger system, no qual o empreiteiro realizava pequenas tarefas ou liderava pequenos grupos (gangs) de trabalhadores, sob direção de um engenheiro do dono da obra. A este sistema opunha-se o large contract system, onde o dono da obra abdicava de construir a própria empreitada e confiava a tarefa a um ou mais empreiteiros-gerais.
Segundo a Gazeta de Bragança, João da Cruz era “habilissimo n’essa ordem de trabalhos; e com os lucros que d’elles tem auferido, ha ja feito uma fortuna”. De facto, no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas encontramos pareceres sobre obras rodoviárias por ele realizadas entre 1884 e 190254. Porém, o seu rendimento declarado em 1894 era apenas de 78$062 réis, o que lhe permitia ser elegível para cargos administrativos, mas não para deputado. A participação do “brasileiro” na política foi frequente ao longo do liberalismo português, contudo, João da Cruz nunca se interessou pelos negócios da governação.
O empresário possuiu ainda uma fábrica de moagem em Bragança (em 1898) e apostou também na vitivinicultura nas propriedades que entretanto adquirira, onde procedeu à plantação de nova vinha, dando nova vida à vinicultura de Carrazeda.
Em termos familiares, João da Cruz teve pelo menos dez filhos de três mulheres diferentes, mas foi com Maria da Natividade que passou a maior parte da sua vida. O estado civil da sua relação não é consensual. Para Cristiano Morais, João da Cruz nunca casou, mas um contrato assinado em 1903 em Lisboa indica que ele era casado.
Hugo Silveira Pereira
Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade NOVA de Lisboa).
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quarta-feira, 13 de junho de 2018
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